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Sinpro e deputados repudiam fala sobre “alegria” durante escravidão, em evento para alunos na CLDF

Em exibição de documentário sobre a monarquia no Brasil, diretor de filme disse ter havido escravidão no país, mas todos viviam “alegres”

atualizado

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Reprodução/CLDF
Cinco pessoas em bancada na Câmara Legislativa
1 de 1 Cinco pessoas em bancada na Câmara Legislativa - Foto: Reprodução/CLDF

O Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF) e deputados distritais manifestaram repulsa quanto à fala de um diretor de cinema sobre a escravidão no Brasil, em um evento público para estudantes na Câmara Legislativa (CLDF).

Durante a exibição de documentário sobre o período monárquico no Brasil, o diretor do filme, Malcolm Forest, relativizou a escravidão e disse aos presentes que “havia muita gente pobre,  [e] havia os escravos”, mas “todos viviam alegres” naquele tempo (assista abaixo).

A afirmação se deu diante de alunos de duas escolas públicas do DF. A sessão para exibição do documentário A Jornada dos Príncipes (1822-2022) teve teor político-ideológico e ocorreu na última segunda-feira (21/8), em evento na CLDF promovido pela deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania).

Para o Sinpro-DF, “é um absurdo que um deputado use a Casa do Povo, que é uma Câmara Legislativa, e verba pública para realizar uma atividade que relativiza um grande crime contra a humanidade”.

“O Brasil carrega a péssima marca de ter sido o último país a abolir esse regime escravocrata. E é interessante quando a gente observa que quem compõe a mesa [do evento na CLDF] são pessoas privilegiadas historicamente: brancas, ricas, que se colocam no direito de dizer que, mesmo sob o regime da escravidão, as pessoas viviam alegres”, destacou Márcia Gilda, diretora do Sinpro-DF na Secretaria de Raça e Sexualidade.

Assista:

“A escravidão desumaniza as pessoas para poder açoitá-las, para que pudessem assassiná-las, para que pudessem estuprá-las. Temos de fazer uma reflexão muito séria sobre isso e cobrar, inclusive dos demais deputados [da CLDF], das comissões de Educação, de Direitos Humanos, para que essas pessoas [que promoveram a solenidade] se retratem perante a população e o Brasil, que é um país negro”, enfatizou a diretora do Sinpro-DF.

Racismo e desigualdade

Presidente da Comissão de Educação, Saúde e Cultura da CLDF, Gabriel Magno considerou “inadmissível que, no Poder Legislativo da capital da República, alguém defenda a monarquia e a escravidão”.

“[Esse] foi um período muito grave na história do Brasil, com muitos atentados e muitas violações aos direitos humanos. É preciso fazer o luto, mas, mais do que isso, lutar para garantir políticas públicas de reparação das marcas profundas que pesam até hoje em nossa sociedade, como o racismo e a desigualdade social. É um absurdo”, enfatizou Gabriel Magno.

Participaram estudantes e professores do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 31 e do Centro Educacional (CED 15), ambos de Ceilândia, além do deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP), entre outros.

O deputado distrital Max Maciel (PSol) avaliou que “quem relativiza e romantiza esse período foge da parcela de culpa histórica que tem”.

“A escravidão só foi um período alegre para as famílias racistas e escravocratas que têm riquezas baseadas na escravidão. Afirmar que todos viviam felizes nesse período é desconhecer nossa própria história. É uma tentativa de apagar a memória de dor e violação de um povo. Hoje, se temos uma democracia pujante e consolidada, foi graças à inclusão do povo negro nesse processo”, completou Max Maciel.

Evento de exibição

O filme exibido recebeu, em 2021, R$ 321 mil de dinheiro público da Secretaria Nacional do Audiovisual, do Ministério do Turismo, e inclui agradecimentos à deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). Além disso, apresenta uma visão positiva do período monárquico no Brasil.

Ao fim da exibição, uma aluna selecionada anteriormente pelos organizadores da solenidade fez um discurso com afirmações como “a gente está sob o regimento do MEC [Ministério da Educação]” e “temos alguma deturpação” nas escolas.

A estudante finalizou as declarações aconselhando outros alunos: “A gente vai ter de procurar a verdade por nós mesmos”.

Outra espectadora, no momento da sessão aberto para perguntas, questionou o diretor do filme sobre como vivia a sociedade à época da monarquia no Brasil. Malcolm Forest respondeu dizendo que a população era alegre, mesmo sofrendo.

“Tínhamos classes sociais. Havia gente muito pobre, havia os escravos e havia uma pequena classe que seria chamada, hoje, de classe média. Não sou a pessoa mais adequada para comentar sobre esse aspecto, mas todos viviam alegres, embora sofrendo muito”, declarou o diretor do documentário.

Recentemente, Paula Belmonte atuou para barrar uma moção de louvor ao CEF 8 de Sobradinho 2, que promoveu um diálogo em projeto pedagógico voltado ao acolhimento de estudantes LGBTQIAPN+.

A ação causou polêmica entre conservadores na Casa, que questionaram a existência de um possível viés ideológico no contexto escolar.

O que diz o diretor do filme

O diretor do filme, Malcolm Forest, após a reportagem publicada, enviou nota justificando que ficou sabendo tardiamente da polêmica e disse que sua fala foi “uma desastrada resposta proferida naquela ocasião”.

No texto, ele diz não ter agenda política e que seu foco sempre foi a promoção da arte da cultura. Em relação à polêmica, ele escreveu: “Repudio veementemente qualquer sugestão de que a escravidão tenha sido algo feliz. Estou consternado por qualquer interpretação incorreta que minhas palavras possam ter causado e sinto profundo pesar por qualquer impressão equivocada”, salientou.

Ainda na nota, Malcom prossegue: “Enfatizo que minha intenção ao mencionar que “todos viviam alegres, embora sofrendo muito” não foi minimizar o horror da escravidão ou sugerir que os escravos estavam felizes em sua condição. Eu compreendo a complexidade e a gravidade da história da escravidão no Brasil e lamento qualquer interpretação errônea que possa ter surgido. A perspectiva da minha fala teve como objetivo sinalizar e contextualizar uma realidade histórica complexa, na qual coexistiam diversas realidades sociais, econômicas e culturais. Eu jamais pretendi subestimar o sofrimento humano inerente à prática da escravidão, que é um capítulo triste e sombrio na história do nosso país”.

O diretor ainda ressaltou que tem o “compromisso de continuar trabalhando para uma compreensão mais profunda e respeitosa da história e da diversidade do nosso país. Minha intenção é sempre promover um diálogo respeitoso e esclarecedor sobre questões históricas e sociais, sem minimizar ou desconsiderar o sofrimento e a injustiça que muitos enfrentaram ao longo da história. Eu estou comprometido a ser ainda mais cuidadoso na escolha das palavras para garantir que minha posição nunca seja mal interpretada e garanto que seguirei buscando um discurso mais preciso e sensível”.

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