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Cortes ameaçam diminuir impacto do cinema argentino no mundo

Cineastas comparam medidas e impactos do governo de Javier Milei com desmonte vivenciado pelo Brasil no governo de Jair Bolsonaro

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Cinema Argentino Unido
1 de 1 Cinema Argentino Unido - Foto: Reprodução

Referência no cinema mundial, a Argentina enfrenta uma tentativa de desmonte do setor semelhante a que ocorreu nos últimos anos cinco anos no Brasil. No início do mês, o Ministério de Capital Humano da Argentina cumpriu a promessa feita pelo presidente Javier Milei e anunciou cortes no Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais (Incaa), que praticamente inviabilizam seu funcionamento. A agência, equivalente à Ancine, foi criada em 1957 e é considerada a principal fomentadora do cinema no país.

“Terminaram os anos em que se financiavam festivais de cinema com a fome de milhares de crianças”, disse a Secretaria de Cultura argentina, ao justificar a suspensão de repasses e contratos, visando a economia de US$ 8 milhões de folha salarial.

A medida foi alvo de uma série de protestos pelo país e fora dele nas últimas semanas. Entidades e profissionais do setor no país vizinho argumentam que o orçamento do instituto é financiado, em grande medida, pela própria produção cinematográfica nacional.

A principal fonte de financiamento do INCAA é o Fundo de Fomento Cinematográfico, criado em 1994. Esse fundo recebe 10% do valor de cada ingresso do cinema e outras contribuições vinculadas à produção. Em 2022, segundo o site Chequeado, 80% do orçamento do INCAA saiu desse fundo.

Nesta semana, durante o Prêmio Platino de Cinema Ibero-Americano, realizado em Cancún, no México, o coletivo Cine Argentina Unido, divulgou nota denunciando a incoerência das medidas adotadas pelo governo. Apoiaram o protesto grandes estrelas argentinas, como Cecilia Roth, Juan Antonio Bayona, Dolores Fonzi, Santiago Mitre, Daniel Burman, além da brasileira Alice Braga.

“A decisão de congelar e desmantelar as políticas de incentivo industrial está gerando milhares de novos desempregados e a falência de centenas de pequenas, médio e microempresas. Não é só nosso cinema que está sendo atacado brutalmente. A educação também. Nossas universidades públicas são objeto de um esvaziamento inaceitável”, diz comunicado do coletivo.

Primeiro alvo de governo autoritários

Raquel Valadares, realizadora e pesquisadora independente, integrante da Diretoria Colegiada da Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro, compara a atual situação da Argentina com o período de desmonte vivenciado recentemente pela indústria brasileira.

“Aqui, por exemplo, todo o recurso contingenciado do Fundo Setorial do Audiovisual, que por lei só pode ser destinado ao nosso setor, foi desvinculado na pandemia para pagar a dívida pública, em razão da PEC dos Fundos. A resistência veio em seguida com a aprovação da Lei Paulo Gustavo, que resgatou R$ 2,8 bilhões de reais para o setor audiovisual”, explica.

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“Nesse mesmo Brasil de Bolsonaro, no entanto, não conseguimos impedir o hiato de 2 anos no fomento ao audiovisual, nem a paralisação das contratações pela Ancine, que segue sendo objeto de ação em curso no judiciário”, salienta a cineasta, que tem no currículo produções como Corpo de Bollywood (2008) e Homem-Carro (2014).

Ativista pelo cinema nacional, Raquel acredita que o impacto do desmonte do cinema na Argentina deve ser maior do que no Brasil. “Infelizmente, o INCAA não se ocupa apenas de fomento. Estamos falando de uma rede de salas de cinema e de programas de formação de plateia estatais que estão sendo interrompidos”. 

O cinema, as artes e a cultura mobilizam afetos. Um filme com beijo gay, ou supostamente comunista, consegue, se bem instrumentalizado pelo discurso político conservador, alarmar a sociedade. E como o ódio e o medo engajam, vimos esses ataques impulsionarem a ascensão da extrema-direita. Na Argentina não é diferente”, destaca. 

Raquel Valadares, pesquisadora, cineasta e integrante da diretoria da API

A produtora e roteirista brasiliense Cibele Amaral explica por que a cultura, em especial o cinema nacional, costuma ser um dos primeiros alvos de governos conservadores. Ela destaca a força dos festivais internacionais de cinema, que inclusive já foram palcos de protestos de cineastas brasileiros, como o realizado pelo elenco de Aquarius, em 2016, em Cannes, contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

“Podemos atrair os olhares do mundo para o nosso país e o que acontece aqui. Temos o star sistem do cinema, com celebridades que tem poder de se dirigirem às massas. Nada disso agrada aos governos autoritários. Por isso a necessidade de destruir reputações, desconstruir pensamentos e até mesmo descredibilizar a ciência. Porque se alguém acredita que a Terra é plana, esse alguém também vai acreditar que os artistas são um mal para a sociedade e por aí vai”.

Na avaliação das cineastas, os hermanos terão um grande trabalho de mobilização com legislativo pela frente e precisam se articular para fortalecer as políticas públicas do setor.

“A Ancine é política de estado, não de governo. E ficou de pé. É preciso termos a consciência que governos passam, mas nossas políticas tem que se sustentar. No Brasil, temos ciclos de crescimento que não se sustentam. O momento atual já foi batizado como segunda retomada do audiovisual brasileiro. Para termos a potência que merecemos, precisamos de sustentabilidade das políticas de fomento para o audiovisual”, encerra Cibele. 

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