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Dinheiro Sujo: ex-secretários de Saúde contrataram lavanderia por R$ 2,4 mi

Em contratos sequenciais e sem licitação, a NJ Lavanderia teria recebido R$ 38 milhões entre 2011 e 2014, segundo apura o MPDFT

atualizado

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Fotos: Valter Campanato/ABr
rafael barbosa, elias miziara
1 de 1 rafael barbosa, elias miziara - Foto: Fotos: Valter Campanato/ABr

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) indica que os ex-secretários de Saúde Rafael Barbosa e Elias Miziara, ambos na gestão do ex-governador Agnelo Queiroz (PT), teriam trabalhado para autorizar a contratação de uma lavanderia, sem processo de licitação, por R$ 2,4 milhões. Esse é apenas um recorte da Operação Dinheiro Sujo, deflagrada na manhã de sexta-feira (4/6) pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco)

Os promotores apuram fraudes na contratação de lavanderias, ocorrida em 2014, durante a gestão de Agnelo Queiroz (PT). A execução do contrato chegou até a gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB), que não é alvo dessa investigação.

De acordo com o MP, os então secretários integrariam o esquema de possível direcionamento de contratos coordenado por Daniel Veras de Melo, ex-chefe da Gerência de Hotelaria da pasta. Numa das ações investigadas, a empresa NJ Lavanderia Industrial e Hospitalar (LTDA), de propriedade de Nabil Dahdah, foi contratada por R$ 2,4 milhões e a autorização ocorreu enquanto o orçamento não era suficiente para quitar o montante.

Documentos apontam uma gestão interna para remanejamentos de recursos e uma possível contrapartida da contratada para Daniel Veras, que teria recebido repasses de R$ 4,9 mil e R$ 4,85 mil da lavanderia em menos de 24 horas. A quebra de sigilo também revelou que o servidor e o dono da empresa mantiveram 538 diálogos no período investigado, entre 2011 e 2014.

Conforme argumentou o MPDFT para a 1ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), as sucessivas contratações emergenciais, com severos indícios de direcionamento, renderam R$ 38 milhões para a NJ Lavanderia. O possível esquema ocorreu e permaneceu ao longo das gestões dos dois responsáveis pela pasta.

O Gaeco informou que o objetivo da operação autorizada pela juíza Ana Cláudia Loiola Mendes é colher provas sobre irregularidades como essa na área da Saúde. No total, foram 13 os alvos da operação, entre empresários, empresas e ex-servidores. Além dos mandados de buscas e apreensão, a Justiça determinou o bloqueio de R$ 54 milhões dos envolvidos. Foram cumpridos 22 mandados de busca e apreensão no Distrito Federal e em quatro estados: São Paulo, Maranhão, Paraná e Santa Catarina.

Veja imagens da operação:

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Durante as buscas, os promotores apreenderam uma arma na casa de um agente aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), também investigado.

Alvos da operação:

Rafael Barbosa: ex-secretário da Saúde do DF;
José de Moraes Falcão: ex-subsecretário da Subsecretaria de Administração Geral (SUAG) da SES-DF;
Elias Fernando Miziara: ex-secretário adjunto de Saúde e ex-secretário de Saúde do DF;
Daniel Veras: ex-chefe da Gerência de Hotelaria da SES-DF;
Silene Marques Furtado: chefe do Núcleo de Lavanderia;
Francisco Chagas da Silva: ex-diretor administrativo da Coordenação Geral de Saúde de Santa Maria (HRSM);
Suellen Silva de Amorim: ex-diretora da Diretoria de Análise, Prospecção e Aquisições (Dapa) da Suag da SES-DF;
Túlio Roriz Fernandes: ex-subsecretário de Administração Geral da SES-DF;
Hérica Ferreira dos Santos: gerente da Gerência de Análise, Prospecção e Aquisições da Suag da SES-DF;
Guilherme Francisco Guimarães: ex-diretor da Dapa da Suag da SES-DF;
Nabil Dahdah: dono da NJ Lavanderia;
Ricardo Castellar: dono da Lavebrás;
João Paulo Teo: dono da Acqua Premium.

“Situação de calamidade”

Os mandados foram deferidos pela Justiça Criminal de Brasília e decorrem de investigação do Gaeco que investiga irregularidades em contratações emergenciais de empresas de lavanderia a partir de procedimentos administrativos licitatórios da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES/DF).

As apurações revelaram que, a despeito da existência de procedimento de contratação regular de lavanderia hospitalar em andamento, os integrantes do grupo criminoso forjaram situação de calamidade para justificar a dispensa do procedimento licitatório e direcionar a contratação de empresas integrantes do grupo.

Ajuizada em 2014, durante o governo Agnelo Queiroz (PT), uma ação do Tribunal de Contas do DF apurou indícios de irregularidades em contratos de lavanderia para o Hospital de Base do DF (HBDF) e para os hospitais regionais do Gama (HRG), de Santa Maria (HRSM) e de Sobradinho (HRS). O processo foi fruto de uma representação do partido Democratas, que questionou a dispensa de licitação 104/14, publicada em março daquele ano e que dizia respeito ao HBDF, HRG e HRS.

No documento, o partido afirma que o processo tinha diversas irregularidades e que a “citada emergência era inexistente”. “As lavanderias estão funcionando perfeitamente”; “[…] não há no processo […] documentação probatória de que o maquinário esteja depreciado. Ademais, as alegações de que a mão de obra estaria deficitária e inabilitada […] além de inverídica não encontra embasamento na legislação em vigor”, ressalta a representação.

Durante o trâmite, no entanto, outras dispensas de licitação sobre o mesmo tópico também passaram a ser questionadas na Corte. Em parecer anexado ao processo, o Ministério Público de Contas do DF (MPC-DF) apontou que os contratos apresentavam diversos problemas.

De acordo com o MPC-DF, houve problemas nas estimativas de preço e na definição dos objetos da contratação. Ainda segundo o Ministério Público, há indícios “pungentes” de direcionamento da licitação para a empresa NJ Lavanderia Industrial e Hospitalar Ltda., responsável pela prestação do serviço nos quatro hospitais. Em 2015, a empresa recebeu R$ 7.768.573,63 dos cofres públicos e, em 2016, R$ 11.298.663,06.

No documento, a procuradora Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira reclama da demora do GDF em licitar os serviços à época: “Parece claro, portanto, que, sem determinação, a SES não irá licitar. Por qual motivo a SES encontra recursos públicos e arma-se de agilidade para contratar emergencialmente em vez de realizar o certame?”, questionou.

A qualidade dos serviços prestados também é colocada em xeque: “A situação é agravada, como se não bastassem as irregularidades indicadas, pela má qualidade dos serviços prestados, inclusive com denúncias de mistura de roupas sujas e lavadas e utilização do mesmo caminhão para transporte das mesmas”, diz o parecer.

O TCDF chegou a pedir esclarecimentos os ex-gestores do GDF responsáveis pelos primeiros contratos assinados: o ex-secretário de Saúde, Rafael Barbosa; o ex-secretário adjunto da pasta, Elias Fernando Miziara; e o então gerente de hotelaria da SES-DF, Daniel Veras de Melo. Também foram requisitadas explicações da NJ Lavanderia Industrial e Hospitalar Ltda e do responsável pela empresa, Nabil Nazih Dahdah.

Além da ação no TCDF, as práticas de dispensa de licitação também levaram ao bloqueio de bens de Elias Miziara, Daniel de Melo e da NJ Lavanderia Industrial e Hospitalar. A decisão, proferida em 2015, foi fruto de uma ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT).

Em parecer do TCDF assinado em 2 de dezembro de 2020, a análise da comissão tomadora de contas verificou que foram registrados preços que variam de R$ 4,05 a R$ 6,99 nos serviços de lavanderia para os diferentes hospitais da cidade (Hospital do Gama, Hospital de Sobradinho, Hospital de Santa Maria e Hospital de Base do Distrito Federal), em contratações realizadas em diferentes períodos e diferentes processos nos anos de 2015 e 2016.

“Constatamos grande variação de preços nos serviços de lavanderia hospitalar em diversas praças, não somente em razão do local em que o serviço é oferecido, mas também das grandes quantidades processadas, que podem gerar ganhos de escala, e dos requisitos que são colocados no edital elaborado por cada ente público interessado, dificultando a comparação de preços em contratações diversas.”

O outro lado

Em nota, a Secretaria de Saúde informou que “sempre colabora com os órgãos de controle no fornecimento de informações e esclarecimentos solicitados, obedecendo aos prazos estabelecidos, com transparência e correção”.

Munhoz & Mendes Advogados Associados, que faz a defesa de Rafael Barbosa, esclareceu que não teve acesso aos autos. “Em momento oportuno, esclareceremos todos os fatos já vinculados pela imprensa e assegurará ao cliente o direito à ampla defesa e ao contraditório”, disseram os advogados.

A defesa destacou que “estranhou” medidas cautelares impostas porque Barbosa não foi denunciado pelo MPDFT na ação civil pública para apuração de suposto ato de improbidade administrativa. “Não há efetividade na medida de busca e apreensão realizada oito anos após os supostos ilícitos, em especial quando o mesmo juízo já deferiu, em outras quatro oportunidades, busca e apreensão em processos distintos, de forma a demonstrar a desarrazoabilidade da adoção de tal medida”, afirmou a defesa do ex-secretário.

Em nota, o ex-secretário adjunto Elias Fernando Miziara argumentou que, no caso da contratação de serviços de lavanderia, “o Ministério Público estaria apenas a repetir ações sobre um mesmo assunto. Afinal, nos autos do Processo nº 0010583-96.2015.8.07.0018, o próprio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), por um de seus juízes, já proferiu sentença julgando improcedentes os pedidos formulados pelo Ministério Público, refutando, assim, as suas alegações.”

Além disso, a defesa acrescentou que “naquela ação judicial, Miziara já prestou os seus esclarecimentos e a própria decisão judicial mostrou que não tem absolutamente nenhuma responsabilidade pelo que o Ministério Público pretende lhe imputar, muito menos qualquer tipo de relacionamento ilícito com quem quer que seja. São muitos anos de serviços prestados como médico à comunidade do Distrito Federal, com muita dedicação e transparência na sua atuação funcional, razão pela qual espera e confia, com muita tranquilidade, que, no momento oportuno, quando inclusive tiver acesso aos autos, prestará, mais uma vez, os esclarecimentos necessários e a Justiça, também novamente, decidirá com isenção e imparcialidade, confirmando que, em relação a Miziara, simplesmente não procede nenhuma das alegações do Ministério Público.”

Em nota, o ex-secretário adjunto Elias Fernando Miziara argumentou que, no caso da contratação de serviços de lavanderia, “o Ministério Público estaria apenas a repetir ações sobre um mesmo assunto. Afinal, nos autos do Processo nº 0010583-96.2015.8.07.0018, o próprio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), por um de seus juízes, já proferiu sentença julgando improcedentes os pedidos formulados pelo Ministério Público, refutando, assim, as suas alegações.”

Além disso, a defesa acrescentou que, “naquela ação judicial, Miziara já prestou os seus esclarecimentos e a própria decisão judicial mostrou que não tem absolutamente nenhuma responsabilidade pelo que o Ministério Público pretende lhe imputar, muito menos qualquer tipo de relacionamento ilícito com quem quer que seja. São muitos anos de serviços prestados como médico à comunidade do Distrito Federal, com muita dedicação e transparência na sua atuação funcional, razão pela qual espera e confia, com muita tranquilidade, que, no momento oportuno, quando inclusive tiver acesso aos autos, prestará, mais uma vez, os esclarecimentos necessários e a Justiça, também novamente, decidirá com isenção e imparcialidade, confirmando que, em relação a Miziara, simplesmente não procede nenhuma das alegações do Ministério Público.”

O Gaeco contou com o apoio dos seguintes órgãos:

– Centro de Produção, Análise, Difusão e Segurança da Informação do MPDFT;
– Secretaria de Segurança Institucional (SSI/MPDFT);
– Polícia Civil do Distrito Federal (Decor/DF);
– Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Paraná;
– Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Maranhão;
– Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado de Santa Catarina;
– Polícia Civil de SP.

*Ao contrário do informado inicialmente, a gestão de Rollemberg não é alvo da Operação Dinheiro Sujo..

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