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Covid-19: em Taiwan, basquete profissional segue “pseudonormal”

Mesmo seguindo regras do governo da ilha, torneio terá playoffs em local único, um ginásio pequeno e sem torcida

atualizado

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Quando estudava na Universidade George Washington, Ben Metcalf trabalhou como gandula do Washington Wizards pelas mesmas duas temporadas em que os Wizards tiveram um ala-armador chamado Michael Jordan. Logo depois, Metcalf foi estagiário na sala de vídeo do Orlando Magic quando o time derrotou o New York Knicks na noite de abertura — e depois perdeu dezenove jogos seguidos.

Metcalf subestimou este seu início de carreira tão peculiar dizendo que ‘todo cara de vídeo tem as mesmas histórias’. Mas ele teria mais dificuldade de contestar a natureza idiossincrática de sua última entrada no currículo: Metcalf, 38 anos, é técnico em Taiwan, naquela que talvez seja a única liga de basquete profissional do mundo ainda em funcionamento durante a pandemia do coronavírus.

A crise de saúde global fechou quase todas as ligas no mapa do basquete, mas não a Super Liga de Basquete de Taiwan (SBL). Então, na noite de quinta-feira, Metcalf acompanhou seu time, o Taoyuan Pauian Archiland, na derrota por 85 x 77 para o Bank of Taiwan, liderado por Matt Jones, ex-ala do Duke, que fez 29 pontos.

O Pauian jogou sexta-feira (10/04) e novamente no sábado (11/04), seus dois últimos jogos da temporada regular antes de começarem os playoffs — que estão programados para acontecer num pequeno ginásio, sem torcida, numa versão modesta do ambiente de “bolhas” que a NBA provavelmente tentará replicar se as condições nos Estados Unidos permitirem a retomada da temporada.

“Você liga a CNN ou acessa o site da ESPN e se dá conta: ‘Caramba, nós somos mesmo as únicas pessoas que têm a sorte de ainda fazer o que amamos'”, disse Metcalf numa entrevista por telefone. “Acho que isso diz muito sobre como Taiwan está lidando com toda a situação, tanto que inda podemos jogar basquete”.

De fato, a SBL tem algumas vantagens significativas sobre a NBA e também sobre várias ligas da região que desistiram de retomar os jogos (China) ou decidiram cancelar de vez o resto da temporada depois de tentativas malsucedidas (Japão e Coreia do Sul). A liga de Taiwan conta com apenas cinco equipes — num país que enfrentou a pandemia de coronavírus melhor que qualquer outro.

Apesar da proximidade e dos fortes laços comerciais de Taiwan com a China, onde o coronavírus se originou, muitos especialistas atribuíram o sucesso da contenção da pandemia no país — menos de 400 casos da Covid-19 relatados e apenas 6 mortes até 10 de abril, segundo o ministro da Saúde da ilha — às lições aprendidas e às medidas adotadas após o surto da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) em 2003.

“A vida aqui é pseudonormal”, disse Metcalf.

Uma ordem do governo de Taiwan, no entanto, fechou todas as arenas sob controle do governo em 19 de março, suspendendo eventos indoor com mais de 100 pessoas e todos os eventos ao ar livre com mais de 500. De início, a SBL planejou parar por duas semanas, mas, dias depois, conseguiu abrir o HaoYu Basketball Training Center, para ali organizar todos os jogos e garantir que os eventos nunca passem dos 100 presentes.

As únicas pessoas autorizadas a entrar, além dos jogadores e árbitros, são operadores de câmera das redes de televisão e jornalistas, que ficam numa mesa atrás de uma das cestas. Muitas das pessoas que trabalham nessas tarefas, bem como vários funcionários das equipes e jogadores do banco de reservas, usam máscaras — quem se esquece de que dentro do ginásio só são permitidos calçados com sola de borracha precisa ficar só de meias. Cortinas cinzas pairam sobre as janelas atrás da cesta oposta, cobrindo os vidros de uma sala de musculação adjacente, para que ela fique escondida dos telespectadores.

“Parece uma liga amadora”, disse Charles Garcia, principal estrela americana do Pauian. “Parece um centro de recreação”, disse Metcalf, “por falta de definição melhor”.

Para Garcia, jogar sem torcedores é a pior desvantagem. Nascido em Los Angeles, com passagens profissionais por 11 países antes de levar o Taipei Fubon Braves ao título da liga na última temporada, Garcia concordou totalmente com a recente afirmação do astro dos Lakers, LeBron James, de que jogar numa arena vazia seria inaceitável na NBA.

“De jeito nenhum, de jeito nenhum”, disse Garcia. “Você precisa da torcida. De onde você vai tirar a sua energia? Não consigo nem imaginar uma coisa dessas na NBA. Seria muito difícil”.

É claro que, como observou Metcalf, embora ‘seja muito difícil imaginar’ James e os Lakers jogando sem torcida, é a disseminação do coronavírus pelas quadras da NBA que ‘neste momento parece o mais difícil’. Então, talvez a NBA tenha algo a aprender com a experiência da SBL, mesmo considerando a escala muito menor da liga de Taiwan.

Quando chegam à porta do HaoYu, os jogadores da SBL são recebidos por fiscais da liga, que verificam sua temperatura com um termômetro de testa e registram as informações ao lado do nome de cada jogador. Supõe-se que um caso confirmado de coronavírus na liga levaria à suspensão imediata do jogo, mas nenhum teste para Covid-19 é feito no local. Qualquer jogador com uma temperatura acima de 37,5 graus é proibido de entrar no ginásio.

Metcalf disse que os cumprimentos entre os jogadores do Pauian também foram ‘proibidos’. A preparadora física do time, Penny Peng, borrifa álcool em spray nas mãos deles assim que saem do vestiário e durante os intervalos. Peng também faz com que os jogadores lavem bem as mãos nos intervalos e após o jogo, mas essas ordens podem não ser universais. Na recente derrota do Pauian para o Taiwan Beer, primeiro colocado, a transmissão do Twitch mostrou jogadores adversários trocando cumprimentos durante as apresentações antes do jogo.

Garcia, 31 anos, é ex-estrela da G League e também venceu um campeonato na liga de acesso à NBA, em 2011, com o Iowa Energy. Por isso, dobrou sua afirmação de que o cenário é inadequado para a NBA.

“O único barulho é dos seus colegas de equipe”, disse Garcia. “Eu nem bebo Red Bull, mas estou bebendo agora antes dos jogos, para ter energia. Quando você dá uma enterrada, você quer gritar, mas não pode. Não adianta. Então, você só corre para ajudar a defesa”.

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