metropoles.com

Cannes: Elenco de ‘Bacurau’ fala sobre concorrente à Palma de Ouro

Um dia após uma sessão emocionante, o Metropoles sentou com 3 atores do novo filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

atualizado

Compartilhar notícia

Divulgação/Festival de Cannes
Bacurau
1 de 1 Bacurau - Foto: Divulgação/Festival de Cannes

Ao final da sessão de gala de “Bacurau”, único filme brasileiro a participar da competição pelo prêmio máximo do Festival de Cannes, a Palma de Ouro, elenco e diretores, brasileiros e estrangeiros se emocionavam, com lágrimas, abraços e sorrisos (até do ator alemão Udo Kier, famoso por viver vilões). O que acabavam de ver no telão foi a finalização de um trabalho com mais de três meses de filmagem em um local remoto do Rio Grande do Norte, e onde formaram o microcosmo de uma comunidade, tanto artística, pelos membros da equipe, quanto de resistência, pelos personagens que interpretavam e pela história que contavam.

No dia seguinte o Metrópoles sentou com três membros do elenco: o filme começa com Teresa, vivida por Bárbara Colen, regressando à sua cidade natal, Bacurau. Na bagagem, um carregamento de vacinas e um jaleco, que ganhará uma menção na conversa a seguir. Lá ela encontra sua família e um antigo conhecido, Pacote, interpretado por Thomas Aquino, um ex-pistoleiro decidido a viver longe do crime e ser conhecido pelo seu nome verdadeiro, Acácio. Só que uma força sinistra ronda a pequena cidade, que acaba de desaparecer de todos os mapas digitais do país. Um membro do grupo misterioso é Kate, vivida pela atriz franco-americana Alli Willow.

Confira:

Metrópoles: O filme anterior de Kleber, “Aquarius”, passou aqui no Festival de Cannes em 2016 e você, Bárbara, estava naquele filme. Já sabia algo de “Bacurau”, o próximo trabalho?

Bárbara Colen: Não, não… Eu acho que foi em 2017 que vi, teve uma vez que eu entrei no Facebook e tava assim: “casting para Bacurau”. Aí eu falei: “Cara, eu acho que vou mandar uma mensagem pro Kleber, às vezes…”. Mas dizia “só atores nordestinos”, e eu pensei “ah, então não vai ter jeito de participar, não”. Aí foi isso, passou um tempinho, depois de uns dois meses, e aí me ligaram pra me falar da Teresa. E aí foi quando eu soube.

Alli Willow: Eu vi os dois filmes do Kleber mais ou menos um mês antes de ser chamada pro teste. Eu vi os filmes e eu pensei: “Nossa, esse diretor, eu quero trabalhar com ele”. E um mês depois, recebi uma mensagem no Facebook do produtor de elenco, me falando “Alli, a gente tá preparando, a gente tá fazendo testes para Bacurau, o próximo filme do Kleber Mendonça Filho com o Juliano Dornelles”. E eu achei tão estranho me chamarem pelo Facebook. Eu tava “gente, eu não conheço, nunca ouvi falar”. Eu pensei “será que eu vou?”, “será se que não vou?”. Fui e vi o texto, pensei “nossa, que interessante”. Então foi, um amor à primeira vista com o projeto. É tão engraçado, tão brasileiro, tão forte, tão violento…

Metrópoles: Para um filme como este, sobre uma cidade inteira, os diretores e o elenco tem de trabalhar muita coisa para criar, mesmo que no imaginário, uma convivência entre as pessoas que pareça de longa data, como que vocês conseguiram isto?

Colen: O processo todo de preparação, a gente começou em Recife, e aí não tinha todo o elenco, devemos ter ficado uns 20 dias em Recife, depois a gente foi pra [Rio Grande no Norte], num total de processo, foram três meses. Processo de filmagem mais longo que eu já participei.

Metrópoles: O personagem de Pacote, que escolhe se aposentar do crime, requereu uma certa transformação corporal, não?

Thomas Aquino: Quando o Acácio aposenta, ele quer viver a vida dele bem assim, então ele larga tudo, começa a comer e beber. São coisas que não aparecem no filme. A camisa aberta, eu observei muito lá, realmente, no interior, é costume as pessoas deixarem a camisa aberta. Eu acho que tem até um orgulho mesmo de mostrar aquela barriga, calejada de cerveja! Eu tava pesando, antes de fazer o filme, 90 e aí para o filme eu engordei 7 quilos, fiquei com 97. Dei aquela inflada boa e, durante a preparação, metia parmegiana pra dentro e macarrão e um monte de coisa assim.

Colen: Claro que a gente tinha um roteiro muito bem-definido, até porque se não tivesse ia ser impossível filmar Bacurau. Quando você passa muito tempo num lugar, imerso com muitas pessoas, as relações que vão se estabelecendo não são reações só de personagens mas também são relações muito reais. Por exemplo, a Eduarda Samara, a atriz que faz a minha irmã no filme. Eu com a Duda, quando a gente terminou o…a Duda era minha irmã, sabe? Com Thomas também, todo dia, a gente tava junto todo dia. Então, a criação de elementos que você vai trazendo é um processo muito orgânico e o Kleber e o Juliano, acompanhando tudo isso muito de perto, eles iam vendo coisas que já existiam dentro das nossas relações e falavam “opa, isso dá pra aproveitar, então vamos colocar isso aqui”. Era meio que um processo alimentando o outro.

Willow: Eu cheguei um pouquinho mais tarde do que todo mundo. E foi muito interessante porque quando eu cheguei, eu identifiquei muito por exemplo na Babi, a gente teve uma amizade instantânea com a Suzy, que é paraibana. Eu me apaixonei com esse filme pelo Nordeste. Foi a minha primeira vez no Nordeste. No final eu fiquei 15 dias a mais do que o resto. Eu ia pra todas as noturnas, no set eu ficava com o Juliano e o Kleber vendo o monitor. E se criou uma mágica. Eu me apaixonei pelo povo nordestino de uma maneira muito profunda.

Colen: O Kleber falou, numa entrevista, que foi um milagre ter reunido tanta gente sem ter conflito. Eu acho que a própria coisa do Bacurau inspirava na gente isso. Era uma história daquela comunidade. É tão apaixonante, aquela comunidade. Que de alguma maneira aqueles valores foram entrando no próprio grupo de atores também.

Willow: Eu fui muito acolhida no Brasil, eu cheguei no Brasil sem falar [português] e eu tive muitas famílias.

Colen: É muito raro, sabe? Tanta entrega… não era mais trabalho, era vida, a gente queria contar aquela história. Tava todo mundo sedento por aquilo.

Metrópoles: Fiquei curioso com uma coisa. Teresa era médica de quê?

Colen: Eu acho que Teresa não é médica. Uma coisa interessante em Bacurau é pensar no mundo externo. A gente vê aquele povoado ali, mas eu ficava sempre pensando… parecia que esse mundo em volta tinha coisas muito estranhas já acontecendo. Porque Teresa chega lá com vacinas? Ela roubou essas vacinas? Ela trouxe? É contrabando? Não vejo Teresa como médica, eu acho que ela tem acesso a algum hospital, trabalha pra alguma coisa num hospital.

Metrópoles: Teresa e Pacote, o filme sugere, tem um caso do passado…

Colen: Juliano e Kleber tinham desespero que virasse um romance. Eles não queriam nem um registro de casal romântico, que era muito engraçado. Porque eu e o Thomas, nós somos muito amigos. Então foi fácil, porque era tipo uma relação com brodagem, que já tava ali instaurada e eu acho que é o que os dois têm muito no filme. Realmente, ela volta e tem esse cara lá, eles têm essa relação, eles transformam em uma outra coisa.

Aquino: A gente decidiu também que cada um cresceu ali, Pacote um pouco mais velho que Teresa, naquela cidade ali. E Pacote tomou o seu rumo junto com o bando do Lunga, um certo tempo. Depois Pacote saiu do bando do Lunga e foi vivenciando outras matanças em outros lugares. Até que chega o momento em que ele quer retornar à vida dele que ele tinha e volta praquela cidade chamada Bacurau. E eu e Barbara a gente realmente conversou muito assim sobre que porra é essa desses dois? Que história de amor é essa? Eu acho que é uma coisa mais carnal e pontual.

Metrópoles: E, finalmente, não creio que seja um spoiler dizer que Bacurau é um lugar de resistência, como interpretara isso?

Aquino: Aquela cidade é muito unida. O povo unido, essas pessoas, ali você tem pessoas do Brasil afora, e eu acho que essa união é o forma a força desse povo, independente de quem venha tirar uma onda ou fazer uma brincadeira de mau gosto, querer destruir uma comunidade. Mas a comunidade unida jamais será vencida.

Colen: A gente foi filmar uma cena com as armas, foi uma cena difícil e tal, me exigiu muita concentração e aí no final, quando eu achei que terminou, eu lembro que o Kleber chegou e falou “você quer atirar?” Eu falei “sério, Kleber?” Ele falou “sério, vamos lá”. Só que eu nunca tinha atirado, não tinha ideia do que que ia sair da minha arma. Eu gostei da sensação, porque eu acho que eu precisava pra ter aquela… aquele ato.

Esta entrevista foi editada para unir as repostas do elenco, entrevistados separadamente.

Compartilhar notícia