metropoles.com

UnB: arquitetos contestam monumentos ligados à violência. Lista tem até JK

Pelo Facebook, docente anunciou projeto de mapeamento dos “sítios de memória da violência colonial” que atravessam a arquitetura de Brasília

atualizado

Compartilhar notícia

Rafaela Felicciano/Metrópoles
Memorial JK - amanhecer nublado
1 de 1 Memorial JK - amanhecer nublado - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Na esteira dos movimentos mundiais contra o racismo e da recente derrubada da estátua de um traficante de escravos, em Londres, um professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de Brasília (UnB) propôs, em grupo de Facebook, a reflexão sobre um outro lado da história que os cartões-postais, incluindo os brasilienses, não mostram: os marcos históricos que representam violências da colonização.

No debate virtual, o arquiteto e urbanista Paulo Tavares, professor com pós-doutorado na área, indica o Memorial JK como um exemplo. Endereço do mausoléu do ex-presidente, o local celebra a memória do fundador da cidade como um bandeirante “desbravando-colonizando” os sertões.

Contudo, o mestre pondera que, embora a imagem seja símbolo da construção da cidade, carrega também o lado do sofrimento e incertezas para quem vivia no Planalto Central à época.

“Que cidade-sociedade este monumento representa? Deve ser ele celebrado como um marco ‘fundador’ da civilidade no sertão ou testemunha da barbárie colonial? Tento em vistas as populações ameríndias e quilombolas que habitam esta região desde tempos ‘imemoriais’, como confrontamos os legados destas narrativas da modernidade nacional-colonial no campo da arquitetura?”, reflete.

0

No grupo fechado e exclusivo para alunos e professores da faculdade de urbanismo – ou seja, um ambiente propício e coerente para a discussão desse nível –, o docente anunciou o início de um projeto para o mapeamento dos “sítios de memória da violência colonial” que atravessam a arquitetura de Brasília.

A argumentação ocorre em meio a vários protestos mundiais, incluindo a derrubada da estátua de um traficante de escravos na Inglaterra e o anúncio feito pelo prefeito de Londres, Sadiq Khan, de rever todos os nomes de monumentos e de ruas da capital inglesa.

Com o objetivo de levantar o debate sobre os fatos silenciosos que atuam como figurantes numa narrativa essencialmente patriótica, a discussão tem rendido reflexão dos estudantes e participantes para um olhar mais aprofundado sobre as narrativas históricas impostas na formação intelectual de cada um.

Herança violenta

Sem conotação política, o professor explica que, tanto nas eras antigas da esquerda e de direita, a estrutura colonial-racial sempre foi uma constante, antes e após o período colonial, ainda que a narrativa da nacionalidade desenvolvimentista classifique JK como um gestor ‘progressista’.

“Há mesmo aqueles que defendem a ditadura getulista como progressista, o que, em certos aspectos, realmente esses dois governos foram. A questão é como a estrutura colonial-patriarcal-racial atravessa ditaduras e democracias, marcando profundamente a história/memória em cidades brasileiras”, explica.

Paulo Tavares esclarece que a ideia do projeto não é a de renegar tudo aquilo que está representado na história do Brasil. A discussão serve para reconhecer que há um outro lado, nem tão poético, e que também tem o direito de ser admitido e legitimado.

“A destruição em si não pressupõe necessariamente a demolição ou a destruição física. Eventualmente, a deslocação de um monumento para outro lugar, em larga medida, a fundação teórica e prática do preservacionismo é a destruição – dos mundos, de objetos, de paisagens”, teoriza.

E dá o exemplo dos museus como “cenas de crimes, não depósitos de cultura”. “Grande parte do patrimônio histórico-etnográfico brasileiro é resultado de pilhagens, violações, ocupações coloniais-violentas de territórios: é uma questão a se pensar”, continuou o acadêmico.

Além da polêmica

O urbanista esclarece não estar “advogando” pela destruição de nossas instituições culturais, consideradas por ele como “nossos mais queridos patrimônios”. “Isso não significa que temos que comungar de um discurso nacionalista – e no limite colonialista-racista – sob o qual estas instituições foram erguidas”.

Após o acesso ao teor do debate, o Metrópoles conversou com o professor Paulo Tavares. Segundo o acadêmico, o tema é de extrema relevância, mas foi tratado dentro de uma comunidade universitária com o contexto do momento político sob o olhar da arquitetura mundial.

Assim, o professor reforçou que as conversas virtuais têm sido usadas pela UnB como forma de estimular o conhecimento dos estudantes durante a fase da pandemia causada pelo novo coronavírus. Ou seja, um ambiente feito para os questionamentos como forma de crescimento.

A Universidade de Brasília afirmou, por meio de nota, que não acompanha a referida página. No texto, a instituição frisou que opiniões emitidas por membros da ampla e diversa comunidade universitária não refletem, necessariamente, a opinião da Administração Superior da UnB.

Ponte

Não é a primeira vez que o debate sobre a revisitação do passado toma conta de Brasília. Recentemente, a placa da Ponte Costa e Silva foi alvo de intervenção e protesto. O Movimento de Mulheres Olga Benário “renomeou” o local. Os integrantes do grupo colaram um adesivo com o nome de Marielle Franco, vereadora morta a tiros em março de 2018, no Rio de Janeiro. Porém, momentos depois, a “homenagem” havia sido retirada do local.

Na verdade, em 2018, findou-se uma polêmica sobre a construção que liga a Asa Sul ao Lago Sul. Uma lei distrital aprovada na Câmara Legislativa retirou o nome do ex-presidente militar do país do monumento e rebatizou de Honestino Guimarães, líder estudantil que desapareceu durante o regime do Exército. A Justiça considerou a lei anticonstitucional, porque só cabe ao governador em exercício definir a nomenclatura de logradouros.

Estátua em Londres

Nesse domingo (07/06), uma estátua de Edward Colston, homem que enriqueceu no século XVII por vender pessoas escravizadas na África, foi derrubada e jogada no porto de Bristol por um grupo de manifestantes que participavam de um ato em protesto à morte de George Floyd, nos Estados Unidos.

No dia seguinte, o prefeito da capital inglesa, Marvin Rees, anunciou que não reinstalaria a homenagem no local e guardaria a escultura em um museu.

O prefeito também disse estudar criar uma comissão para avaliar os nomes de ruas e monumentos da cidade europeia que têm relação com a rápida expansão da riqueza e do poder de Londres no auge do Império Britânico durante o reinado da rainha Vitória.

“É uma verdade desconfortável que a riqueza da nossa nação e da nossa cidade se devam em grande parte ao comércio de escravos. E, embora isso esteja em domínio público, a contribuição de muitas de nossas comunidades para a vida em nossa capital tem sido deliberadamente ignorada”, declarou o político.

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?