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Cachorros não dançam balé! – parte 1

Sempre fico curiosa em conhecer quem está por trás de uma história tão bem escrita, que me tocou tão profundamente ou que apenas me fez rir

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1 de 1 Cachorros-não-dançam-balé - Foto: Reprodução

Eu conheci o livro “Cachorros não dançam balé” por uma professora de português que detalhava seu planejamento de aula para mim. Não preciso dizer que esta professora é “A” professora. Não somente pelo seu interesse quase que visceral de ensinar, esbanjando criatividade e recursos didáticos, mas também pelo seu engajamento em oferecer formas de ensino alinhadas com seus alunos. Mas voltemos ao belíssimo livro Cachorros não dançam balé! Que livro, senhoras e senhores! Que livro!

O livro conta a história de uma menina cujo cachorro não é como os outros. Ora, o cãozinho dela acha que é uma bailarina. Sim, o pequeno adora dançar e sonha em participar, algum dia, de um grande espetáculo. Ele segue sua dona até suas aulas de balé e se entristece toda vez que ouve a frase “cachorros não dançam balé”. E para a menina foi difícil entender que seu cachorro queria ser uma bailarina: ela apenas queria que ele fizesse o que outros cachorrinhos fazem.

Ao finalizar o livro, tive um sentimento pródigo de satisfação que me emocionou. E me vi refletindo sobre a minha vida, minha história, minhas dificuldades e minhas superações. Inclusive, pensamentos que geralmente me ocorrem em minhas sessões de terapia. Livro bem escrito tem destas coisas: nos remete a questionamentos, reflexões e resignifica opiniões e comportamentos. A autora francesa Anna Kemp foi brilhante. Não deixem de ler, vale a pena.

A escritora brasiliense Flávia Ribas explica mais: “A partir do nonsense, do absurdo e do inusitado, dá para falar de coisa séria e provocar questionamentos filosóficos e existenciais nas crianças”.

Ribas completa, com uma explicação simples, justamente o que eu, uma leitora adulta, senti ao ler um livro infantil: “Ao entrar em contato com um universo mágico, irreal, mas que de certa forma toca na vida e nas emoções do leitor, seja ele criança ou adulto. No meu livro ‘O casamento da Girafa com o Leão’, já presenciei adultos que se emocionaram com a história, que identificaram semelhanças com a sua vida de casal, com o momento de encantamento e paixão que vivem quando estão apaixonados e já ouvi até gente dizer que o livro pode falar de amor homoafetivo, por falar de amor e diversidade. A literatura pode proporcionar emoção, fruição, aprendizado e reflexão sobre a vida. E nunca devemos subestimar a capacidade das crianças em refletirem sobre a própria vida e sua vivência. As crianças voam longe a partir da imaginação”.

Livros que minha filha gosta
Cachorros não dançam balé me fez pensar nos livros que minha filha de dois anos mais gosta. Olhem as belezuras: O casamento da Girafa com o Leão, A Invenção de Bárbara de Alencar e O Barato da Dona Baratinha. Já vejo alguns leitores se perguntando: “Como? A filha dela tem dois anos? Não entende a história…”. Pois bem, prometo que até ao final desta coluna você entenderá que isso é desimportante para ela.

Não sei vocês, mas sempre fico curiosa em conhecer quem está por trás de uma história tão bem escrita, que me tocou tão profundamente ou que apenas me fez rir.

Literatura e música brega
Vamos conhecer Flávia Ribas (@fribaslivros), autora dos livros “O casamento da Girafa com o Leão” e “As Cores de Tó”. Jornalista, escritora, mãe da Ana Maisha, leitora e estudiosa de literatura infantil já há uns 5 anos. Adora ouvir música brega! Ao mesmo tempo em que consome documentários, cinema alternativo, frequenta museus e viaja pelo mundo, adora consumir a cultura popular. Acredita que variar repertório torna a nossa vida mais interessante. Ela tem toda a razão.

Para Flávia, a literatura infantil sempre a encantou. Ela afirma que um bom livro ilustrado não fala apenas às crianças, mas também aos adultos. A combinação entre ilustração e texto traz à tona a linguagem simbólica e, dessa maneira, é possível tocar qualquer ser humano que tenha a sensibilidade e o interesse pelo livro. O que a atrai também na literatura infantil é a capacidade de encantar e formar novos leitores.

No Casamento da Girafa com o Leão, a escritora sabia que a historinha não podia ser apenas uma celebração da diversidade, se não houvesse trechos e partes da história que fossem divertidas, mágicas e encantadoras. A cena do beijo entre o leão e a girafa encanta bebês e provoca a repulsa das crianças que estão naquela idade entre 7 e 8 anos, em que ver cena de beijo causa vergonha. Flávia Ribas diz o quanto é divertido ver a reação das crianças e isso também é o que a encanta na literatura infantil ou no livro ilustrado: as diferentes formas de encantar o leitor.

A escritora pondera outro aspecto: “Fala-se muito também na transmissão de valores por meio da literatura, mas é importante dizer que a literatura não precisa ter função didática. Um bom livro para crianças tem que mexer com a fantasia e a imaginação das crianças que é tão rica. Acredito que, por meio do livro e das histórias, as crianças também podem ter contato com emoções ou temas com os quais é muito difícil falar com elas. São exemplos a morte, a tristeza, a frustração, a violência, o medo…. por meio de histórias e da criatividade, é possível transmitir valores sem a necessidade de ter uma moral”.

Como foi o caso de seu segundo livro, As Cores de Tó. Um livro também voltado para o público infantil que aborda um tema difícil: a tristeza das crianças que vivem a guerra.

Ela partiu do relato de sua cunhada, que é psicóloga do Médicos Sem Fronteiras e atendeu crianças refugiadas por causa da guerra civil no Sudão do Sul. Flávia escreve de uma maneira muito simples e simbólica usando as cores para expressar os sentimentos. O livro ganhou o prêmio da editora da Universidade Federal do Espírito Santo. Ainda não foi publicado, apenas em março do ano que vem.

Finanças para os pequeninos
Paula Andrade (@paulaandrade), jornalista, escritora, mãe do menino Otávio, especialista em finanças e uma entusiasta em fazer das crianças adultos com uma relação saudável com o dinheiro. Autora dos livros O Barato da Dona Baratinha, A Formiga que queria ser confeiteira e O mistério do senhor Gafanhoto.

Paula sempre escreveu para adultos sobre educação financeira. Finanças sempre foi sua paixão, assim como o escrever. E lá se foram 15 anos de especialização, cursos e afins. Apesar da literatura infantil sempre a ter encantado, Paula nunca tinha enxergado as crianças como possíveis leitores de seus textos. Até que se tornou mãe!

Com o nascimento do seu filho, se envolveu mais no mundo das “letrinhas” e foi ficando apaixonada pelas possibilidades de usar não apenas as palavras, mas o livro como um todo (diagramação, imagem, cores, tato, olfato…) como acessórios para incrementar a experiência da leitura.

Até que um dia, quando Paula estava escrevendo mais um texto sobre educação financeira para adultos (em especial sobre como se recuperar da “ressaca financeira” feita no Carnaval), se viu em um dilema: nada do que ela estava escrevendo naquele momento era novidade para as pessoas que estariam lendo. Todas elas sabiam que não deveriam ter gastado sem planejamento. A diferença entre as pessoas “endividadas” e as “não endividadas” estava no comportamento, e não na falta de informação.

Assim, ela olhou para seu bebê (na época ele tinha três meses e a escritora estava terminando sua licença maternidade) e teve uma ideia: se ela queria ajudar as pessoas a ter uma relação melhor com o dinheiro, então ela teria de mudar seu público alvo e “mirar” nas crianças para ensinar os bons hábitos de comportamento financeiro antes que os hábitos distorcidos de ganho/recompensa se formassem por completo.

Relação saudável
Na cabeça da escritora, só assim seu trabalho realmente surtiria o efeito desejado: que as pessoas tivessem uma relação mais saudável com suas finanças e que conseguissem realizar suas metas e serem felizes. E foi assim que mergulhou no universo da literatura infantil.

A escritora tem uma série de cinco livros paradidáticos de educação financeira comportamental para crianças. Paula usa a literatura para mostrar os bons exemplos. São livros interativos que estão sendo usados em quase 100 escolas em todo o país em turmas com crianças entre 5 e 6 anos. Ou seja, crianças que ainda não estão plenamente letradas. Isso reforça a ideia de que não se precisa saber “matemática”, “português” ou sequer saber ler plenamente para aprender sobre dinheiro. É tudo uma questão de comportamento. Dois livros desta série ainda serão lançados nos próximos dois anos.

Em seu primeiro livro, O Barato da Dona Baratinha, ela ensina o mais básico dos básicos dos conceitos de educação financeira: a diferenciação entre “desejo” e “necessidade”. Essa confusão de sentimentos é a principal causa do endividamento uma vez que culmina nas compras por impulso.

O segundo livro, A Formiga que queria ser confeiteira, fala para as crianças sobre planejamento e metas. A escritora acredita que esse é o próximo passo da educação financeira: ter clareza do que se quer e traçar um plano para alcançar esse sonho. Dessa forma, ensinar que é natural “desejar” algo que está fora do nosso universo de “necessidades”, mas que para adquirirmos esse desejo, temos que nos planejar. Isso vale para um brinquedo novo (no caso de crianças pequenas) até, no futuro (na vida adulta), uma viagem, um carro, um curso no exterior.

No terceiro livro, O mistério do senhor Gafanhoto, fala-se dos mais importantes pilares da educação financeira: afinal, o que é o dinheiro? Qual a relação verdadeira dele com o “tempo” e “trabalho”? Livro ainda não lançado, mas com previsão para ainda este ano.

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