metropoles.com

Crítica: “Como Nossos Pais” e as disfunções da classe média

O novo filme de Laís Bodanzky recebeu 6 Kikitos do Festival de Gramado (filme, direção, atriz, ator, atriz coadjuvante e montagem

atualizado

Compartilhar notícia

Divulgação
Como Nossos Pais
1 de 1 Como Nossos Pais - Foto: Divulgação

Em vários momentos cruciais da vida, nos sentimos um barquinho de sanidade afundando num oceano de maluquices. E por vermos o mundo inteiro operando em outra frequência, questionamos se, no final das contas, somos nós que estamos ficando birutas. Essa é uma simplificação do momento pelo qual Rosa (Maria Ribeiro) está passando. Mãe de duas meninas, casada com Dado (Paulo Vilhena) e filha de Clarice (Clarisse Abujamra) e Homero (Jorge Mautner), ela trabalha numa multinacional e dispensa ajuda doméstica para cuidar da casa.

Enquanto um filme típico criaria um prólogo sobre o tanto que esta personagem é perfeita e feliz, “Como Nossos Pais” corta direto para um almoço de família em crise na casa de Clarisse que, entre o preparo de uma moqueca e uma chuva de elogios ao genro antropólogo, aliena a própria filha. Não estamos diante de uma família idílica, “de cinema”, mas sim de uma família mais real, que não está preocupada em agradar o espectador. Rosa, por exemplo, também tem experiência em rebater o marido e a mãe, mas a disputa generalizada provoca uma revelação inesperada.

O que sucede é um tipo de exploração pessoal de Rosa e de sua identidade, não apenas sobre si mesma, mas também sobre aqueles que a cercam. “Como Nossos Pais” se aproxima um tanto de uma nova percepção sobre o liberalismo no cinema mundial, que trata menos os valores de uma geração inteira como sagrados e mais como humanos, suscetíveis às falhas. Existe até uma crítica sutil ao governo passado no filme.

Os exemplos principais são as figuras masculinas na vida de Rosa. Dado, o marido, é um antropólogo que luta pela causa Ianomâmi. Apesar disso, não ajuda a esposa com os filhos nem contribui com o orçamento doméstico. Além de sempre viajar com uma colega mais nova. Homero, seu pai, é um artista meio fracassado e sem dinheiro, sempre à procura de uma mulher que o sustente.

Quando Rosa lembra de uma apresentação do pai, enquanto ela era criança, a memória é manchada por um flagra que deu em Homero, tendo um caso com uma colega mais nova. (Qualquer semelhança entre o pai e o marido da protagonista não deve ser pura coincidência). Aliás, um tratamento à parte deve ser dado às excelentes atuações do filme, principalmente Abujamra e Mautner, como os pais do título. Charmosos com quem os cercam, traumatizantes para os familiares.

O roteiro não está interessado em isolar Rosa de sua vida, numa jornada espiritual de auto-descoberta, mas sim em buscar sabedoria na conversa, na troca de ideias e no confronto. O filme não é uma fuga para Rosa, mas sim uma exploração direta de seus conflitos. Não por acaso, o roteiro é seu ponto forte, especialmente pela falta de respostas diretas. Difícil imaginar que muito não tenha saído das vidas dos próprios roteiristas ou do elenco.

Laís Bodanzky é uma das melhores presenças no cinema brasileiro atual. Diretora e roteirista (esta última função com seu parceiro de longa data Luiz Bolognesi) de clássicos modernos como “Bicho de Sete Cabeças” e “Chega de Saudade”, ela também relata com maestria as funções e disfunções da família brasileira de classe média em “As Melhores Coisas do Mundo” e agora “Como Nossos Pais”.

Avaliação: Ótimo

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comEntretenimento

Você quer ficar por dentro das notícias de entretenimento mais importantes e receber notificações em tempo real?