Quando, em 26 de setembro de 2021, os alemães elegerem seu próximo parlamento federal, Angela Merkel terá cumprido 16 anos de mandato como chefe de governo.
Ela viu virem e irem três presidentes americanos, cinco primeiros-ministros britânicos e sete presidentes do Conselho italianos. Nas muitas crises desse período, a chanceler federal foi um porto seguro, desde a do endividamento estatal europeu até a da pandemia de Covid-19. Portanto seu sucessor ou sua sucessora terá largos passos a seguir.
Oficialmente, a convenção virtual do partido de Merkel, a União Democrata Cristã (CDU), marcada para este sábado (16/1), reunindo 1.001 delegados, nada tem a ver com a sucessão da chanceler, trata-se “apenas” da disputa pela liderança partidária.
Porém como há meses a sigla é, de longe, a mais forte nas pesquisas de opinião, automaticamente também se considera a questão da chefia de governo: quem for o líder da CDU deve, por princípio, estar apto a assumir a Chancelaria Federal.
Homens católicos da Renânia do Norte-Vestfália
São três os candidatos à presidência democrata cristã, substituindo a inexpressiva Annegret Kramp-Karrenbauer: o ex-chefe da bancada da CDU no Bundestag (câmara baixa do parlamento) Friedrich Merz; o governador da Renânia do Norte-Vestfália, Armin Laschet; e o especialista em política externa Norbert Röttgen.
Em comum, os concorrentes têm o fato de serem todos homens católicos e pais de família do estado da Renânia do Norte-Vestfália. Do ponto de vista político, todos defendem o curso do centro: a CDU precisa se destacar nitidamente, tanto da Alternativa para a Alemanha (AfD), à direita, quando do partido A Esquerda.
Eles também partilham a preocupação com o futuro da CDU, que costuma mancar atrás das mudanças sociais. “Somos representativos da sociedade? A resposta é ‘não'”, abordou Laschet abertamente seus correligionários, pouco tempo atrás.
Em consequência, eles querem atrair mais jovens, mais mulheres e mais cidadãos de origem estrangeira, tanto para seus quadros quanto para seu eleitorado. Sobre os imigrantes, Laschet comentou: “Se os conquistamos, temos uma chance de permanecer partido majoritário no longo prazo”. Os três almejam, ainda, mais digitalização e mais proteção climática, porém associadas a uma economia forte.
Reconhecível, elegível, renovada?
Ao lado desses pontos em comum, cada candidato à liderança democrata cristã tem suas ênfases especiais. Laschet dá grande importância à justiça social e à segurança interna.
Röttgen, presidente da Comissão de Política Externa do Bundestag, exige mais responsabilidade da Alemanha na Europa e no mundo. “Somos o partido internacional, o partido europeu, o partido transatlântico. Precisamos voltar a preencher isso”, declarou recentemente a funcionários da CDU.
Merz é considerado representante da economia e defende um fortalecimento do perfil conservador. Seus apoiadores esperam que ele traga de volta os eleitores da populista de direita AfD.
O cientista político Uwe Jun, da Universidade de Trier, reduz as diferenças entre os três aspirantes à seguinte fórmula: “Merz quer antes que o partido seja reconhecível; Laschet, que seja mais elegível no centro político; Röttgen é pela renovação.”
Tudo indica que Laschet garantiria uma continuação praticamente inalterada da política de Merkel. Ele apoiou sem reservas a chanceler federal, tanto em sua controvertida política para os refugiados como na abertura do partido para a esquerda. Talvez por isso ela tenha dado a perceber um favoritismo pelo governador renano.
Merz, que perdeu por pouco para Kramp-Karrenbauer cerca de dois anos atrás, provavelmente é quem mais transformaria a União Democrata Cristã. Numa conferência digital recente, ele instou o partido a sair da sombra de Merkel: embora ela tenha garantido pontuação alta nas enquetes, graças à boa gestão da crise do coronavírus, “em 26 de setembro não seremos eleitos por gratidão pelo passado, mas sim com expectativas e esperanças para o futuro”.

Angela Merkel, chanceler alemãredes sociais/ reprodução

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Angela Merkel, chanceler da AlemanhaFotos Públicas/Divulgação

DEU - ALEMANHA/MERKEL - INTERNACIONAL - A chanceler alemã, Angela Merkel participa de debate no parlamento alemão, em Berlim. 15/10/2015 - Foto: MARKUS SCHREIBER/ASSOCIATED PRESS/ESTADÃO CONTEÚDOMARKUS SCHREIBER/ASSOCIATED PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Eleitorado quer outro candidato
Mas o que quer e de que precisa a legenda democrata cristã: renovação ou continuação da política Merkel, sem Merkel? Para Uwe Jun, não é possível dar uma resposta genérica, pois depende da perspectiva.
“Em sua autoimagem, a CDU sempre se definiu como partido do governo eficaz junto ao eleitorado. Tomando-se isso como parâmetro, Laschet é quem representa o menor risco”: ele é o único que no momento exerce um cargo governamental, enquanto Merz nunca ocupou nenhum.
E Röttgen foi demitido como ministro do Meio Ambiente de forma espetacular por Merkel, em 2012. Ele fracassou fragorosamente na candidatura ao parlamento estadual da Renânia do Norte-Vestfália, mas preferiu garantir seu posto de secretário em Berlim, em vez de se tornar líder oposicionista em Düsseldorf.
Mas a questão da experiência de governo não parece nem favorecer Laschet, nem prejudicar os demais. Pois, com quase 30%, Merz lidera as pesquisas, enquanto Röttgen e Laschet apresentam, ambos, 25% entre o eleitorado da CDU. No total alemão, Röttgen se posiciona até mesmo à frente de Laschet.
O fator decisivo, entretanto, é que nenhum dos três se destaca como candidato à Chancelaria Federal na preferência dos alemães. O ministro da Saúde, Jens Spahn, que oficialmente apoia Laschet conta com muito mais pontos na escala de predileção. Só com sua trajetória pessoal o político homossexual de apenas 40 anos levaria novos ares à CDU. Mas no momento ele descarta concorrer à chefia de governo.
Melhor ainda é a situação para um político que sequer é membro da CDU, e sim de seu partido-irmão: 55% dos alemães e até mesmo 80% dos conservadores cristãos consideram o líder da União Social Cristã (CSU) e governador bávaro, Markus Söder, como bom aspirante a chanceler federal.
A questionamentos nesse sentido, ele tem sempre respondido: “O meu lugar é na Baviera.” Fica em aberto se ele se recusaria, mesmo se a CDU lhe designasse formalmente a candidatura.