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Como é ser intensivista quando o sistema de saúde entra em colapso

Médicos do DF relatam os cansaços físico e psicológico que o tratamento intensivo contra a Covid-19 exige dos profissionais de saúde

atualizado

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Hugo Barreto/Metrópoles
Instituto Hospital de Base medico
1 de 1 Instituto Hospital de Base medico - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Nas últimas duas semanas, o Distrito Federal registrou mais de 90% de taxa de ocupação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), com pequenas variações. O resultado disso para os médicos intensivistas que atuam na linha de frente do combate à pandemia da Covid-19 é o aumento das fadigas física, após jornadas exaustivas de trabalho, e psicológica, com a frustração pela grande quantidade de óbitos dos pacientes.

É o que conta o intensivista do Hospital de Base (HBDF), Alexandre Amaral, 45 anos. Segundo o profissional, o aumento vertiginoso nas internações impôs às equipes de saúde uma fadiga física para a qual não foram treinadas. “Os intensivistas não estão tendo o descanso mínimo. A gravidade dos casos impede que paremos para comer ou tomar um café”, conta.

Segundo o médico, os profissionais ainda estão submetidos a um desgaste mental exaustivo, pois todos os dias é preciso atender quadros de saúde complexos e se esforçar para salvar a vida de pacientes. Caso algum venha a óbito, imediatamente entra outro no lugar. “Sabemos que o risco de falecer é muito grande. As ações que são feitas em cada leito se multiplicaram várias vezes ao dia, devido ao volume de pacientes”, resume.

“Vamos supor que normalmente é preciso pronar um ou dois pacientes. Pronar é colocar de barriga pra baixo, para melhorar a oxigenação. Hoje temos que fazer isso com seis ou sete pacientes”, explica. “Fazer isso envolve várias pessoas, existe todo um protocolo. O profissional tem que ficar na beira do leito o tempo todo para atender a demanda”, detalha.

Outro fator é que nas UTIs para Covid-19 dobram o número de pacientes, de 10 para 20. No DF, dos 14 hospitais com UTI para tratamento do coronavírus, apenas cinco têm menos de 20 leitos. Aliado a isso, quase sempre os pacientes com coronavírus que chegam à UTI estão em estado grave. “Numa UTI normal, temos cerca de seis pacientes em estado grave, mas nas UTI Covid, dos 20 pacientes, os 20 estão em estado grave”, conta o intensivista.

“Tudo isso se intensificou muito nos últimos 30 dias, o que é um reflexo da sobrecarga do sistema, e ainda vai piorar antes de começar a melhorar”, lamenta Amaral, que antes de trabalhar no HBDF (foto em destaque) foi chefe de UTI no Hospital Regional da Asa Norte (Hran), no primeiro pico da doença no DF.

Perdas diárias

Já para o intensivista Oswaldo Smari, 35 anos, a maior dificuldade que o aumento expressivo do número de casos adiciona ao tratamento é a perda do contato com a família do paciente. Segundo explica, em condições normais, o profissional tem tempo de preparar os parentes para a possível morte.

“Do ponto de vista humanitário, a perda é muito grande, dificulta o processo de entendimento dos familiares”, diz. “Geralmente a primeira vez que conversamos é para dar a notícia do óbito, o que nem de longe é o ideal”, resume.

Além disso, na UTI voltada para o tratamento contra o coronavírus, a taxa de morte é ainda maior, girando em cerca de 60%, segundo o médico, que trabalha no Hospital Universitário de Brasília (HUB). Com o aumento de casos, pode ser que a taxa de mortalidade aumente com o tempo de espera de cada paciente.

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Reforço

Pensando na sobrecarga dos profissionais, a Secretaria de Saúde (SES) busca contratar novos médicos para as UTIs. Na última quarta-feira (3/3), foram nomeados 15 intensivistas. No entanto, para o presidente da regional DF da Associação Brasileira de Medicina Intensiva (Amib-DF), Rodrigo Biondi, como não existem especialistas para todos os leitos demandados pela pandemia, o governo será obrigado a contratar pessoas com formação superficial.

Segundo o representante dos intensivistas, a única saída é diminuir o número de casos da doença. “O certo seria um lockdown total. É muito chato, eu entendo isso, é muito ruim pro comércio. Fico triste. Mas pior que isso é ligar para um pai e falar que o filho dele morreu de Covid”, disse. “Sem o lockdown as pessoas vão começar a morrer no corredor dos hospitais. Não vai ter tratamento pra todo mundo, não vai ter leito pra todos”, sentenciou.

Segundo o médico, já acontece hoje de pacientes chegarem a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mas demorarem dois dias até conseguirem uma UTI, o que impacta na recuperação do paciente.

Apesar da alta taxa de ocupação dos leitos, o intensivista do Hospital de Base Mateus Borges, 40 anos, é otimista e lembra que não estamos no pior momento da doença. “Em julho do ano passado, tivemos 46 leitos [no Hospital de Base]. Hoje, temos 20”, compara.

Para ele, os intensivistas não pararam desde que começou a pandemia. “Não é apenas nessas duas [últimas] semanas. O trabalho numa UTI com pacientes tão graves exige atenção máxima o tempo inteiro”, ressalta. Apesar do trabalho extenuante, fica para o médico uma lição de vida: “Na UTI, vemos filhos que perderam os pais e as mães, pais que perderam os filhos. O que fica para nós é que temos que viver bem e tentar ser feliz e aproveitar ao máximo a nossa saúde”.

Procurada, a Secretaria de Saúde (SES) informou que reconhece “o trabalho heróico dos nossos profissionais de saúde”, tanto dos médicos intensivistas, quanto os de todas as outras categorias envolvidas no processo de salvar vidas durante a pandemia.

Ainda segundo a SES, ao longo de 2020,  foram nomeados 4.213 servidores entre efetivos e temporários, “o que mostra que a pasta trabalha para não deixar a população do DF desassistida  neste momento”, disse.

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