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Bitcoin a US$ 30 mil: o “inverno cripto” ficou mesmo no passado?

Segundo Isac Costa, especialista em criptoativos, disparada do bitcoin nos 6 primeiros meses do ano pode ser “artificial”

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1 de 1 Imagem colorida de bitcoin - Foto: Jakub Porzycki/NurPhoto via Getty Images

O bitcoin, principal criptomoeda do planeta, encerrou a primeira metade de 2023 registrando uma valorização de 85% entre o início de janeiro e o fim de junho. Foi o melhor desempenho do criptoativo em um semestre nos últimos quatro anos.

Nos últimos seis meses, o bitcoin saltou de cerca de US$ 16 mil para US$ 30 mil (R$ 143,6 mil). Trata-se de uma marca ainda distante do recorde histórico de US$ 69 mil, alcançado em novembro de 2021, mas suficiente para deixar para trás o chamado “inverno cripto” – período em que as cotações de criptomoedas caem de forma expressiva, levando a perdas generalizadas de investidores que possuem esses ativos em carteira, como ocorreu no segundo semestre do ano passado.

“Dá para dizer que o ‘inverno cripto’ de 2022 acabou. Depois de subir 85% em seis meses, é difícil falar o contrário. Pode até haver uma correção no futuro próximo, mas passaremos por um ‘outono cripto’, na pior das hipóteses”, afirma Isac Costa, professor do Ibmec e especialista em criptoativos, em entrevista ao Metrópoles.

Segundo Costa, não houve “nenhuma grande mudança nos últimos meses” capaz de explicar uma valorização tão expressiva. Para ele, uma hipótese é que o bitcoin tenha se consolidado como um “porto seguro” para os investidores em um momento no qual alguns dos principais órgãos reguladores do mundo ampliam a ofensiva contra a negociação de outras criptomoedas. Outra possibilidade é que essa disparada tenha sido impulsionada artificialmente por algumas exchanges (plataformas digitais por meio das quais é possível comprar, vender, trocar ou guardar criptomoedas), em uma tentativa de aquecer o mercado.

“No mercado tradicional, tivemos inúmeros casos de manipulação de preços. Você infla os preços para chamar compradores”, afirma. “Não dá para afirmarmos com 100% de certeza, mas uma hipótese é que essa alta tenha sido causada, pelo menos em parte, por manipulação de preço por determinadas exchanges. Eu não descarto essa possibilidade.”

Leia os principais trechos da entrevista concedida por Isac Costa ao Metrópoles:

O que explica a valorização de 85% do bitcoin nos 6 primeiros meses do ano?

Mesmo no mercado tradicional, no qual nós temos demonstrações financeiras, fatos relevantes e fatos econômicos mais claros, é muito difícil explicar uma valorização desse tamanho. No caso do bitcoin, é ainda mais difícil. Mas podemos descartar algumas hipóteses. Não houve nenhuma grande mudança nos últimos meses no que diz respeito à adoção do bitcoin como meio de pagamento. Em termos de fundamentos, de número de usuários e de liquidez, também não vejo nada que tenha mudado em relação aos últimos seis ou 12 meses. Em termos de desdobramentos regulatórios, o que tivemos foram movimentos contrários ao mundo cripto, com a investida da SEC (Securities and Exchange Commission, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos) contra a maioria das criptomoedas, com exceção do bitcoin. Uma hipótese para que as pessoas tenham tirado dinheiro de alguns criptos e colocado em bitcoin é justamente essa ofensiva contra outros criptos, como o ether (ETH, a segunda maior criptomoeda do mundo). Se esses criptoativos forem considerados valores mobiliários, isso colocaria em xeque a negociação deles por exchanges que não têm autorização, como Binance, Coinbase, entre outras. Se essa tese da SEC vencer, de que o ether é um valor mobiliário, a consequência disso é que uma Binance ou uma Coinbase não poderiam negociar esse token sem obter o devido registro. Assim, o bitcoin pode ter se revelado um porto seguro contra essa investida regulatória da SEC. Isso explicaria por que o ether não teve a mesma valorização nas últimas semanas, enquanto o bitcoin despontou radicalmente.

Essa alta do bitcoin, então, pode ser uma reação aos órgãos reguladores?

É um surto especulativo que pode estar sendo causado, em parte, por uma reação a essa investida do regulador americano contra a maioria dos criptos. Em segundo lugar, também pelo fato de que alguns mercados, como o de renda variável, tiveram uma grande alta nas últimas semanas. Sabemos que existe uma correlação entre o mercado de renda variável e o mercado de investimentos alternativos de maior risco.

A disparada do bitcoin prova que o “inverno cripto” ficou mesmo para trás?

Hoje é mais fácil dizer que o “inverno cripto” passou. É mais fácil ter essa conclusão olhando pelo retrovisor do que quando você está no meio do “inverno”. Mas é muito importante colocarmos a amplitude desse movimento em perspectiva. Nós tivemos a máxima do bitcoin, em outubro de 2021, no patamar de US$ 60 mil. Depois tivemos uma queda vertiginosa para US$ 16 mil, em julho de 2022. Estamos falando de uma queda de quase 75%. É um tombo incomum para a maior parte dos ativos. Se um ativo da economia tradicional despencar 70% ou 80%, ele vira um “mico”. É muito raro que retome e volte ao antigo patamar. Mas o que aconteceu ao longo do segundo semestre do ano passado? Tivemos a quebra da FTX, todos os processos de órgãos regulatórios nos EUA, na Europa e aqui no Brasil… muita coisa aconteceu. Nesse período, o bitcoin ficou entre US$ 16 mil e US$ 20 mil e o ether subiu bastante. Por fim, desde o início de 2023, começamos a observar algumas altas, de US$ 16 mil para US$ 20 mil, depois para US$ 23 mil, para US$ 25 mil, até os US$ 30 mil dos últimos dias. É possível concluir que o otimismo em relação ao bitcoin voltou, efetivamente, de dois meses para cá. Portanto, hoje, dá para dizer que o “inverno cripto” de 2022 acabou. Depois de subir 85% em seis meses, é difícil falar o contrário. Pode até haver uma correção no futuro próximo, mas ainda passaremos por um “outono cripto”, na pior das hipóteses.

A BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, apresentou recentemente um pedido para lançar um ETF (Exchange Traded Fund, um fundo negociado em bolsa) que teria como referência o bitcoin. Isso pode ter impulsionado a forte alta da criptomoeda?

Quem é mais otimista vai dizer que sim. Mas é bom lembrar que esses pedidos têm sido formulados já há algum tempo nos EUA. É claro que não havia ainda um pedido de uma gestora da magnitude da BlackRock. O fato de a BlackRock ter se interessado é algo diferente, novo, não é trivial. Entretanto, a própria SEC já se manifestou publicamente no sentido de que considera inadequado conceder uma autorização para esse tipo de fundo. Existe uma pressão muito grande por parte dos reguladores para não aprovar. O mercado quer, as bolsas americanas querem e as gestoras querem porque é mais uma alternativa de investimento para a diversificação de risco pelos investidores. Se esse ETF for aprovado, poderemos ter uma alta ainda mais significativa. Mas não acho que essa aprovação possa ser dada como certa. O risco de não ser aprovado é elevado.

Essa valorização tão grande do bitcoin pode ser artificial?

É uma hipótese que precisa ser discutida. A alta dos preços do bitcoin é um movimento que não é tão transparente. Não se sabe inteiramente o que está acontecendo, de fato. A tecnologia blockchain (sistema que permite envio e recebimento de informações pela internet e funciona como um grande banco de dados que registra as transações) se promove como transparente, mas a maioria das transações que acontecem hoje estão ocorrendo dentro de exchanges centralizadas. Você não sabe ao certo quem está comprando e vendendo. Boa parte do combustível para essa alta pode ser artificial, sim. No mercado tradicional, tivemos inúmeros casos de manipulação de preços. Você infla os preços para chamar compradores. Em alguns momentos, vemos que o bitcoin parece estar na “bacia das almas”, com todos os fatores convergindo para uma implosão e, de repente, acontece uma alta milagrosa. Não dá para afirmarmos com 100% de certeza, mas uma hipótese é que essa alta tenha sido causada, pelo menos em parte, por manipulação de preço por determinadas exchanges. Eu não descarto essa possibilidade.

Falemos do marco legal das criptomoedas, que entrou em vigor no Brasil. O que muda, na prática, com a nova legislação?

Dividimos o mercado cripto em dois grandes blocos. O primeiro mercado é o de negociação de criptomoedas e criptoativos em geral. Basicamente, esse é o business das exchanges. O segundo é o mercado que utiliza blockchain como infraestrutura de mercado financeiro. Na minha leitura, esse segundo mercado é o que sofrerá maior impacto pela regulação. É o mercado de tokenização de ativos, para você transformar recebíveis em ativos digitais e facilitar a emissão e a circulação desses ativos. É o mercado que está sendo experimentado por Visa, Mastercard e grandes empresas de pagamentos. Em última análise, é o mercado que vem sendo explorado pelo real digital e pelas moedas digitais dos bancos centrais, para modernizar a infraestrutura de pagamentos. Na prática, aqui no Brasil, será necessária uma autorização para atuar em qualquer um desses dois mercados. Essa autorização será dada pelo Banco Central (BC). Ninguém sabe ainda como será esse procedimento. O BC vai fazer uma consulta pública e os integrantes do mercado vão participar. Caberá ao BC dizer quais os requisitos exigidos para quem quiser participar. Normalmente, para os outros setores que regula, o BC pede garantias como idoneidade dos fundadores, constituição de empresa no Brasil, tipo societário, patrimônio líquido mínimo, entre outros pontos. No Brasil, se você for uma exchange ou uma prestadora de serviços de custódia de criptoativos, precisará ter essa autorização junto ao BC. Isso ainda não é realidade. Só será realidade talvez daqui a um ano, a depender do ritmo da elaboração da norma.

Com o marco legal, será possível coibir as fraudes no mercado cripto?

Não acredito nisso. A lei não previne, de forma eficaz, a ocorrência de fraudes. O que talvez possa acontecer é que tenhamos um sistema de repressão a fraudes um pouco mais eficiente. Hoje não está claro quem fiscaliza: se é a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Polícia Federal (PF) ou o BC. Agora, pelo menos, haverá uma entidade que terá a responsabilidade de olhar isso. A fiscalização será um pouco melhor. É possível que algumas fraudes sejam descobertas mais cedo do que aconteceu no caso do Faraó dos Bitcoins, por exemplo. Pode ser que as pessoas responsáveis por esses crimes sejam punidas de forma mais assertiva. Mas as fraudes não deixarão de existir. Sou muito cético em relação à capacidade da nova lei de combater fraudes.

Em 2021, El Salvador transformou o bitcoin em moeda de curso legal (com status de moeda nacional). Em outros países, como o México, projetos sobre o tema vêm sendo debatidos. É uma boa ou uma má ideia?

Não faz absolutamente nenhum sentido. A própria tecnologia do bitcoin não foi pensada para uma volumetria relevante de pagamentos. Para você ter uma infraestrutura eletrônica de pagamentos de um país, precisa de uma tecnologia como a do Pix e, provavelmente, como será a do real digital. O que ocorreu em El Salvador, e alguns defendem no México e na Argentina, é o fato de que, uma vez que sua moeda soberana esteja sob risco, seja por uma crise institucional ou econômica, seja necessário ter alguma unidade estável de valor. Tradicionalmente, essas unidades estáveis são o dólar e o ouro. Hoje nós temos o bitcoin ou outros ativos digitais como uma alternativa nesse sentido. Agora, o que faz ele ser uma alternativa não é a tecnologia blockchain, mas simplesmente o fato de que ele tem uma determinada flutuação de preços que não depende da eventual crise daquele país. Os preços do bitcoin flutuam independentemente do que está acontecendo na Argentina ou em qualquer lugar. O grande problema é que a volatilidade dos preços do bitcoin é enorme. Ele não serve como uma unidade estável de valor. Um ativo que cai 75% de outubro de 2021 a julho de 2022 e que sobe 85% entre janeiro e junho de 2023 não é um ativo estável. Por isso, não faz sentido qualquer país adotar o bitcoin como moeda de curso legal.

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