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A adesão de Lula ao eixo Pequim-Moscou é ideológica, não pragmática

Não se trata de “equilibrar a geopolítica mundial” ou de “mudar a governança mundial” . Trata-se de substituir democracia por tirania

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Lula e Xi Jinping de mãos estendidas na China - metrópoles
1 de 1 Lula e Xi Jinping de mãos estendidas na China - metrópoles - Foto: Divulgação/PR

Alguns jornalistas brasileiros, ao comentar a visita de Lula à China, mostram que não entendem nada do que ocorre no mundo. Estamos vivendo o prenúncio do que pode ser a Terceira Guerra Mundial, enquanto eles culpam os Estados Unidos pelo que está ocorrendo e festejam o que seria o pragmatismo do presidente da República.

Os americanos cometeram e cometem barbaridades, mas a sua democracia revela, pune culpados e regenera-se continuamente. Chineses e russos cometeram e cometem barbaridades, mas os seus regimes autoritários, que fazem terra arrasada dos direitos humanos, escondem, punem inocentes e endurecem-se. Esta é toda a diferença: o mundo sob hegemonia dos Estados Unidos não é paraíso, mas purgatório; o mundo sob hegemonia da China e da Rússia seria inferno.

Leio nos nossos jornais que os Estados Unidos erram ao tratar a Rússia como inimiga e a China como adversária, sob a velha lógica da Guerra Fria. Risível. É exatamente o contrário: é a Rússia que revive a lógica da Guerra Fria, porque Vladimir Putin nutre ódio irracional pelo Ocidente e quer ressuscitar o império soviético. Ele diz isso, não o Departamento de Estado americano. Ele faz isso, não Washington.

A Rússia ocupou a Crimeia, em 2014, e pretendeu apagar a Ucrânia do mapa, invadindo o vizinho em 2022, a fim de anexá-lo, em aberto desprezo a todas as leis do direito internacional. O seu exército massacra civis, sequestra crianças e arrasa cidades inteiras. É para conter os russos que os Estados Unidos ajudam os ucranianos, não para destruir a Rússia.

Vladimir Putin atacou a Ucrânia a pretexto de defender a minoria ucraniana de língua russa de “neonazistas” e porque, segundo alegou, o país poderia entrar para a Otan, uma aliança militar que ameaçaria a Rússia. De novo, é exatamente o contrário: quem utiliza neonazistas — os que integram o grupo paramilitar da Wagner —, para atacar a Ucrânia, é Moscou. E a minoria de língua russa vem fazendo questão de usar o ucraniano como língua do dia-a-dia, horrorizada que está com Vladimir Putin.

A Ucrânia queria entrar na Otan, antes de ser invadida, mas a aliança militar ocidental rechaçava a ideia, justamente para evitar um conflito com a Rússia e pelo fato de o seu estatuto impedir a aceitação de um país que esteja em guerra com outro, caso da Ucrânia, que teve a Crimeia ocupada e, desde então, mesmo antes da invasão de 2022, lutava contra russos no leste do país.

A Otan não foi criada para provocar a Rússia, mas para defender-se dela. Depois da agressão à Ucrânia, as até então neutras Finlândia e Suécia, por medo de Vladimir Putin, aderiram à aliança militar, e a própria Ucrânia poderá vir a ser aceita, uma vez terminado o conflito. Ou seja, o ditador russo conseguiu fazer com que a Otan se fortalecesse com novos integrantes e também entre os antigos, muitos do quais nutriam a ilusão de que a Rússia não representava mais grande ameaça e que a aliança militar estava destinada a se dissolver.

Sob Xi Jinping, a China já não se contenta mais em ser superpotência econômica. Quer ser superpotência militar. Está se armando rapidamente. O seu arsenal já conta com mais de 400 ogivas nucleares e o Pentágono estima que, se o ritmo de expansão continuar, Pequim deverá contar com 700 ogivas em 2027, 1.000 em 2030 e 1.500 em 2035. Hoje, os Estados Unidos têm 5.428 e a Rússia, 5.977. Ou seja, dentro em breve, dois regimes autoritários e imperialistas à moda antiga, que não veem problema em tomar à força territórios alheios, terão mais ogivas nucleares somadas do que as democracias americana, britânica e francesa juntas.

A China prepara-se para tomar Taiwan. Quando Richard Nixon retomou o diálogo com Pequim, em 1972, por meio da “diplomacia do ping-pong”, a condição era que a China buscasse absorver Taiwan pacificamente, mantendo a democracia na ilha. Foi nesses termos que o Reino Unido devolveu Hong Kong a Pequim, em 1997. Mas os chineses esmagaram o regime democrático em Hong Kong e, agora, querem ocupar Taiwan ou impor um bloqueio marítimo à ilha, para estrangular a sua economia, como se isso não fosse ato de guerra. Nesse contexto, o fato de Lula ter reiterado, em documento assinado na sua visita, o reconhecimento de que existe uma só China, da qual Taiwan é parte inseparável, serve como chancela brasileira para Pequim ir adiante nos seus planos.

O multilateralismo que chineses e russos vendem em contraposição aos Estados Unidos e ao Ocidente é uma falácia que está sendo comprada pelo presidente da República e pelo PT, em nome do Brasil. Não se trata apenas de substituir o dólar como moeda de troca internacional, algo muito conveniente também para driblar sanções econômicas como as impostas à Rússia. Trata-se de substituir democracia por tirania. Não se trata de “equilibrar a geopolítica mundial” ou “mudar a governança mundial”  juntamente com a China  — e a Rússia —, mas de criar um desequilíbrio global em favor de ditaduras.

A paz que Pequim e Lula dizem querer na Ucrânia é a dos cemitérios, com a rendição de Kiev e a subalternidade completa da Ucrânia a Moscou. O tal plano chinês de pacificação na Europa  é uma farsa que acaba de ser inteiramente desmontada com a informação, roubada da inteligência americana e vazada em chats na internet, de que a China enviaria disfarçadamente armas à Rússia.

O Brasil tem nos chineses os seus maiores parceiros comerciais e as oportunidades no país asiático são crescentes, mas há valores que não deveriam ser objeto de intercâmbio. Nem precisariam. A adesão de Lula e do PT ao eixo Pequim-Moscou é voluntária, ideológica, da matriz esquerdista antiamericana, não movida por pragmatismos, já que os Estados Unidos, ora bolas, estariam nos deixando de mãos abanando e ainda nos veriam como quintal.

A opção petista é, no plano regional, pela formação de blocos com regimes autoritários antiamericanos, como Cuba e Venezuela. No global, é pela recusa em pertencer ao clube das nações ricas, como a OCDE, porque demandaria o cumprimento de metas opostas às do seu programa partidário populista e anacrônico. Natural, portanto, o alinhamento político a China e Rússia, que se opõem à hegemonia americana. Se há alguma circunstância nesse movimento atual de Lula e do PT, é a raiva contra Washington por causa do apoio à Lava Jato.

Na semana que vem, depois do espetáculo de capachismo em Pequim, o chanceler brasileiro Mauro Vieira e o próprio Lula receberão o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, para discutir “a paz” na Ucrânia, em sequência à conversa secreta entre Celso Amorim e Vladimir Putin. Lavrov é um cínico como Molotov, o chanceler de Josef Stálin, e tornou-se pária no meio diplomático ocidental, com as suas mentiras e dissimulações. A sua vinda a Brasília só serve para fins de propaganda a Moscou. Alguns jornalistas brasileiros não entendem nada do que ocorre no mundo. Nem no Brasil.

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