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Fim do Lixão já impacta vida de moradores e comerciantes da Estrutural

A cidade ficou mais limpa, na avaliação de quem vive no local. Porém, o encerramento das atividades no aterro prejudicou autônomos

atualizado

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JP Rodrigues/Especial para o Metrópoles
Lixão-Estrutural1
1 de 1 Lixão-Estrutural1 - Foto: JP Rodrigues/Especial para o Metrópoles

Após o fechamento, no sábado (20/1), do até então segundo maior lixão a céu aberto no mundo, a Cidade Estrutural já sente os efeitos causados pelo fim do depósito do qual cresceu ao redor. As mudanças aparecem nas ruas: na maior limpeza das pistas e calçadas e na redução do tráfego de caminhões e pessoas, cenário comemorado por parte dos moradores. Em contrapartida, o encerramento do aterro preocupa comerciantes, cuja clientela era impulsionada pelas atividades relativas ao local.

O Metrópoles percorreu, na segunda-feira (22/1), parte da rota do Lixão, vias por onde transitavam caminhões abarrotados de dejetos, cujo destino era o aterro, e verificou ausência de acúmulo de entulho nas pistas e calçadas.

“Os carros deixavam madeira, papelão e plástico nas ruas. Alguns catadores já vinham atrás deles recolhendo. Mas parte desse lixo o vento espalhava, o local ficava feio e sujo por isso”, conta Pedro Henrique Ataides, 30 anos, dono de lava jato.

Na contramão da limpeza, comerciantes de braços cruzados se tornou cena corriqueira na cidade, por falta de demanda. Entre eles, o borracheiro Claudinei Lacerda, 28 anos. “Antes (do fechamento do lixão), o vaivém de caminhões era grande. Muitos paravam na borracharia para reparar pneus”, lamenta o comerciante, que, até as 10h20, não havia recebido sequer um cliente.

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Claudinei projeta queda brusca no fluxo de caminhões, importante componente da clientela da borracharia. Por isso, ele teme ser forçado a se mudar de lugar ou ficar desempregado.

No outro lado da rua, o comerciante Rivaldo de Oliveira, 48, senta-se à sombra em frente ao seu depósito de recicláveis. Dono de revendedora de metais, plástico e papelão, ele garimpa com o olhar cada esquina ao redor, na esperança de encontrar catadores que lhe vendam os materiais.

Se continuar assim, vou ter de fechar minha loja, porque não vou conseguir continuar pagando quatro funcionários e aluguel [R$ 4 mil mensais por dois estabelecimentos]

Rivaldo de Oliveira, revendedor de materiais recicláveis

Já o dono de lanchonete Luiz Bonfá, 53, prevê, a curto prazo, prejuízo de estabelecimentos como padarias e restaurantes, além do comércio dele. “O fluxo era muito grande. Com certeza vai diminuir”, projeta. No entanto, demonstra otimismo. Isso porque, na visão dele, haverá grande investimento na Estrutural a longo prazo. Não somente no comércio, mas no setor imobiliário.

“Há muitos lotes vazios. Por causa do lixão, muita gente tem visão negativa sobre a Estrutural e, por isso, não investia no lugar. Acredito que isso vá mudar”, acredita.

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Preocupação
Os catadores não compartilham do otimismo do comerciante. Nem mesmo aqueles inscritos para serem realocados em um dos cinco centros de triagem de materiais recicláveis alugados pelo Governo do Distrito Federal e cedidos a oito cooperativas de trabalhadores do lixo.

“A partir desta terça (23), vou começar a trabalhar em um galpão de triagem em Ceilândia. Mas soube hoje [segunda-feira] que vou ter de comprar meus próprios equipamentos, como luvas e calçados”, lamenta o catador Valdinei Barbosa, 30. Ele demonstra desânimo antes mesmo do início dos trabalhos. E cogita voltar para a terra natal, Ibotirama, no interior da Bahia, em busca de melhor condição de vida.

Heliene Alves, 50 anos, endossa a queixa de Valdinei. “Não há ônibus gratuito para irmos aos galpões, temos de bancar do próprio bolso. Ou seja, o dinheiro que recebermos vamos devolver ao governo por meio do transporte público”, afirma.

Heliene também põe em xeque a permanência no Distrito Federal. Até hoje, ela tem sustentado os três filhos, de 23, 17 e 14 anos, com cerca de R$ 300 semanais oriundos das atividades no lixão. Mas não sabe se, ao fim de cada mês de trabalho nos galpões, terá disponível pelo menos a mesma quantia.

Procurado pela reportagem, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) informa ter alugado cinco galpões de triagem para as oito cooperativas que trabalhavam no antigo lixão. “Em cada local há regras de convivência, além de cumprimento de horário com frequência diária registrada. Sobre os cadastros, cada cooperativa é responsável pelos seus cooperados”, destacou, por meio de nota.

Ainda segundo o SLU, “o plano que o GDF tem para os catadores do antigo lixão é proporcionar melhores condições de trabalho com dignidade. Para isso, também está firmando parceria com entidades de capacitação profissional para qualificar e potencializar os trabalhos das cooperativas”.

Já a Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Sedestmidh) informou que concede  “compensação financeira” aos catadores, ou seja, repassa um auxílio mensal de R$ 360 aos trabalhadores que frequentarem os galpões. O benefício vigora por seis meses, prazo que pode ser prorrogado por igual período, e atende 1,2 mil pessoas.

O órgão afirma ainda que o programa “Agentes da Cidadania Ambiental” beneficia 900 catadores da Estrutural com bolsa mensal de R$ 300. Em contrapartida, eles precisam frequentar aulas de coleta seletiva ministradas pelo SLU.

A pasta acrescenta que 100 jovens, de 14 a 17 anos, filhos de catadores, são beneficiados pelo programa “Caminhos da Cidadania”. Eles recebem uma bolsa de R$ 190 como incentivo para que permaneçam nas atividades e não retornem à condição de trabalho insalubre e degradante.

Fim do lixão
Desde sábado (20), o lixão a céu aberto não recebe mais os resíduos produzidos no DF. Todo material será enviado ao Aterro Sanitário de Brasília, entre Ceilândia e Samambaia, e aos centros de triagem de material reciclável. Com cerca de 200 hectares — o equivalente a 200 campos de futebol —, o depósito de dejetos fechado era fonte de renda de centenas de famílias da Estrutural, que cresceu ao redor do local.

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