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A noite em que Bolsonaro esteve debaixo do meu nariz

Engasgo com cachorro-quente, mensagens sobre urnas, Michelle ignorada e cara amarrada: o que vi em duas horas (muito) perto do presidente

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Jair Bolsonaro interage com torcida em jogo do Flamengo em Brasília
1 de 1 Jair Bolsonaro interage com torcida em jogo do Flamengo em Brasília - Foto: Metrópoles

 

Por pouco mais de duas horas, na noite desta quarta-feira eu tive certeza de que Jair Bolsonaro não apenas se sente desconfortável no figurino de presidente, embora se mostre disposto a fazer o diabo para ficar na cadeira mesmo que perca a eleição.

Quis o destino que Bolsonaro se sentasse bem à minha frente, durante praticamente todo o jogo do Flamengo no Mané Garrincha, contra o gaúcho Juventude. Não achei ruim, por óbvio.

Eu cheguei primeiro. A segurança presidencial havia reservado para ele algumas cadeiras num lugar um pouco mais distante daquele onde eu me sentei, na tribuna de honra. Mas, ao chegar, ele escolheu uma posição na fileira logo abaixo de mim. Ficou a um metro e pouco de onde eu estava.

Não tenho certeza, porque logo no começo do governo participei de uma longa entrevista com ele no Palácio do Planalto, mas calculo que desta vez passei mais tempo perto, e em condição de observação tão privilegiada.

Como rubro-negro de carteirinha, fui para assistir ao jogo. Mas admito: quase não prestei atenção ao que se passou no gramado. Como repórter, não poderia deixar de me ater ao presidente e ao que se passava tão debaixo dos meus olhos.

Volto ao ponto inicial deste texto. Bolsonaro não me parece desconfortável apenas no figurino de presidente. Ao menos nesta noite, ele parecia desconfortável no papel de si mesmo. Acabrunhado, taciturno, infeliz.

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A atmosfera era condizente com o ambiente estressado, com ameaças diversas, que se desenha para a campanha presidencial deste ano. O esquema de segurança chamava atenção até de quem está acostumado a trabalhar em eventos com presidentes.

Os homens do GSI, o Gabinete de Segurança Institucional, eram contados às dezenas. Quatro dezenas, no mínimo. Estavam espalhados por todos os cantos, desde o acesso à área VIP do estádio, que pouco antes havia sido vistoriada pelo esquadrão antibomba da Polícia Federal, até os corredores, as portas, os recintos situados nas laterais, as saídas de emergência.

São 20h14. Faltam 16 minutos para o jogo começar quando Bolsonaro chega. Um dos seguranças o ajuda a descer os degraus que separam as três fileiras de cadeiras da tribuna. Depois, o auxilia no movimento para sentar-se, segurando-o firmemente pelo braço. Outro guarda-costas fica logo atrás, com uma daquelas maletas que, abertas em caso de necessidade, viram rapidamente um escudo capaz de deter até tiros.

Durante os dois tempos, enquanto esteve sentado assistindo à partida, Bolsonaro praticamente não sorriu, à exceção de uma ou duas situações ultrarrápidas, e pouco conversou.

Passou a maior parte do tempo de cara amarrada, com a mão comprimindo o queixo, enchendo as bochechas de ar, pressionando os lábios, franzindo a testa, tirando e colocando os óculos de volta no rosto, repetidamente. Distraído, nem percebeu quando o hino começou a ser executado. Teve que ser lembrado de que era hora de ficar de pé.

Dentro da jaqueta bege com zíper fechado até o pescoço, e rechonchuda graças ao generoso colete à prova de balas que tentava esconder sem sucesso, ele só sorriu nos momentos em que incorporou o candidato e interagiu com simpatizantes, na área reservada, e quando foi ao parapeito da tribuna saudar os torcedores da arquibancada que o chamavam de “Mito” – gritos que, pouco antes do início do jogo, acabaram sufocados por uma estrondosa vaia.

Na arquibancada logo abaixo da tribuna, parecia haver uma concentração razoável de eleitores pró-Bolsonaro. “Eu te amo”, gritava um deles, ao lado da mulher. Um torcedor, de casaco azul, faz o L de Lula com os dedos. Bolsonaro vê. Reage com cara de reprovação e, em resposta, ergue na direção do lulista o crucifixo de um terço católico que tinha à mão.

De volta à cadeira, a cara do presidente seguiu amarrada quando Michelle Bolsonaro, a primeira-dama, sentou-se bem ao lado dele – precisamente às 20h28, dois minutos antes de a partida começar. Foi como se uma estranha tivesse acabado de chegar ali. Bolsonaro coçava o nariz e conferia se as lentes dos óculos estavam limpas (assista abaixo). Michelle, de camisa do Flamengo, parecia acostumada com situações como aquela.

Coube ao ex-policial militar Jorge Oliveira, amigo do presidente, ex-ministro palaciano e agora ministro do TCU, dar o lugar para a primeira-dama. Embora tenha agora a missão de fiscalizar os gastos do governo, Oliveira era, alegremente, um dos mais privilegiados integrantes do séquito presidencial na noite do Mané Garrincha.

Ali nas cadeiras, Bolsonaro seguia impassível à chegada de Michelle. E ambos seguiriam do mesmo jeito, parecendo estranhos, não fosse ela puxar assunto tempos depois, ao pé do ouvido, e abraçá-lo duas ou três vezes, sem que ele esboçasse alguma reação significativa.

A primeira-dama estava à vontade. Brincava, conversava com as pessoas em volta, reagia aos lances do jogo, abria sorrisos largos. Bolsonaro era o oposto. Ok, ele é palmeirense, mas os quatro gols do Flamengo não alteraram sua expressão de jeito nenhum — nem positiva nem negativamente.

Um garçom passa com uma bandeja de cachorros-quentes. Pão, salsicha, molho de tomate e batata-palha. Bolsonaro pega um. Mastiga rapidamente, contrariando as recomendações dos médicos que o assistem desde a primeira cirurgia no aparelho digestivo pós-facada. Ele trava uma luta com o quitute. Depois da terceira mordida, engasga. Passa mal. Tosse, tira os óculos, cerra os olhos, fica mais vermelho que o normal. Os olhos enchem d’água em razão do incômodo. Michelle vê e se preocupa. Ele não fala nada, nem pede ajuda. Tenta se desvencilhar sozinho. Consegue. E continua comendo (veja o vídeo logo abaixo). Segue o jogo.

Chega o intervalo. Michelle sai primeiro em direção ao grande saguão situado logo atrás das cadeiras da tribuna de honra, uma pequena arquibancada privilegiada, com cadeiras mais confortáveis do que as demais do estádio. Lá atrás havia refrigerante, suco, cerveja, cachorro-quente e salgadinhos à vontade.

O telefone celular, que Michelle usava para fazer vídeos e fotos para seu perfil no Instagram, fica para trás. Ela volta. “Pega o meu celular ali, por favor, do lado do Jair”, a primeira-dama pede ao segurança sentado próximo do presidente. O guarda-costas hesita até ter certeza de que não pegaria o telefone errado – pegar o do presidente, por engano, poderia virar um problema.

Bolsonaro abre o WhatsApp. Confere mensagens trocadas com o ministro das Minas e Energia, Adolfo Sachsida. Em uma delas, enviada por ele para o ministro, vejo qual é o assunto: eleição e urna eletrônica (era o link de um texto publicado na internet, e junto aparece a foto de uma urna). Sachsida responde com um textão.

Na sequência, o presidente lê trechos de um texto que lhe foi enviado, do militante bolsonarista Rodrigo Constantino, com críticas à imprensa e ao ministro Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral. O assunto? De novo, urnas e eleições. Bolsonaro estava ali fisicamente, mas sua cabeça estava longe, no lugar de sempre – o que talvez explique o seu humor.

De repente, os homens da segurança se alvoroçam. “Tem um segurança armado atrás dele”, diz um deles. Um vai repetindo o alerta para o outro, pelo menos três vezes, até a informação chegar no guarda-costas que está bem do lado de Bolsonaro. “É o segurança do vice-presidente do Flamengo, que está aí”, emenda o primeiro. Marcos Braz, vice-presidente de futebol do Flamengo, tinha acabado de chegar. Rodolfo Landim, o presidente do clube, também.

O outro Bolsonaro, aquele que sorri, volta à cena. Vai ao saguão, tira fotos com simpatizantes, troca palavras rápidas com alguns que se aproximam e segue para uma das ilhas que servem salgadinhos.

Pega um copo de Coca-Cola e outro cachorro-quente (desta vez, sem sobressaltos). Mastigando, engata um papo com as duas funcionárias do buffet. “Vamos ganhar isso aí, hein, pelo amor de Deus”, diz uma delas, Suene Araújo. Suene comenta que a mãe, moradora de Samambaia, cidade-satélite de Brasília, não iria acreditar quando ela contasse que esteve tão perto do presidente.

O Bolsonaro paralelo, o candidato, aquele que ri, tem uma ideia. Manda Suene fazer uma chamada de vídeo para a mãe. E passa um trote. “Achei um telefone aqui. A senhora sabe de quem é?”, pergunta o presidente. “Eu achei o telefone dela. É tua filha?”, segue ele. Não deu muito certo, aparentemente. Do outro lado, a senhora demonstra não estar entendendo nada. Bolsonaro vira a câmera para Suene. “Mãe, você não tá vendo quem é, não?”, pergunta a moça.

Os seguranças avisam que o segundo tempo está começando. Bolsonaro volta para a cadeira. E reassume sua versão acabrunhada, ao lado de Michelle. Come dois ou três salgadinhos. Ele sente frio. Enfia metade da cabeça dentro da jaqueta. Parece, de novo, bastante desconfortável.

Um convidado, jovem, tira fotos. Uma guarda-costas, de pé bem atrás, encasqueta. Acha que ele estava fazendo algum sinal indevido com a mão (arma, talvez?) na direção do presidente. “Eu sei o que você está fazendo”, diz. O rapaz nega. Mesmo assim, com cara de poucos amigos, a agente exige que ele apague a foto.

Bem ao lado, um menino espera na expectativa de conseguir se aproximar para uma foto com Bolsonaro e Michelle. Os seguranças não deixam. Ele já tinha pedido antes, mas não deu certo. O menino não desiste, porém. Fica lá, em pé, esperando. E insistindo.

Faltando menos de três minutos para o apito final, Bolsonaro faz um gesto para o segurança sentado ao seu lado direito, um dos chefes da equipe. Hora de ir embora.

O menino segue por perto, esperando a foto, até que tem a oportunidade de fazer o pedido diretamente ao presidente. Bolsonaro o ignora. Tem pressa. Num estalo, ele sai a passos largos, como quem estivesse atrasado ou diante de alguma necessidade urgente. Michelle corre atrás, para alcançá-lo.

O circo, de repente, se desfaz. Quem sabe na próxima eu consiga ver o meu Flamengo.

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