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Espera para cirurgia de câncer chega a 1 ano e 5 meses no HBDF

A fila para se consultar com um oncologista é de 670 pessoas, na rede pública. Outros 389 pacientes esperam para fazer radioterapia

atualizado

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Michael Melo/Metrópoles
Helaine Maria Gomes
1 de 1 Helaine Maria Gomes - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Nos últimos dias, a notícia de que a primeira-dama do Distrito Federal luta contra um câncer no endométrio despertou dois sentimentos na população. Um, de compaixão pelo drama pelo qual passa Márcia Rollemberg. Outro, de incômodo por todos aqueles que dependem da rede pública de saúde para o tratamento contra tumores.

Desde quando teve o diagnóstico confirmado, em julho, Márcia submeteu-se a uma cirurgia de retirada do útero e fez ao menos 11 sessões de quimioterapia. Todos os procedimentos foram realizados na rede privada de saúde. Nesse mesmo período, seria impossível, para um paciente da rede pública da capital federal, conseguir até mesmo a primeira consulta com um oncologista. A fila de espera para ser atendido por um profissional desse tipo é de 670 pacientes.

Pedro Ventura/Agência Brasília
A batalha de Márcia Rollemberg comoveu toda a população do DF, que torce pela pronta recuperação da primeira-dama

 

Hoje, existem 18 oncologistas em toda a rede pública do DF. O Hospital de Base tem oito profissionais da especialidade e é referência para cirurgias de retirada de tumores.

Na unidade, hoje, 68 pacientes esperam para operar. Os médicos trabalham em esquema de plantão e reservam os dois períodos (manhã e tarde) das terças e quartas-feiras para fazer as cirurgias de câncer. Mas, devido à falta de pessoal e de insumos, só conseguem operar em um período. Ou seja, um paciente que entrar hoje na fila da cirurgia pode ter que esperar até um ano e cinco meses. Os dados foram informados pelos próprios profissionais que atuam no setor.

Depois da operação, os procedimentos para evitar o retorno da doença são a radioterapia, com fila para atendimento de 389 pessoas, e a quimioterapia, que não tem todos os medicamentos à disposição. Dos 49 tipos necessários para tratar os diferentes casos da comorbidade, 13 estão em falta atualmente. Se o paciente tiver condições para adquirir um quimioterápico, pagará caro, pois esse tipo de substância custa entre R$ 200 e R$ 30 mil.

Chances de cura
O tempo de espera em casos de câncer, associado ao tratamento adequado, é o diferencial entre a vida e a morte para quem enfrenta algum tipo dessa doença. De acordo com o oncologista ginecológico do Hospital de Base Jânio Vargas, o câncer de endométrio tem 95% de chances de cura se tratado no início. Ele não comenta casos específicos, por uma questão de ética, mas explica que o grupo de risco se dá entre mulheres na menopausa, com mais de 50 anos.

Fazemos o rastreamento ginecológico. São necessários diversos exames antes da cirurgia. Quando é constatado o câncer e há a indicação para a histerectomia [retirada do útero], o ideal é que seja feita imediatamente. Existe, inclusive, uma lei que resguarda o paciente, para ele fazer a cirurgia em até 60 dias

Jânio Vargas, oncologista ginecológico do Hospital de Base

Arte/Metrópoles

 

Espera
Há três meses, Maria*, 68 anos, vive o mesmo drama que Márcia Rollemberg. Ela descobriu um câncer no endométrio. Sem convênio médico, a dona de casa contou com a ajuda dos seis filhos para fazer exames na rede privada. Eles fizeram uma “vaquinha” e conseguiram pagar a ecografia e duas biópsias solicitadas por um médico do Hospital Regional de Brazlândia.

Com os resultados, a indicação médica foi explícita: seria necessária a retirada imediata do útero. Mas, até chegar à cirurgia de fato, a família vive momentos de apreensão. “Só conseguimos o diagnóstico porque pagamos os exames por fora. O médico nos encaminhou para o Hospital de Base, mas a consulta com um oncologista só foi marcada para 4 de dezembro. Isso nem significa que ela vai operar. O médico só vai olhar os exames dela”, afirmou a filha da dona de casa, que trabalha como auxiliar de serviços gerais e preferiu não se identificar.

Quando Maria foi ao primeiro exame, sentia apenas dores no “pé da barriga”. Hoje, ela tem sangramentos vaginais. A oncologista que analisou os exames de Maria conversou com o Metrópoles. Segundo ela, a cirurgia teria que ser imediata.

“Ela fez até o risco cirúrgico com cardiologista particular. Ele tem validade de três meses. Dependendo do caso, menos. Na rede também tem fila para atendimento com cardiologista. A indicação para ela é de histerectomia imediata”, afirmou a profissional, que prefere não se identificar por compor o quadro dos hospitais públicos do DF.

Para o presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (Sindmédicos), Gutemberg Fialho, a “situação da saúde no DF é caótica”. “A falta de medicamentos e de protocolos atualizados para tratar os doentes tem abreviado a expectativa de vida dos pacientes”, afirmou.

Busca por atendimento
Em 2016, Helaine Maria Gomes (foto em destaque), 53 anos, recebeu um diagnóstico devastador: tinha câncer no colo do útero em estágio avançado e ouviu do médico que precisava fazer o tratamento imediatamente, sob pena de ver seu quadro clínico se agravar rapidamente. O diagnóstico veio seguido de outro problema: a dificuldade de conseguir atendimento na rede pública de saúde do DF.

Empregada doméstica e manicure, Helaine tentou o Hospital Universitário de Brasília (HUB), o HBDF e outros, mas a fila de espera não era compatível com a corrida contra o tempo e pela vida: “Eu tinha um mês para fazer a cirurgia, começar quimioterapia e radioterapia. Me desesperei”, relatou.

Com ajuda de amigos e parentes, ela descobriu um hospital filantrópico em Goiânia que poderia atendê-la. “Contei com a ajuda financeira das pessoas, e foi Deus que me salvou, pois aqui [no DF] teria que esperar meses por uma consulta. Eu não tinha esse tempo”, disse. Depois de uma cirurgia, 35 sessões de radioterapia e 15 de quimioterapia, Helaine ainda vai uma vez por mês à cidade vizinha, para dar continuidade ao tratamento, iniciado no ano passado.

Ela faz parte de um grupo de mulheres com câncer no sistema reprodutor. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), a estimativa é de que, até o fim de 2017, 540 novos casos de câncer – no colo do útero (270), no corpo do útero (140) e de ovário (130) – sejam registrados no Distrito Federal. O órgão e a Secretaria de Saúde (SES) não têm números sobre a incidência de tumores no endométrio, considerados um tipo mais raro da doença.

A resposta da secretaria
Por meio de nota, a Secretaria de Saúde informou que, em relação à radioterapia, existem dois equipamentos do Hospital de Base funcionando e com contratos de manutenção vigentes. “Além do HBDF, o tratamento de radioterapia também é realizado no Hospital Universitário de Brasília (HUB) e no Sírio-Libanês”, disse.

Sobre os medicamentos de quimioterapia em falta, a Pasta informou que há processo de compra em aberto. “As empresas com as quais realizamos os pregões têm alegado dificuldade para apresentar a documentação exigida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Sem determinadas certificações, elas não podem vender para entes governamentais, diferentemente do que acontece com empresas privadas”, afirmou.

Ainda segundo a SES, considerando a reestruturação da atenção primária, a consulta inicial das mulheres é feita com médicos de família. Quando necessário, são marcadas consultas com ginecologistas nos hospitais. “Apenas em casos específicos, as pacientes são encaminhadas para especialistas. O agendamento na ginecologia oncológica não demora. No HBDF, a espera média é de duas semanas, dependendo da gravidade do caso”, concluiu.

Briga na Justiça
Sem êxito no tratamento, muitos pacientes tentam ser atendidos por via judicial. Como eles não têm dinheiro para contratar um advogado, entram em contato com a Defensoria Pública do Distrito Federal (DODF). Até outubro, a fila para a radioterapia era de 800 pessoas. Hoje, após convênio com o Hospital Sírio-Libanês, 389 pacientes estão à espera da primeira sessão, de acordo com dados da Secretaria de Saúde.

Nos primeiros 10 meses de 2017, 1.479 pessoas foram atendidas na Defensoria Pública do DF para pleitear a radioterapia. Outras 176 recorreram a advogados, a fim de se tratarem com a quimioterapia. Dos atendimentos feitos pela Defensoria, 338 resultaram em ações judiciais.

Depois de inspeções na Gerência de Oncologia da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, na Gerência de Radioterapia do Hospital Universitário de Brasília e na Gerência de Radioterapia do Hospital de Base do Distrito Federal, a DODF e a Defensoria Pública da União apresentaram uma Ação Civil Pública contra o GDF. O embasamento principal foi a escassez de serviços de radioterapia em funcionamento no DF para atender a demanda, em grave prejuízo aos pacientes.

Percebemos que grande parte das nossas demandas eram em busca de radioterapia. A partir disso, identificamos problemas estruturais. Percebemos que, apesar de a legislação protetiva garantir prazo de atendimento em até 60 dias, as pessoas aguardavam 8 ou até 9 meses

Danniel Vargas, defensor público do Núcleo da Saúde da Defensoria

“Infraestrutura insuficiente”
Na ação, os defensores ainda alegam que a “infraestrutura existente é absolutamente insuficiente para atender a demanda pelo procedimento de radioterapia”. Houve, então, entre outras requisições, pedidos para que o GDF apresente o cadastro unificado de todos os pacientes à espera de radioterapia e que reduza a fila.

Com a ação, foi marcada uma audiência com o GDF para 18 de dezembro, às 14h, na sede da Justiça Federal. Antes disso, no dia 14, haverá uma audiência pública para debater o tema, às 13h, na sede da Defensoria Pública da União.

*Nome fictício, a pedido da entrevistada.

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