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Iberê Carvalho quis mostrar Brasília sem clichês

O diretor de “O Último Cine Drive-in” fala sobre a tentativa de mostrar uma Brasília diferente e do cenário favorável ao cinema produzido na cidade

atualizado

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A história de uma família reunida por causa do cinema surge como principal temática de “O Último Cine Drive-in”, primeiro longa de Iberê Carvalho. Dividido entre situações dramáticas e cômicas, o filme estreou em 20 de agosto e continua em cartaz na cidade. A vocação para cativar as plateias foi confirmada no último Festival de Gramado, em que a produção venceu os prêmios de filme nacional, ator (Breno Nina), atriz coadjuvante (Fernanda Rocha) e direção de Arte (Maíra de Oliveira). Em entrevista ao Metrópoles, o cineasta detalha algumas das etapas da realização do longa, como sua vontade de mostrar uma Brasília sem clichês.

Apesar de ser centralizado num problemático núcleo familiar, “O Último Cine Drive-in” não deixa de falar muito sobre a cidade. Qual Brasília você tentou mostrar para o espectador?

Filmar Brasília é sempre muito complicado. Temos um olhar viciado e muito explorado pelo jornalismo. E um olhar romantizado, sobre a arquitetura e o exotismo da cidade enquanto bela, programada e planejada. Tentei não cair em nenhuma dessas ciladas. A história é humana, de pessoas que vivem aqui, mas fora dos blocos, não são de classe média. Tentei explorar tudo em função da história: os planos abertos, o horizonte, o ser humano isolado no ambiente. Poderia ter feito planos embaixo dos pilotis dos blocos ou nas proximidades de alguns monumentos, filmando de forma inusitada, como (a minissérie da Rede Globo) “Felizes para Sempre” fez. Seria, talvez, belíssimo, mas não me ajudaria a contar a história. Seria um olhar fetichista da cidade, coisa de publicitário. E isso (publicidade) já faço o ano todo (risos).

Othon Bastos protagoniza e é produtor associado do filme
Othon Bastos protagoniza e é produtor associado do filme

O filme se comunica com a própria situação do real Drive-in. Como funcionou essa contaminação entre a realidade do espaço e aquilo que está na trama?

O grande acerto desse projeto foi não nascer já com a proposta de falar sobre cinema. No argumento, era basicamente um filho que, ao estar perdendo a mãe, reencontra o pai. Se passava numa cidade do interior. Almeida era dono de uma lanchonete. Fui ao Drive-in ver “À Prova de Morte”, do Tarantino, e tive essa ideia. Aos poucos, a ficha caiu. Quanto mais pesquisava sobre o Drive-in, mais as coisas se encaixavam: uma família cuida do lugar desde 1973. Algumas pessoas talvez fiquem frustradas com o fato de não ser a história do Drive-in de Brasília. Mas muito da história do lugar está ali: a paixão da Marta Fagundes (dona atual) e do seu pai. O pai dela tinha um grande amigo, o Karim, dono dos cinemas Karim. Ele está ali representado pelo personagem do Mounir Maasri, amigo do Almeida. A Marta vai ver que o Drive-in dela não está tão decadente quanto o do filme. Dramatizamos para que o final fosse mais emotivo. A trilha comenta o filme, tenta tirar do piegas. É como uma daquelas comédias italianas.

Como foi dirigir Othon Bastos no papel de um dono de um cinema?

Sempre imaginei que o guardião do último Drive-in fosse um cara com uma história relacionada ao cinema. Que trouxesse consigo todo o cinema brasileiro. E esse cara é o Othon. Fez Corisco (personagem de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”), os filmes do Ruy Guerra. Eu tinha certa insegurança, confesso. Uma de nossas produtoras de elenco entrou em contato e ele aceitou ler o roteiro. Dois dias depois, eu estava ansioso e ele me ligou do Rio de Janeiro. Ficamos uma hora conversando. Ele fez uma análise tão profunda do roteiro, com várias camadas que eu não tinha percebido. Ele leu e quis fazer de qualquer jeito. Inclusive, é produtor associado do filme. Ele faz um Almeida forte e sensível, dramático e cômico. Acho que se alguém ameaçou o prêmio de melhor ator do Breno (Nina) em Gramado, foi o Othon.

O diretor (D) com o ator Breno Nina durante a divulgação
O diretor (D) com o ator Breno Nina durante a divulgação

Qual a sua avaliação desse atual momento do cinema brasiliense, mesmo em um cenário de crise?

O Fundo de Apoio à Cultura (FAC) é o grande responsável. Vivemos períodos com pouca regularidade nos aportes. De uns anos para cá, passamos a ter esse recurso. Além disso, temos a política do Governo Federal, através do Fundo Setorial do Audiovisual, que está revolucionando cinema e televisão no país. Há uma enxurrada de conteúdo nacional para vários suportes e janelas. Daqui a dez anos talvez tenhamos a dimensão do quão importante está sendo esse momento. Daqui pra frente, acho que sempre teremos longas brasilienses. Se serão bons ou não, vai depender da competência dos nossos cineastas. Isso vai capacitar enormemente nossos profissionais, das categorias técnicas aos atores. Temos ótimos atores com pouca experiência, que contam nos dedos de uma mão quantos filmes fizeram. Só se aprende fazendo, e muito. Acho que vamos viver dias felizes pela frente. A participação em Gramado ajudou a fazer com que o resto do Brasil começasse a olhar com mais curiosidade e menos preconceito para o cinema do DF.

Quais projetos devem envolver a Pavirada (produtora de “O Último Cine Drive-in”) nos próximos meses?

Temos cinco projetos no momento. Longas de René Sampaio, José Eduardo Belmonte, com quem estamos desenvolvendo roteiro, e um meu, “O Ovo da Serpente”, ainda em fase de desenvolvimento. Nossa próxima produção a ser filmada é “Amém”, de João Paulo Procópio. Já captamos recursos e devemos rodar no primeiro semestre de 2016. Em outubro agora, rodamos o piloto de “De Olho no Amanhã”, série infantil sobre consumo consciente. Eu dirijo.

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