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MPDFT vê “risco grave” de contaminação no necrotério do Hran

Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde vai cobrar explicações do GDF sobre as precárias instalações da câmara mortuária do Hospital Regional da Asa Norte. Medida é motivada por denúncia feita pelo Metrópoles, que revelou cenas de um filme de terror na unidade do Plano Piloto

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
1 de 1 - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

A olho nu, os problemas na câmara mortuária do Hospital Regional da Asa Norte (Hran) denunciados pelo Metrópoles na terça-feira (13/9) já se revelavam graves. Restos mortais amontoados nas gavetas, sujeira espalhada pelo local, refrigeração defeituosa, cheiro de corpos em decomposição e equipamentos enferrujados estavam entre as denúncias feitas por servidores, que filmaram as precárias instalações do local. Mas agora, após a análise de uma profissional, as condições se mostram ainda mais assustadoras.

A pedido da promotora Marisa Isar, da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), a analista de medicina do órgão Adriana da Fontoura Alves periciou as imagens. E a conclusão é alarmante: se as irregularidades não forem prontamente sanadas, a saúde dos profissionais e da população que passa pelo Hran pode sofrer “grave ameaça”.

Constitui grave ameaça, sob aspectos sanitários, uma vez que um hospital pode, assim, se transformar de um local onde se espera a cura de doentes para um local gerador de doentes

Trecho de nota técnica do MPDFT

A informação consta em uma nota técnica elaborada pelo MPDFT para pedir explicações ao Núcleo de Citologia e Anatomia Patológica (Nucap), da Coordenação da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF).

 

O documento será entregue à Nucap nesta sexta-feira (16). “O prazo para resposta é de 48 horas para que todas as questões sejam esclarecidas. A Prosus solicitou a uma assessora técnica a análise do aspecto médico-sanitário do que foi exposto na mídia. A situação é muito grave”, afirmou a promotora Marisa Isar ao Metrópoles.

Corpos em lençóis
Outro problema apontado pela analista médica é que os corpos da câmara fria estavam envoltos em lençóis, material inadequado para tal prática. “Por natureza, o tecido do lençol é permeável e possibilita a passagem de fluidos corporais, como saliva, suor e sangue. Eles podem ficar na maca ou pingar no chão e até transbordar. Os corpos deveriam estar em um saco plástico, com zíper, para evitar contaminação”, atestou Adriana da Fontoura Alves.

Segundo a especialista, os fluidos humanos são repletos de micro-organismos que podem contaminar o ambiente e as pessoas que manipulam os cadáveres. O documento ressalta que estudos do século 19 já atribuíam infecções sofridas por profissionais da saúde à manipulação de cadáveres sem os devidos cuidados.

“Portanto, o risco sobre o qual estamos a tratar agora já é bem conhecido pela medicina, cabendo questionar, por exemplo, por que não estão sendo usados no Hran os plásticos (material impermeável) específicos para a finalidade de embalar cadáveres”, ressalta o documento.

Ferramentas impróprias
Outro ponto destacado na nota técnica diz respeito às ferramentas mostradas no vídeo gravado por funcionários. “Sobre as condições do material cirúrgico disponível para utilização nas necropsias, demonstrado no vídeo, sobressai sua absoluta precariedade. Tal situação expõe a segurança dos servidores que manuseiam o cadáver, tanto quanto expõe os próprios cadáveres a risco de mutilações imotivadas, aviltantes, por natureza. Sobre esse tema, também cumpre requisitar esclarecimentos ao responsável técnico pelo setor.”

Entre os questionamentos, a Prosus também quer saber por que há um corpo na câmara fria desde julho de 2015, conforme mostra a etiqueta em uma das gavetas do necrotério do Hran. Segundo denúncia dos servidores, havia restos mortais amontoados nas gavetas por falta de espaço na unidade.

Veja o vídeo abaixo, não recomendado para pessoas sensíveis.  

 

Serviço de Verificação de Óbitos
A promotora Marisa Isar atribui a superlotação das geladeiras do Hran ao fato de até hoje o Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) não ter sido efetivamente implantado no DF. Quando não está definida a causa morte de um paciente ou é considerada a possibilidade de doença infectocontagiosa, é necessária a necropsia do cadáver. No entanto, não há pessoal destinado a essa função nem à implantação do sistema, que já foi alvo de ação civil pública do MPDFT.

“O MPDFT ajuizou ação para implementação do SVO. Já havia um projeto para reforma e aquisição de mobiliário para viabilizar o funcionamento, mas o GDF optou por fazer um grupo de trabalho”, afirmou a promotora. Segundo ela, para incentivar a implantação, o Ministério da Saúde custeia parte do serviço e dá os parâmetros a serem adotados, tudo previsto por meio de portaria.

Em nota encaminhada ao Metrópoles na quarta-feira (149), a Subsecretaria de Vigilância à Saúde esclareceu que o SVO tem funcionado de forma transitória no Núcleo de Citopatologia e Anatomia Patológica (Nucap) do HBDF, com o apoio do Instituto Médico Legal (IML). No entanto, funcionários da unidade afirmam que não têm condições de atender à demanda, pois faltam tanto estrutura quanto funcionários para executar o trabalho.

Sobre o cheiro de cadáveres, a pasta afirmou que “houve um acúmulo pontual de cadáveres na última semana. Porém, a situação foi normalizada”. “A Coordenação de Anatomia Patológica da Secretaria de Saúde está trabalhando para solucionar o problema do armazenamento dos corpos no Hran o mais brevemente possível. Neste momento, existe um processo de compra de nova câmara e carro pantográfico (de transporte) em andamento.”

Hospital de Base
Na quinta-feira, o Metrópoles revelou que as falhas na câmara mortuária do Hran não se restringem à unidade. Na principal instituição do Distrito Federal, o Hospital de Base, o exaustor apresenta falhas e o cheiro do formol usado para preservar os cadáveres se concentra nas salas, provocando ardência nos olhos, problemas respiratórios e dor de cabeça nos funcionários que trabalham no subsolo.

Além disso, das 16 gavetas disponíveis, apenas sete estão em uso, pois não há macas retráteis para içar os corpos aos locais mais altos.

Por meio de nota, a Coordenação de Anatomia Patológica informou que, em função do problema no exaustor, na tarde de terça, “foi solicitado ao Hospital de Base o embalsamamento dos corpos, o que retarda o processo de decomposição”.

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