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Livro Medo: Trump na Casa Branca explora bastidores do poder nos EUA

Escrita pelo Bob Woodward, responsável pela queda de Nixon nos anos 70, obra mostra os rompantes e impulsos do presidente norte-americano

atualizado

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Jim Lo Scalzo-Pool/Getty Images
President Trump Speaks Before Departing The White House For California
1 de 1 President Trump Speaks Before Departing The White House For California - Foto: Jim Lo Scalzo-Pool/Getty Images

Era uma manhã de 4 de abril de 2017, quando o telefone do secretário de Defesa dos EUA, James Mattis, toca. Do outro lado da linha, bastante emocionado, o presidente Donald Trump vocifera. “Vamos matar a porra dessa cara! Vamos entrar lá, vamos matar esse filho da puta!”, esbravejava, referindo-se ao líder sírio Bashar al-Assad. Os noticiários mostravam que ele tinha atacado com armas químicas rebeldes contra o seu governo, matando milhares de inocentes.

Mattis, um fuzileiro naval veterano com 40 anos de experiência, considerado linha-dura e apelidado de “cachorro louco” e “caos” entre seus pares, desliga o telefone e, com a fleuma de um lorde britânico, faz comentário pragmático para um secretário do alto-escalão próximo. “Não vamos fazer nada disso. Vamos ser mais comedidos”, comenta.

Nathan Congleton/NBC/NBCU Photo Bank via Getty Images
O conceituado jornalista Bob Woodward

Esse é só um dos vários episódios hilários, outros nem tantos, envolvendo a gestão do atual presidente da maior potência do planeta retratado pelo conceituado jornalista Bob Woodward no seu livro Medo: Trump na Casa Branca. Lançado no Brasil pela editora Todavia em novembro, o livro vendeu mais de 750 mil exemplares só no dia do seu lançamento, simbolicamente realizado no dia 11 de setembro, nos EUA.

Não é por menos. Conta com respaldo, talento e respeito de quem, nos anos 70, com uma série de matérias publicadas no The Washington Post, junto com o colega Carl Bernstein, derrubou do poder o presidente Richard Nixon após o escândalo do Watergate. O caso virou filme, Todos os Homens do Presidente, com Dustin Hoffman e Robert Redford nos papéis principais sob a batuta de Alan J. Pakula.

São mais de 400 páginas de pura tensão em que os meandros dos bastidores da Casa Branca vêm à tona, norteados pelos rompantes e impulsos do presidente Trump. Um sujeito que, assim como numa daqueles roteiros malucos de Mel Brooks, parece não saber do que está falando, muito menos o que está fazendo. Imagina se um jornalista fera na cobertura de Brasília resolve fazer o mesmo com o governo Temer ou com o presidente eleito.

Com a autoridade de quem já escreveu sobre nove presidentes e tem livre trânsito ao poder, Woodward, 75, é duro e cruel como um espelho. Ao longo de 19 meses, teve acesso a fontes próximas de Trump e cita assessores diretos com as calças arreadas. O autor também pôs os olhos em documentos internos como memorandos e rascunhos comprometedores. O título é tirado de uma frase de autoria de sua própria vítima. “O verdadeiro poder é o medo”.

Editora Todavia/Divulgação

“Golpe de estado administrativo”
Trump, claro, e alguns de seus assessores diretos citados que já nem mais fazem parte do governo chiaram. “O livro é uma fraude”, disparou o presidente. “Eu não falo do jeito que fui citado. Se falasse, eu não teria sido presidente. Essas citações foram inventadas”, continuou. Gary Cohn, ex-assessor econômico da Casa Branca, também desconversou. Disse que o livro não retrata com fidelidade sua experiência no governo.

Basta dizer que Bob Woodward tentou falar com o presidente antes de o livro ser publicado. Mas, por “medo”, assessores o blindaram. Num telefonema de agosto deste ano ao jornalista, realizado um mês antes do lançamento do livro, Trump disse que alguém havia comentado “rapidamente” sobre a entrevista e que estaria agora à disposição para conversar. Mas era tarde demais, a bomba já estava ativada, ou seja, o livro já estava na prensa.

Impressiona o nível dos detalhes das conversas e episódios narrados. Medo começa com o famoso episódio em que Gary Cohn, num assombro exagerado de que uma Terceira Guerra Mundial se desencadeasse, tirou da mesa do presidente, sem que ele notasse, os documentos que dariam fim ao tratado de livre comércio entre os EUA e Coreia do Sul. Uma atitude que fortaleceria, com certeza, os planos mirabolantes do norte-coreano Kim Jong-un de “dominar” o mundo.

“Eu roubei”, Cohn contaria mais tarde a um colega, como descreve Woodward. “Não podia deixar que a visse. É preciso proteger o país”, contou referindo-se à pasta em que o documento estava. “Era nada menos do que um golpe de estado administrativo, um enfraquecimento da vontade do presidente dos Estados Unidos e de sua autoridade constitucional”, analisa o autor.

Outra parte impagável do livro é o que mostra como Steve Bannon – o homem responsável pela campanha que levou Trump ao poder – entrou na jogada desse jogo de xadrez do poder e do caos executivo, tornando-se tão determinante a ponto de ser decisivo na escolha de um secretário. O engraçado é que no começo, quando soube que o magnata concorreria à presidência, em 2015, fez chacota. “De que país?”.

Também são temas do livro os escândalos com prostitutas russas em Moscou, com direito a show de “chuva dourada”, ou seja, micção entre suas convidadas, a quebra de braço diária com a mídia, o uso atrapalhado do Twitter, as ruidosas intrigas palacianas e confusões na pauta de segurança nacional e internacional que, além da Coreia do Norte, Síria e Rússia, envolvem também o Afeganistão e o Irã, talvez o calcanhar de Aquiles deste governo.

“(…) Eu estou envergonhado e odeio isso, mas é uma dessas coisas, conversa de vestiário. Vou detonar o Estado Islâmico”, disse, numa tentativa de desviar a atenção em meio a explicações de outro escândalo ocorrido bem antes de chegar ao poder, ao tentar explicar as declarações de que “quando se é uma estrela, elas deixam bolinar e beijar à vontade”. Ele teria dito esse absurdo durante uma gravação em off do programa de televisão Access Hollywood.

Como se vê, em Medo: Trump na Casa Branca, o circo do poder pode ser mais divertido e surpreendente do que o próprio mundo do entretenimento.

Medo: Trump Na Casa Branca, de Bob Woodward
Editora Todavia, 432 páginas, R$ 79,90

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