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A injusta distribuição de verbas do GDF às administrações regionais

Levantamento do Metrópoles aponta: cidades mais carentes e populosas receberam menos recursos do que RAs “ricas” e com menos moradores

atualizado

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Igo Estrela/Metrópoles
Recanto das Emas
1 de 1 Recanto das Emas - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Pergunte a qualquer morador do DF: entre o Lago Norte e a Estrutural, qual região deveria receber mais recursos do Estado? Provavelmente, a maioria da população responderá que a localidade carente merece maior atenção do poder público. No entanto, o Governo do Distrito Federal (GDF) parece ter outro critério na hora de fazer repasses às administrações regionais. Levantamento feito pelo Metrópoles com base em valores disponíveis no Portal da Transparência aponta uma aparente injustiça na destinação de recursos às cidades.

Com 258 mil moradores – segundo a última Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio do DF –, Samambaia ocupa a quarta posição no ranking das mais populosas da capital da República e recebeu R$ 8,2 milhões em 2017 e R$ 7,5 milhões até 18 de outubro de 2018. A 12 quilômetros dali, está Águas Claras, que tem 119.895 habitantes a menos e foi contemplada com R$ 10,4 milhões e R$ 7,9 milhões no mesmo período.

A quarta maior cidade do DF, Samambaia, recebe menos recursos do que Águas Claras

Outro paradoxo fica demonstrado quando o confronto é feito entre o Recanto das Emas e o Guará. Enquanto a primeira região administrativa (RA) foi agraciada com aporte de R$ 5,8 milhões para melhorar a qualidade de vida dos seus 146 mil moradores neste ano, a segunda – mais desenvolvida e com 133 mil habitantes – ganhou R$ 7,2 milhões, uma diferença de R$ 1,4 milhão.

No exemplo citado no início da reportagem, também fica evidenciado que a realidade entre a Estrutural e o Lago Norte não é fator preponderante para o Palácio do Buriti na hora de transferir dinheiro público aos administradores regionais. Pelo organograma do GDF, a RA da Estrutural está sob a jurisdição do Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA). Para essas duas localidades, o governo designou R$ 3,3 milhões de janeiro a outubro deste ano. Já o abastado Lago Norte foi agraciado com R$ 3,9 milhões, embora abrigue 2.035 cidadãos a menos em relação à Estrutural.

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Metrópoles, a inversão de prioridades do Executivo local ao distribuir verbas apenas contribuiu para aumentar o abismo social entre cidades com realidades tão distintas. “É natural imaginar que essa relação poderia ser mais equânime e mostra que os políticos estão diante de um desafio de melhorar a governança e aplicar os recursos de forma mais eficiente”, diz o professor de custos e governança da Universidade de Brasília (UnB) Marilson Dantas.

Arte/Metrópoles

Esquemas e cabides de emprego
Na teoria, as administrações deveriam servir como braço mais próximo do governador junto a cada comunidade. A esses órgãos, cabe o cuidado de problemas pontuais que afetam diretamente a vida dos moradores. Tapar buracos, desentupir bocas de lobo, construir quebra-molas e avaliar pedidos de alvarás de construção são algumas das funções inerentes a quem é escolhido para administrar a cidade.

Porém, historicamente, essas estruturas servem para acomodar cabos eleitorais indicados por deputados, senadores e outras autoridades. Não raras vezes, protagonizaram escândalos de corrupção. Em julho deste ano, por exemplo, a Polícia Civil desmontou um esquema sofisticado que operava nas administrações regionais da capital e o qual levou ao bloqueio de R$ 55 milhões pela Justiça do patrimônio de servidores e ex-administradores do Gama e de Águas Claras.

O valor teria sido desviado de obras realizadas ao longo dos últimos sete anos. Os acusados aproveitavam-se dos cargos que ocupavam em órgãos do GDF para fraudar licitações do próprio Executivo local.

O Metrópoles revelou, um mês depois, que as fraudes nas duas RAs resultaram em um cenário de abandono nas cidades. A reportagem percorreu praças de Águas Claras – onde os agentes cumpriram mandados de prisão –, entre outros locais, e constatou obras malfeitas e deterioradas. Uma delas foi executada por empresa acusada de combinar preços, em conluio com concorrentes, para vencer os certames.

Para o professor emérito do Instituto de Ciência Política da UnB David Fleischer, a má gestão dos recursos entregues às RAs reflete-se diretamente no dia a dia das comunidades mais pobres. “O critério principal deveria ser a necessidade de infraestrutura em relação à quantidade de moradores. Quando se ignora esses fatores, aumenta-se a desigualdade e sublinha-se aquela impressão de todos: que as administrações regionais servem para atender interesses pessoas de políticos da cidade”, critica.

Luís Nova/Especial para o Metrópoles
Com diversos problemas estruturais que causam alagamentos em dias de chuva, Vicente Pires recebeu menos recursos em 2018 (R$ 4,8 milhões) do que Brazlândia (R$ 9,6 milhões)

Enquanto isso, cidades estão entregues às traças
O resultado da política equivocada de partilha de verbas do GDF às administrações pode ser observado nas ruas das cidades mais carentes de serviços públicos. No Recanto das Emas, é fácil encontrar montes de lixo a céu aberto e ruas mal iluminadas. O asfalto da sexta maior região administrativa do Distrito Federal deixa a desejar. Como mostrou o Metrópoles na terça-feira (16/10), na Quadra 401, motoristas têm de trafegar com cuidado para não cair nos inúmeros buracos (foto em destaque).

Em Samambaia, moradores se queixam dos recapeamentos no pavimento, que sempre são desfeitos nas chuvas mais intensas. O vigilante Renato do Nascimento, 34 anos, reside na Quadra 412 e questiona a qualidade do serviço. “Eles até fazem a Operação Tapa-Buraco com frequência, mas não passa da primeira chuva. É um material muito ruim”, conta.

No Itapoã – em 2017, a RA recebeu R$ 1,3 milhão a menos do que o Cruzeiro, mesmo tendo 37,7 mil moradores a mais –, não faltam problemas. Na Quadra 202, os moradores se queixam da lama e alagamentos em dias de chuva, transtornos que poderiam ser resolvidos com pavimentação asfáltica de qualidade e instalação de bocas de lobo.

Outro lado
Por meio de nota, o GDF informou que os recursos repassados às administrações são destinados às atividades de manutenção e pequenos reparos, enquanto os investimentos em infraestrutura e na construção de equipamentos públicos são feitos a partir do orçamento das secretarias de Estado. “Portanto, as informações sobre recursos repassados às administrações regionais não servem como parâmetro para quantificar os investimentos totais do governo nas cidades do DF”, alega o Buriti.

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