Crítica: João de Deus – O Silêncio é Uma Prece tropeça na área técnica
Com a história emocionante para os que creem no médium, documentário perde encanto ao não valorizar boas imagens
atualizado
Compartilhar notícia
Em uma cidade no interior de Goiás, uma comunidade religiosa se une em torno de um médium que realiza as chamadas cirurgias espirituais. A propriedade, de paredes brancas e azuis, com um extenso jardim, contrasta com o belíssimo céu do Cerrado. Ali, só é permitido se vestir de branco. Diante desse cenário idílico, a baixa qualidade das imagens de João de Deus – O Silêncio é uma Prece é estarrecedora.
Não importa se a tomada é interna ou externa: se há luz natural no ambiente, as imagens estarão estouradas. Com exceção das entrevistas do documentário (muitas feitas no contra-luz), gravadas em tripé, fotometradas e focadas antes da gravação, todas as cenas do filme têm enquadramentos péssimos. Muitas imagens apresentam erros graves de foco, como em vários momentos em que o rosto de João está borrado e a resolução fica toda em sua roupa. Outras passagens não têm foco algum.
Além da má fotografia, o filme padece de uma aparente indecisão em relação ao que mostrar. O uso incessante de zoom automático e zoom de lentes nas tomadas demonstram uma falta de cuidado chocante: talvez uma produção sem storyboards? No começo do filme, João de Deus dirige por Abadiânia e conversa com alguns habitantes. O cinegrafista, no banco do passageiro, não consegue decidir se filma o médium ou o motociclista encostado à sua janela. Nesse vai e vem, a qualidade do documentário se esvazia.O documentário aparenta ter sido gravado com duas câmeras. O aparelho de apoio, no entanto, é de qualidade muito inferior ao principal. Se as imagens registradas ali tivessem sido sacrificadas, certamente a qualidade técnica do filme teria se elevado. Outro problema é o som, completamente irregular durante a projeção. Em diversas cenas, o barulho do ambiente impede a compreensão do que João de Deus fala. À primeira vista, qualquer um pensaria que a produção é obra de um iniciante, mas não é o caso: Candé Salles tem 10 anos de carreira e assina a direção de outros dois longas.
A produção não apresenta nenhuma visão contrária aos trabalhos do médium. A crença é endossada pela presença de alguns médicos no centro, além das famosas Cissa Guimarães, que narra o documentário, e a artista plástica Marina Abramović. Sem mostrar qualquer defeito na personalidade de João de Deus e com uma narrativa despida de conflitos, o filme se reduz a uma propaganda religiosa que não dá margem ao ceticismo.
Avaliação: Ruim