Filme mostra violência do casamento infantil em Brasília e no Brasil

Documentário Apenas Meninas, do HBO Max, trata sobre a realidade do casamento infanto-juvenil no Brasil, partindo histórias chocantes

atualizado 26/10/2021 15:35

Apenas Meninas, da HBO Max Divulgação/ HBO Max

Casamento infanto-juvenil, violência doméstica, agressão física, desvalorização da mulher, evasão escolar e falta de auxílio do governo. Esses são alguns dos termos que definem o documentário Apenas Meninas, que será lançado com exclusividade na HBO Max, nesta terça-feira (26/10). O filme, que tem direção de Bianca Lenti, trata sobre a realidade do casamento infanto-juvenil no país e parte de um dado chocante: o Brasil é o quarto no ranking mundial de casamentos infantis.

Através da experiência de sete jovens brasileiras, entre elas mulheres do Distrito Federal, é revelado como essas meninas tiveram sua infância interrompida para embarcar precocemente no mundo adulto da vida conjugal, maternidade e, na maioria das vezes, da violência doméstica. 

A nossa pesquisa parte do dado de que o Brasil é o quarto país com maior número de casamentos infanto-juvenil no mundo. O que chamou nossa atenção foi o dado do casamento, e todos esses outros focos são desdobramentos da vulnerabilidade, da invisibilidade dessas meninas.

Bianca Lenti, diretora de Apenas Meninas

Assista ao trailer de Apenas Meninas:

Em conversa com o Metrópoles, a diretora do documentário, Bianca Lenti, frisou que todas as sete jovens mostradas no filme – Agnes, Ruama, Renata, Maria (nome fictício), Adriana, Roberta e Ana – estão a, no máximo, 60 km de suas capitais. Ruama e Adriana, por sua vez, estão ainda mais próximas do centro do poder brasileiro: as jovens moram na cidade Estrutural, localizada a cerca de 15 km do Congresso Nacional. Mesmo com a proximidade geográfica, os crimes acontecem e se repetem com uma frequência maior do que se pode imaginar.

“A gente entrou em contato com umas palestra da Promundo, que estava investigando o casamento infantil aqui no Brasil. E eles tinham uma abordagem muito interessante, onde falavam que, ao contrário do que a gente pensa, isso só acontecia no Brasil ‘profundo’, no Brasil rural, e isso não é verdade. Todos os nossos ‘cases’ acontecem há no máximo 60 km das capitais. A cidade Estrutural fica a 15 km de Brasília. A 15 km do centro do poder do país, montada em cima de um lixão, em que as mulheres vivem de catar lixo”, afirma a diretora.

Bianca revelou que o documentário levou cerca de três anos para ficar pronto, já que foi necessário um cuidado extenso para tratar de histórias tão complexas: “A gente começou a pesquisar no final de 2016, foi o que mais demorou. Algumas das meninas não quiseram aparecer. Filmamos em 2018, finalizamos em 2019. Ficou pronto no começo de 2020 e, com a pandemia [da Covid-19], o lançamento acabou acontecendo só agora”.

Dados que chocam

Além dos depoimentos das jovens, o documentário ainda frisa dados que elevam ainda mais a garantia de que um crime acontece aos olhos de todos. Apenas no Brasil, foram contabilizados 554 mil casamentos entre crianças de 10 e 17 anos por ano. Ainda mais curioso, 56% das vítimas de violência se identificam como pretas ou pardas.

Bianca explicou que, mesmo que o foco do filme da plataforma de streaming seja o casamento infanto-juvenil, as motivações que levaram as jovens ao casamento precoce também são relevantes: 

“Os casamentos são informais, então os números que temos ainda são incorretos, estamos falando dos formais. Cada uma dessas meninas escolhe o casamento como rota de fuga, como pedido de socorro, e cada uma é motivada por um motivo diferente. As vulnerabilidades acabam levando ao casamento como uma opção, como escolha, mas não é uma escolha, é o que se apresenta como possível”, pondera a diretora.

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Quando ela casa, ela ganha visibilidade, ela ganha identidade, ela ganha voz. Ela é esposa de alguém. Se ela for mãe, aí ela tem o combo perfeito para ganhar o contorno de indivíduo. É mais um crime que acontece no Brasil que a sociedade passa pano, e passa pano porque acontece com meninas periféricas e pretas, que são invisíveis para a sociedade.

Bianca Lenti, diretora de Apenas Meninas
Revolução

Ainda de acordo com Bianca, Apenas Meninas não se refere apenas às sete mulheres mostradas no documentário, e sim sobre a mulher brasileira. Ela também lembrou que a ideia era buscar jovens com certos perfis para conseguir mostrar o casamento em todas as suas fases.

“A Ruama, por exemplo, não tem medo de ninguém. Ela está feliz, ela jura que o Victor é o homem da vida dela, ela vai ficar com ele pra sempre. Aí vem a Renata, ela já está casada há mais tempo, já tem um filho, já começou a se dar conta do racismo estrutural em que ela está inserida, mas também não tem medo ainda. Aí tem a Maria, que sofreu agressão, não quis mostrar o rosto, precisamos alterar a voz, ela tem medo mesmo do companheiro”, inicia Lenti.

“A Adriana já está casada pela terceira vez, ela começou aos 12, está no terceiro casamento, vai pular de um para o outro a vida inteira, sempre em busca de proteção. A Agnes já tinha se separado, já estava sofrendo ameaças do ex-marido por conta da guarda da filha. A Roberta está resignada, disse que vai ficar com ele ‘até que Deus nos separe’. E a Ana finalmente conseguiu se livrar do marido abusador, porque ela precisava viver uma relação homoafetiva”, finalizou.

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