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Sem festa e abraço de avô: como foi o 1º ano dos bebês da pandemia

Em um ano de vida, nenéns tiveram pouco contato com familiares e com outras crianças. Psicóloga aponta ações para minimizar prejuízo afetivo

atualizado

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Cláudio Escobar/Material cedido ao Metrópoles
Mãe com bebê
1 de 1 Mãe com bebê - Foto: Cláudio Escobar/Material cedido ao Metrópoles

O primeiro ano de vida de uma criança é marcado por descobertas, desenvolvimento e construção das primeiras relações sociais. Com a pandemia do novo coronavírus, porém, bebês que vieram ao mundo em 2020 logo encontraram empecilhos para a formação de laços afetivos. A dificuldade de interação ocorre até mesmo com parentes, que muitas vezes ainda não tiveram a oportunidade de conhecer pessoalmente o novo membro da família.

Segundo a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, 52.158 crianças nasceram em hospitais da capital em 2020. O brasiliense Isaac Monteiro, de 1 ano e 1 mês, foi um deles.

O bebê veio ao mundo no dia 8 de março do ano passado, exatamente um dia depois da confirmação do primeiro caso de Covid-19 em Brasília. Primeiro filho de Flávia Monteiro da Rocha (foto em destaque), 21, o pequeno não convive com outras crianças em casa e teve pouco contato com os avós neste período.

“Aqui em casa somos só eu, minha mãe e ele. Quando nasceu, o Isaac viu o pai poucas vezes, porque ficamos com medo da pandemia e priorizávamos a videochamada. A minha avó, por exemplo, levou sete meses para ele conhecer”, relata Flávia.

A jovem é estudante de direito e também faz estágio. Na pandemia, com demandas da maternidade, dos estudos e do home office, a responsabilidade tem sido multiplicada. “Por um lado, ter aulas remotas tem sido bom para eu conseguir ficar em casa com ele. Mas é muito difícil conciliar tudo”, desabafa.

Após meses de isolamento, a expectativa de Flávia para 2021 era conseguir fazer uma festa para celebrar o primeiro ano de Isaac, mas isso também não foi possível. “O pai dele comprou um bolinho e cantamos parabéns, só a gente e os avós. O restante da família mandou felicitações por mensagem”, lembra.

Hoje, Flávia busca diferentes alternativas para incentivar o desenvolvimento do pequeno. “A minha sorte é que eu moro em casa e minha mãe é pedagoga. Ela tem uma criatividade enorme para desenvolver brincadeiras e inovar sem precisar sair de casa. Nós pintamos quadrinhos com ele, brincamos na piscina, fazemos o possível”, comenta.

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Distante da família

Uma situação parecida é vivida por Ana Lyz Machado Parreira, 31 anos. Em 2020, ela também foi mãe pela primeira vez e ainda precisa lidar com desafios na criação do pequeno Rafael Parreira Schwantes, de 1 ano e 1 mês. “Ele nasceu em 24 de fevereiro, dias antes do primeiro caso de Covid no país. Até hoje não conhece nenhuma criança”, diz.

Foram nove meses de planos e expectativas que tiveram de ser mudados. Para ajudar nos primeiros dias de vida de Rafael, a mãe de Ana saiu de Palmas (TO) para Brasília, no início do ano passado. A ideia era ficar apenas um mês. Com a rápida disseminação do vírus no país, porém, a avó do bebê não retornou para casa e segue morando no DF até hoje.

Em um ano, Rafael teve contato apenas com os avós paternos e a avó materna. Os sogros de Ana vivem no Mato Grosso, mas chegaram a comprar uma residência em Brasília para, de vez em quando, verem o neto.

Outra dificuldade enfrentada pelos pais neste período tem sido cuidar da saúde do neném. “Como ele não usa máscara ainda, temos muito medo. Então, fazemos as consultas on-line. Nós mesmos fazemos as medidas dele e passamos para a médica”, pontua.

Ana, que mora em um apartamento, percebe que o filho sente falta de interações sociais. Sem muito espaço dentro de casa para o garotinho correr, os pais buscam passear com Rafael em locais abertos, pelo menos uma vez por semana.

“Ele fica gritando na janela, acenando para os cachorros. A gente até comprou um vaso de terra para ele brincar na varanda”, afirma Ana, com risadas. “Sentimos muita falta dele brincar com outras crianças”, completa.

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Laços afetivos

Em 30 de abril de 2020, o servidor público Adovaldo Dias de Medeiros Filho, 38, teve a terceira filha. A alguns dias de completar o primeiro ano de vida, Carolina Medeiros também não pôde ser mimada por muitos parentes.

Por ter duas irmãs, de 4 e 7 anos, a bebê ainda consegue brincar e ter momentos com outras crianças. Apesar disso, ao comparar os primeiros meses de Carolina com os das outras filhas, o pai nota diferenças no comportamento da caçula.

“A interação é outra. Quando é necessário sair de casa, ela parece que tem uma alegria a mais. As outras cresceram com maior liberdade, enquanto ela encontrou com a família pouquíssimas vezes”, assinala.

Em dezembro do ano passado, a mãe de Adovaldo faleceu, em decorrência de complicações da Covid-19. “É triste que eu possa contar nos dedos as vezes que minha mãe viu a Carolina”, lamenta ele.

Para estreitar os laços da pequena com o avô, Adovaldo busca manter uma frequência de chamadas por vídeo. “Quando ela vê o meu pai, fica muito ligada nele”, comenta.

“De vez em quando, ele manda um bilhete para a gente. Uma vez, ele enviou uns doces e até assinou a cartinha. Ficou todo feliz que mandou presentes para a netinha. Isso foi algo que me marcou muito”, conta.

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Alternativas

A ideia de enviar presentes ou outras coisas com valor simbólico é uma forma de estabelecer conexões e fazer a criança entender mais sobre a família. É o que explica Gabriela Mietto, psicóloga especializada na primeira infância.

A professora de psicologia da Universidade de Brasília (UnB) pontua que, neste momento de pandemia, há prejuízos – tanto para as crianças, quanto para os responsáveis. “Ao ter um filho, é importante que os pais tenham uma rede de apoio. Mas, com a necessidade de distanciamento social, essa rede fica comprometida. Então, os pais estão mais solitários.”

Gabriela descreve algumas ações que os pais podem realizar para minimizar estes problemas. Em especial, a psicóloga destaca passeios ao ar livre e atos que desenvolvam memórias afetivas na criança. “É importante que a família passeie em locais abertos, com todos os cuidados e seguindo as recomendações de distanciamento”, ressalta.

“Também existem rituais que podem trazer a presença de familiares de uma maneira simbólica, por meio de narrativas, memórias. Tem avós que mandam algum presente para o neto, para ele saber que foi a vovó que mandou. Os pais também podem lembrar da história daquelas pessoas, por meio de fotografias, cartas”, exemplifica.

“Explicar ao bebê: ‘essa é sua avó, esse é seu tio’ é algo que vai unindo laços. É um equívoco achar que isso só deve ser passado só para crianças mais velhas, porque essas são coisas que a gente vai construindo a cada dia”, reforça. “É um período em que temos de ser mais criativos para tornar essa vivência mais tranquila e armar uma rede de apoio diferenciada”, conclui Gabriela.

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