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Gramado do Mané Garrincha: da fazenda polêmica ao futuro no sintético

Seis anos após reforma, campo da arena brasiliense é alvo constante de críticas e sobe na lista de prioridades. Metrópoles relembra descaso

atualizado

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Michael Melo/Metrópoles
Michael Melo/Metrópoles
1 de 1 Michael Melo/Metrópoles - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Diego Souza rola a bola para Alex Santana. O meia tenta passar pela marcação, mas é desarmado por Paulo Henrique Ganso. O lance poderia ter sido o início da partida entre Botafogo e Fluminense desse domingo (06/10/2019), no Estádio Mané Garrincha, mas ficou apenas no imaginário. Devido ao estado do gramado, o clube alvinegro decidiu recuar da decisão de trazer o duelo para Brasília e o clássico aconteceu no Estádio Nilton Santos, no Rio de Janeiro.

A má fama do gramado da arena brasiliense – que motivou o retorno do duelo carioca ao Rio – preocupa o novo gestor, Richard Dubois. A partir de janeiro, o consórcio administrado por ele, Arena BSB, assume inteiramente a responsabilidade sobre o Mané Garrincha pelos próximos 35 anos. De acordo com Dubois, episódios recentes, como a perda do clássico, fizeram o campo “subir na escala de prioridade”.

Incomodado com as críticas, Dubois acredita que o fim do impasse tem duas soluções: implementação de grama sintética ou plantação em fazenda próxima.

A decisão sobre o novo piso do Mané Garrincha sairá no próximo ano, o que garante ao menos sete anos de dor de cabeça com uma relva polêmica desde o início de sua implementação. Em 2013, os responsáveis pela nova arena decidiram cultivar o gramado em uma fazenda em Sergipe. O resultado foi desastroso e o palco de abertura da Copa das Confederações só recebeu um dos principais itens para se jogar futebol 18 dias antes da reinauguração.

Como se nota, a discussão sobre o gramado é mais antiga do que se imagina. A seguir, o Metrópoles mostra em sete capítulos como e o porquê uma arena “padrão Fifa” não consegue, seis anos depois, se livrar dos embaraços com o gramado.

Já começou errado
Em 2013, o secretário extraordinário da Copa no DF, Cláudio Monteiro, afirmou que o gramado do Mané Garrincha ia ser colocado no dia 18 de abril e que teria um mês para tratá-lo até a partida de abertura. Porém, o gramado saiu de Sergipe somente em 26 de abril, chegou em Brasília no dia seguinte e logo começou a ser instalado. Tinha a previsão de ficar pronto até o 1º dia de maio e ficou: 17 dias depois, aconteceu a inauguração. Diretora de Obras Especiais da Novacap, Maruska Lima disse, à época, que o intervalo entre a finalização da instalação e a primeira partida seria suficiente para o jogo poder ser realizado.

Um mês depois, quando houve a abertura da Copa das Confederações no estádio, após a realização de dois jogos – um do Candangão e outro entre Flamengo x Santos, na despedida de Neymar –, começaram a aparecer as primeiras análises. Jorginho, então treinador do Peixe, afirmou: “O campo não está excepcional, mas está em bom estado, bem melhor que vários campos em que jogamos.”

Próximo à abertura da Copa das Confederações, o então secretário-geral da Fifa, Jérôme Valke, avaliou o gramado: “Podemos agradecer por ter só um jogo em Brasília, porque a qualidade do gramado tem de ser melhorada. Mas vamos trabalhar nisso até a Copa [do Mundo].”

Reparos feitos às pressas e choque de eventos
Ainda em 2013, ano de reinauguração de estádio após a reforma para a Copa do Mundo, o palco recebeu um show-tributo a Renato Russo uma semana antes da partida entre Flamengo x Coritiba. No dia do jogo, o gramado estava em péssimas condições. Na época, o engenheiro agrônomo da Greenleaf Paulo Antônio Azevedo explicou o que deveria ter acontecido para que a situação fosse diferente: “Se um show acontece hoje e tem uma partida marcada para daqui 10, 15 dias, a condição do gramado vai estar muito melhor. Não tem o que fazer. (…) Esteticamente fica feio, mas o importante é fazer a bola rolar normalmente. Dando tempo de recuperação, é possível ter um gramado melhor. Só não dá para fazer milagre”.

Matéria publicada pelo G1 em 2015 mostrou um levantamento que concluía que o estádio recebeu mais eventos (38) do que partidas de futebol (22) após a Copa do Mundo de 2014. Sendo que, no ano da notícia, foram apenas seis jogos e 21 programas variados, entre shows, eventos institucionais e culturais. Ainda em 2015, Atlético-MG e Botafogo entraram em campo em Brasília e o gramado recebeu críticas de ambos os treinadores.

“O gramado está muito ruim, especialmente para uma arena tão cara como essa. Eu lamento como contribuinte”, disse Levir Culpi. “Para uma arena tão cara, o gramado está horroroso”, afirmou René Simões. Em 2013, Felipão chegou a falar que “o campo do Centro de Capacitação dos Bombeiros estava melhor”. Na ocasião, a Seleção Brasileira havia treinado na relva dos bombeiros durante preparação para a Copa das Confederações.

Daniel Ferreira/Metrópoles
Brasil x África do Sul no Estádio Mané Garrincha durante os Jogos Olímpicos do Rio 2016

Denúncia do MPDF
No final de 2015, uma matéria do G1 revelou que o Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) abriu uma ação na Justiça contra o ex-presidente da Novacap Nilson Martorelli, a ex-diretora de obras Maruska Lima e o ex-gerente de fiscalização Luiz Rogério Gonçalves, por irregularidades apresentadas no gramado do Mané Garrincha. Em 2012, quando a Greenleaf (empresa responsável pela instalação e manutenção da relva) venceu a licitação, existiu a promessa, na assinatura do contrato em 2013, de que a espécie de grama que seria instalada no estádio não tinha registro no Ministério da Cultura e seria plantada por semeadura – técnica que dá mais trabalho, mas é mais barata. Porém, isso não foi cumprido.

No lugar do tipo prometido, foi plantada a Bermuda Celebration, mais cara e cultivada pela técnica do “maxirolo”, que veio de Sergipe, a 1.700 quilômetros de Brasília. Maruska Lima explicou ao Globo Esporte regional por que isso aconteceu: “Próximo a Brasília, nós não temos nada parecido com essa qualidade. O terreno próximo a Brasília não é arenoso, que é o que precisamos. Ele é argiloso, justamente o oposto do que nós precisamos.”

Optar por essa técnica (maxirolo) foi em contraposição ao que a Fifa recomendou às arenas-sedes das Copas da Confederação e do Mundo, em 2013 e 2014, respectivamente. Além disso, a opção gerou gasto extra. O gramado ficou 663% mais caro do que o previsto, segundo o Ministério Público. O metro quadrado, que seria de R$ 12,44, saiu por R$ 82,60.

Ao atuar nas obras de drenagem do campo, a empresa escolheu utilizar um tipo de canaleta também mais cara, além de solicitar camada adicional de brita de R$ 200 mil, que, como veremos a seguir, não foi um procedimento realizado. A respeito do custo mensal de manutenção do gramado, o Ministério informou ainda que o Botafogo, em 2012, pagava R$ 38.540,72 à mesma empresa que faz a atividade no Mané Garrincha, a Greenleaf, para manter o campo do Engenhão em boas condições, enquanto o GDF pagava R$ 97.087,88 por mês, quase o triplo. A frequência que os gramados são utilizados para partidas de futebol é completamente desproporcional. O estádio alvinegro recebe jogos quase semanalmente.

Superfaturamento
Em 2016, o Metrópoles noticiou o superfaturamento do gramado do Mané Garrincha em R$ 950 mil. Na época, o presidente do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), Renato Rainha, declarou que alguns serviços foram pagos, mas não foram realizados, enquanto outros receberam o dobro do valor previsto. Por exemplo, a área quitada para ser nivelada (17.940 m²) correspondia ao dobro da área correta do campo (8.970 m²).

Quanto ao mesmo serviço de nivelamento, descobriu-se que ele foi feito em três etapas (limpeza e preparo da área; execução do campo; e drenagem), sendo que a Fifa recomenda que seja feito em apenas uma. Só aí, houve prejuízo de R$ 320 mil. A colocação da sub-base em brita (camada abaixo da grama que faz parte da melhoria na drenagem) do gramado nem sequer foi realizada, mas R$ 243 mil foram desembolsados.

O Metrópoles teve acesso ao processo, que tem referência de 5 de outubro de 2012 a 22 de maio de 2018 e trata do superfaturamento, e ele mostra que o valor original do prejuízo era de R$ 3.931.200,98. Atualizado em outubro de 2016, o valor é de R$ 4.897.431,05. “Os responsáveis listados na Matriz de Responsabilização foram citados para apresentarem defesa ou recolherem a quantia devida. Após pedido de prorrogação de prazo, as defesas foram enviadas ao TCDF e estão sob análise do corpo técnico”, explicou o TCDF.

Os listados são: Josimar Ferreira Evangelista, responsável técnico pelo orçamento do gramado; Maruska Lima de Souza Holanda, diretora da Diretoria de Obras Especiais (DOE), responsável pelo edital; Luiz Rogério Pinto Gonçalves, gerente de fiscalização da Novacap; Paulo Antônio Azevedo Neto, presidente da Greenleaf; Alexandre Gustavo Vieira e Flavio Piquet, diretores da Greenleaf (as funções estão de acordo com a época em questão). Todos eles já enviaram suas defesas ao TCDF e o processo está na fase de análise das defesas.

“Trata-se de uma análise bastante complexa e que envolve detalhes que estão sendo analisados por setores especializados do corpo técnico do Tribunal”, esclarece a Corte. “Finalizada a análise do corpo técnico, o processo é devolvido ao Conselheiro Relator (Paulo Tadeu), e ele deverá encaminhar os autos ao Ministério Público junto ao TCDF (trata-se de um ramo do MP que atua exclusivamente no Tribunal de Contas), para emissão de parecer. Emitido o parecer do MPJTCDF, o processo retorna novamente ao Conselheiro Relator, que irá elaborar o Relatório/voto e levar o processo para nova apreciação do Plenário.”

Manutenção financiada por clubes de fora
Também em 2016, o Flamengo disputou sete jogos no Estádio Nacional Mané Garrincha. Após os dois primeiros, visando a qualidade do gramado para as partidas seguintes e tendo em vista a situação apresentada no duelo contra o Vasco pelo Cariocão em 30 de março, o time rubro-negro decidiu tirar do próprio bolso o dinheiro da manutenção da relva. 

O contrato assinado com a Greenleaf foi de R$ 90 mil mensais. Com essa atitude, o Flamengo se antecipou à administração do estádio (Novacap), que não havia renovado com a empresa. O contrato encerrou em fevereiro daquele ano e, desde então, o gramado não recebia os devidos cuidados. O time da Gávea tinha a expectativa de trazer até 10 jogos à capital em 2016, mas apenas mais cinco aconteceram.

Jogo cancelado devido ao estado do gramado apresentado em Flamengo x Avaí
Em 12 de setembro, o Metrópoles informou que o jogo entre Botafogo x Fluminense que seria sediado no Mané Garrincha em 6 de outubro voltou para o Engenhão, pois o Alvinegro ficou preocupado com a situação do gramado brasiliense, devido ao fato de o campo receber um evento de música eletrônica no dia anterior à partida.

Futuro: sintético é o preferido, mas fazenda está no páreo
O histórico de problemas tende a continuar ao menos até dezembro de 2020. Novo gestor da arena pelos próximos 35 anos – assume inteiramente em janeiro –, Richard Dubois reconhece os transtornos causados pela má fama do gramado. Entusiasta da tecnologia, o diretor da Arena BSB não tem dúvida de que o melhor caminho para o Mané Garrincha se livrar das críticas constantes é implementar o gramado sintético. Para isso, ele pondera que será necessária uma ruptura de pensamento no Brasil.

“Precisamos separar as lendas urbanas da realidade. O país que mais gasta dinheiro com esporte (Estados Unidos), que tem o esporte de mais alto nível, usa a grama sintética na maioria dos estádios. No Brasil, ainda há uma resistência com o sintético. Não é uma resistência objetiva, técnica… É uma resistência de gosto. Tradição, desconhecimento…”, acredita Dubois. “A tendência das arenas modernas é ser fechada, para dar mais conforto ao usuário. E ao serem cada vez mais cobertas, o gramado sofre.” 

Ao lado do Governo do Distrito Federal (GDF), em gestão compartilhada da arena desde 26 de julho, Richard Dubois fala com propriedade sobre a dificuldade de manter o piso natural no Mané Garrincha. Atualmente, o estádio dispõe de dois tipos diferentes de grama. No lado que bate sol, foi plantada a grama de verão. No lado da sombra (não bate sol em nenhuma hora do dia), a de inverno, que é a mais problemática. Para mantê-la no mesmo nível, é necessário menos irrigação e sistema de iluminação artificial. Como não resiste nem cresce na mesma proporção da de verão, a de inverno precisa de tempo maior de recuperação.

Michael Melo/Metrópoles
Richard Dubois, responsável pela Arena Brasília no Estádio Mane Garrincha

Essa falta de padrão é outra falha que o gestor não está disposto a tolerar. “O gramado sintético é mais consistente, mais uniforme. Na Europa, a tendência está crescendo muito. A gente não pode deixar de ter jogo por causa do gramado. E não podemos deixar que os times saiam daqui e coloquem a culpa do resultado no estado do gramado. A gente precisa evoluir e atingir um nível de entendimento que o sintético deixa o jogo melhor, é mais rápido. Para o espectador é melhor, o jogo fica mais uniforme. Tira o morrinho-artilheiro. Acho que o bom jogador prefere o gramado sintético. Time retranqueiro prefere o gramado irregular”, defende.  

A tendência de troca para o piso artificial, no entanto, ficará para 2021. Por enquanto, somente a margem do gramado será cercada pelo sintético. De acordo com o gestor, essa ação deve ser feita até janeiro. Dubois explica que o estudo para colocar o sintético na área total precisa ser minucioso e é necessário tempo para a mudança de visão das pessoas do futebol. “Esperamos que a evolução do futebol brasileiro ajude a romper essa tradição. Mas não vamos mudar para o sintético logo de cara. Pelo menos um ano, ele continuará natural.”

Outra opção abordada pela Arena BSB é manter o gramado atual, mas municiá-lo com rolos de fora. Dubois explica que áreas perto de Brasília estão sendo estudadas para que sirvam de suporte para o Mané. “Plantaríamos o mesmo tipo de grama no estádio numa fazenda próxima. Conforme o estádio apresentasse necessidade de troca, pegaríamos os rolos bons da fazenda e colocaríamos no lugar. A área ruim, replantaríamos na fazenda até ficar boa novamente”, explica. 

Esse processo de gramado externo, no entanto, atualmente, é bem menos provável. O custo de manutenção e transporte são empecilhos a serem considerados. 

Os cuidados minudentes com a relva natural são inversamente proporcionais ao calendário de eventos do estádio. Jogos, shows, eventos culturais… São inúmeras as atividades possíveis de serem realizadas dentro da arena, o que inviabiliza, de certa forma, o prazo necessário de recuperação do gramado. 

Por conta disso, Dubois afirma que já mudou o formato de reserva do Mané Garrincha. A partir de janeiro, haverá duas modalidades de agenda. “Tenho certeza que, sob a nossa gestão, vamos ter uma preocupação muito grande com a qualidade do gramado. Os eventos menores só serão confirmados se não tiver um primário. Quem quiser datas para eventos secundários para 2020 vai ter que aceitar uma incerteza de data. Funcionará como aqueles sites de hotel. Você pode pagar o evento pequeno? Pode, mas só te digo a data com 30 dias de antecedência. Quer garantir a data? Então, paga como se fosse um evento primário.”

Custos

De acordo com o diretor da Arena BSB, a economia com a troca do gramado natural pelo sintético deve girar em torno de R$ 50 mil mensais. Ainda em busca de orçamentos, Dubois acredita que gastará entre R$ 3 milhões e R$ 4 milhões para implementar a grama artificial no Mané Garrincha. “O gramado sintético se paga em cinco, seis anos. Não é um investimento fantástico, temos investimentos melhores para fazer. Geração elétrica me paga em quatro anos, o sistema de câmera me paga em poucas horas, o sistema de alarme de incêndio se paga em mês. Agora, se o gramado virar uma fonte de preocupação e de problema que manche a imagem do estádio, aí temos que agir mais rápido. Por isso, ele subiu na escala de prioridade.”

A reportagem entrou em contato com a Novacap e a Greenleaf sobre a situação do gramado do Mané Garrincha. Porém, até a data de publicação da matéria, não recebemos as respostas

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