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Detentos LGBTs nunca tiveram direito à visita íntima concedida no DF

SSP diz que não houve pedido por parte dos presos. Para especialistas, é preciso mais informação e menos preconceito para mudar a realidade

atualizado

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Gláucio Dettmar/ Agência CNJ
prisa cadeia detenta mulher
1 de 1 prisa cadeia detenta mulher - Foto: Gláucio Dettmar/ Agência CNJ

Todo detendo no Brasil pode, ao menos uma vez no mês, receber visita íntima dentro do presídio. Este direito é assegurado pela Resolução nº 4 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, publicada em 2011. Embora a norma inclua lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, transexuais e travestis (LGBTs), no Distrito Federal, nenhum detento deste grupo recebeu visita íntima até hoje.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública e da Paz Social do DF (SSP-DF), desde que a resolução entrou em vigor, não houve pedido para o cadastramento de visita íntima por parte desses presos. Enquanto isso, 2.910 detentos heterossexuais têm o direito garantido e recebem a companhia de seus parceiros, sendo 2.875, homens, e 35, mulheres.

Para Chyntia Barcellos, conselheira da Comissão Especial da Diversidade Sexual e Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), não há explicação aceitável para o fato de nenhum LGBT ter visita íntima na capital do país. “Nós sabemos que, no mínimo, 10% da população brasileira são gays, lésbicas, travestis ou transgêneros. Óbvio que lá dentro (das prisões) tem muitos deles. O que cabe aqui é discutir o porquê eles nunca procuraram por esse direito”, diz.

Lei só no papel
Para Marina Reidel, coordenadora-geral de Promoção dos Direitos LGBT do Ministério dos Direitos Humanos, de nada adianta existirem leis se não for fácil tirá-las do papel. “A primeira coisa a se fazer é tornar a legislação pública. Muitos desses detentos sequer sabem que podem solicitar à direção carcerária que seus parceiros venham visitá-los”, destaca.

Jussara Barros, representante do Grupo Estruturação LGBT de Brasília, concorda. Segundo ela, a maioria dos gays e travestis presos é humilde, com história de violência em casa, marginalizada. “A primeira coisa que permite a você conquistar um direito é a informação. Mas até mesmo esse acesso tem sido um direito inexistente para eles. É preciso fiscalizar, cobrar das autoridades, divulgar”, afirma.

Questionada pela reportagem, a SSP-DF disse que não há um projeto para a divulgação da visita íntima aos LGBTs, mas pontuou que toda pessoa quando é presa pela primeira vez é informada do direito. Já a Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) afirmou, em nota, que vai consolidar os requisitos para o cadastro da visita íntima.

“Mas adiantamos que o tratamento no sistema penitenciário é isonômico e independe de gênero. No entanto, para o exercício de um direito, é preciso provocação pela parte interessada, ou seja, o visitante ou o custodiado deve se manifestar solicitando a autorização pretendida, seja perante a autoridade penitenciária, seja perante o juízo”, completou o TJDFT.

Arte/Metrópoles

Preconceito
Para a maioria dos especialistas ouvidos pelo Metrópoles, mesmo quando o detento LGBT é informado sobre o direito à visita íntima ele evita pedi-lo devido ao preconceito.

O presídio é um território basicamente machista, preconceituoso e violento. Como se assumir gay e ir para uma visita íntima se depois você terá de voltar para uma cela onde pessoas preconceituosas e violentas poderão lhe fazer mal?

Dênis Gomes, coordenador do Grupo Gay da Bahia

A conselheira da OAB Brasil Chyntia Barcellos informa que, no Distrito Federal, uma outra resolução que daria mais segurança aos LGBTs para pedirem as visitas íntimas não é colocada em prática. “A norma de 2014 diz que travestis e gays privados de liberdade em unidades prisionais masculinas devem ficar em espaços de vivência específicos. No entanto, apenas Rio Grande do Sul e Pernambuco têm experiências nessa linha”, esclarece.

Já a Associação de Familiares de Internos e Internas do Sistema Penitenciário do Distrito Federal e Entorno (Afisp-DFE) acredita que, além do preconceito, a burocracia também desestimula detentos gays, travestis, transexuais e transgêneros a pedirem visita íntima. “Se para as esposas já é difícil conseguir os documentos de união estável, para os casais do mesmo sexo fica ainda pior”, afirma Darlana Godoi, da Afisp.

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Privação de outros direitos
O presidente do Conselho de Direitos Humanos do DF, Michel Platini, diz que a liberdade não é o único direito em privação nos presídios. “Quem entra no sistema penitenciário perde a sua dignidade e os seus outros direitos individuais. No DF, o sistema é um dos mais atrasados do Brasil. Nós não acompanhamos as outras unidades da Federação que já se adaptaram para diminuir o preconceito contra os LGBTs”, explica.

Na sexta-feira (25/9), o conselho protocolou uma representação junto à SSP, ao Ministério Público e à VEP para assegurar direitos a travestis e transexuais que estão no sistema prisional. Segundo Platini, em visita às cadeias, ele constatou que esses presos têm cabelos raspados e são proibidos inclusive de usar sutiã. Além disso, não são levados em conta o nome social e o gênero desse grupo encarcerado.

Como se não bastasse, de acordo com o Ministério dos Direitos Humanos, no DF, muitos LGBTs são colocados em celas com abusadores, aumentando o risco de violência contra eles. “Com certeza, muitos evitam se assumir com medo de serem mandados para esses espaços onde estão criminosos sexuais ou coagidos dentro das demais prisões”, assinala Marina Reidel.

A Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe) informou que as unidades prisionais separam os internos por crime cometido e não por conta da orientação sexual.

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