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#BlackLivesMatter: publicações de moda se desculpam por atitudes racistas

Após ex-funcionários irem a público denunciar situações preconceituosas, veículos de comunicação se comprometem com futuro mais inclusivo

atualizado

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Brian Ach/WireImage via Getty Images
Anna Wintour e Andre Leon Talley
1 de 1 Anna Wintour e Andre Leon Talley - Foto: Brian Ach/WireImage via Getty Images

Desde o assassinato do ex-segurança George Floyd, nos Estados Unidos, o racismo estrutural enraizado na indústria têxtil voltou a ser debatido nas redes sociais. Após as publicações do setor apoiarem o movimento #BlackLivesMatter, por meio de postagens no Instagram, profissionais pretos e desrespeitados ou inferiorizados em algumas destas empresas foram a público criticar o que chamaram de cinismo dos veículos. Como resposta, revistas e sites populares, como Vogue, Harper’s Bazaar, Paper, Refinary29, In Style e People, anunciaram medidas para promover a inclusão e combater a discriminação nos bastidores da moda. Seriam essas ações o suficiente?

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O retorno do movimento #BlackLivesMatters às mídias ampliou as discussões em torno do racismo no ambiente de trabalho. A indústria da moda, uma das que mais fomenta a segregação, não poderia passar ilesa pela revolução social que já impacta todos os setores da economia.

Depois que vários sites e revistas endossaram o #BlackoutTuesday, ação dedicada a promover a luta pelos direitos da população negra, não demorou muito até os veículos de comunicação que atuam no segmento terem suas condutas problemáticas expostas nas redes sociais.

"Exposed" de Gloria Coelho e Reinaldo Lourenço no perfil Moda Racista
Nos últimos dias, o mundo da moda tem sido alvo de críticas devido ao #BlackLivesMatter. O perfil Moda Racista, por exemplo, tem compartilhado vários relatos de racismo nos bastidores da indústria, muitos deles envolvendo os estilistas Reinaldo Lourenço e Gloria Coelho

 

Jason Bolden
Stylists de renome, como o norte-americano Jason Bolden, denunciaram algumas grifes de luxo, afirmando que as mesmas se negam a vestir celebridades negras

 

Vogue

Desde o início de junho, a Vogue é criticada massivamente pela falta de diversidade em seus escritórios e conteúdos. Até mesmo um desafio foi criado nas redes sociais para pedir por mais profissionais pretos na capa da revista. Depois que dois editores do grupo Condé Nast, detetor da publicação, perderam seus empregos devido à insensibilidade racial, ex-funcionários do conglomerado definiram o ambiente de suas filiadas como discriminatório.

“Meu tempo na Vogue, na Condé Nast, foi o momento mais desafiador e miserável da minha carreira. Foi muito cansativo encarar a intimidação, ingratidão, salário terrível e racismo”, escreveu Shelby Ivey Christie, ex-funcionária do periódico de moda.

A Vogue norte-americana, que teve sua primeira capa fotografada por um negro apenas em 2018, é alvo de acusações

 

Shelby Ivey Christie
Shelby Ivey Christie sobre sua experiência na revista: “Momento mais desafiador e miserável da minha carreira”

 

Por conta dos depoimentos, surgiram especulações de que Anna Wintour, editora-chefe da revista e consultora de conteúdo global do conglomerado, poderia perder suas funções no grupo, todavia, um dos executivos da editora convocou uma reunião para esclarecer que ela permanecerá nos cargos que ocupa.

“Existem poucas pessoas no mundo que podem influenciar mudanças culturais. A razão pela qual ela está aqui é porque ela pode ajudar a influenciar a mudança que precisamos fazer, e eu sei que ela está comprometida com isso”, garantiu Roger Lynch, CEO da Condé Nast.

A diretora, por sua vez, tentou amenizar a situação ao admitir que não fez o suficiente para promover os colaboradores pretos da revista. Em um memorando divulgado no início deste mês, Wintour pediu desculpas aos funcionários por “publicar imagens e matérias que foram prejudiciais ou intolerantes”, admitindo que conta com poucos funcionários negros.

“Quero dizer, claramente, que eu sei. A Vogue não encontrou maneiras suficientes de elevar e dar espaço a editores, escritores, fotógrafos, designers e outros criadores de conteúdo negros. Eu assumo total responsabilidade por esses erros”, diz um trecho do comunicado.

Anna Wintour em desfile
Especula-se que a falta de inclusão possa ameaçar a posição de Anna Wintour na Vogue

 

Anna Wintour
Todavia, os executivos do Condé Nast, grupo que detém a revista, assegurou que ela permanecerá nos cargos de editora-chefe, diretora artística e consultora de conteúdo global

 

A toda-poderosa pediu desculpas, mas isso não deve ser o suficiente para mantê-la na liderança por muito tempo

 

André Leon Talley, ex-escudeiro de Anna, que em sua biografia definiu a toda-poderosa como “um ser humano incapaz de ser bondoso”, revelando que ela teria o demitido por estar “muito velho, gordo e sem graça”, rebateu o texto em um podcast.

“A declaração extrapolou o privilégio branco. Anna Wintour é uma colonizadora. Ela é britânica, faz parte deste ambiente. Acho que ela nunca deixará nada atrapalhar seu privilégio branco”, comentou ele.

Enquanto o conselho de administração da Condé Nast prefere deixar a editora-chefe da Vogue América em sua posição de liderança, a edição britânica da revista colhe os louros por ter nomeado Edward Enninful como diretor. Em seu mais recente exemplar, a publicação foi muito elogiada por uma série de retratos das mulheres que atuam na linha de frente ao combate da Covid-19.

“A moda vem e vai. As publicações do setor estavam em apuros antes de tudo isso. Anna será lavada nesse dilúvio? Provavelmente”, disse um ex-editor da Vogue, que não quis se identificar, ao jornal The Guardian.

Antes mesmo de enfrentar críticas, a concorrente Harper’s Bazaar US se adiantou ao nomear Samira Nasr como a primeira editora-chefe negra da revista. A notícia foi recebida com euforia pela comunidade. “Como filha orgulhosa de um pai libanês e mãe de Trinidad e Tobago, minha visão de mundo é ampla e está ancorada na crença de que a representação é importante”, disse, ao assumir o periódico.

Anna Wintour e Andre Leon Talley
Andre Leon Talley foi, por muitos anos, o braço direito de Anna Wintour

 

Edward Enninful
Edward Enninful, editor-chefe da Vogue britânica, tem feito um bom trabalho à frente da revista

 

Capa Vogue UK
Capa da última edição, focada nas profissionais que atuam no combate ao coronavírus

 

Samira Nasr
Samira Nasr é a primeira editora-chefe negra da Harper’s Bazaar US

 

Refinary29

No Twitter, o site Refinary29, propriedade da Vice Media, foi acusado de não pagar salários justos ao funcionários negros e latinos, negligenciar as micro-agressões sofridas por estes colaboradores e não promovê-los, ainda que se destacassem em suas funções.

Nneka Okoli foi uma das profissionais que denunciaram a intolerância do veículo. Ela afirmou que, durante o tempo que atuou na equipe de jornalistas da página, recebia US$ 20 mil a menos que os funcionários brancos com o mesmo cargo.

“Comecei ganhando US$ 35 mil por ano. Mais tarde, quando eu soube que meu colega branco recebia US$ 55 mil e tínhamos o mesmo título, pedi uma promoção. Eles me colocaram em período probatório de seis meses e, mesmo tendo cumprido todos os objetivos, não recebi nenhum aumento salarial”, comentou a ex-colaboradora.

A jornalista Ashley C. Ford também relatou como é difícil trabalhar na companhia quando se é negra. “Trabalhei na Refinery29 por menos de nove meses, devido à cultura tóxica da empresa, na qual os egos das mulheres brancas governavam processos editoriais quase inexistentes. Um dos fundadores sempre me confundiu como uma recepcionista e a disparidade salarial era atroz”, afirmou ela no Twitter.

Publicação Refinary29
Uma das diversas publicações a respeito do #BlackLivesMatter feitas pelo Refinary29

 

Publicação Refinary29
Veículo do grupo Vice usou palavras de ordem para criticar posturas racistas, mas…

 

Publicação Refinary29
… A atitude soou hipócrita após diversos relatos envolvendo a publicação

 

Após dezenas de acusações semelhantes, Christene Barberich, cofundadora e editora-chefe de longa data do Refinery29, anunciou que deixaria suas funções no veículo. “Estarei me afastando para ajudar a diversificar nossa liderança editorial e garantir que esta marca, bem como as pessoas que ela toca, possam desencadear um novo capítulo. É hora de uma nova geração, que realmente reflete a diversidade de nosso público, liderar”, declarou Barberich.

Em seguida, o site de notícias de moda defendeu que este seria apenas o primeiro passo. “Gostaríamos de reconhecer os tópicos levantados por nossos ex-funcionários sobre sua a experiência de trabalho que tiveram no Refinary29, como mulheres negras e de cor. Somos, e sempre fomos, uma marca que procura elevar vozes sub-representadas. Reconhecemos que o compromisso começa dentro de nossas próprias paredes”, concluiu a empresa. Em resposta a uma das vítimas, a direção do Refinery29 acrescentou que pediu à administração “ação imediata”.

Christene Barberich
Christene Barberich, a agora ex-editora-chefe do Refinary29

 

Publicação Refinary29
O site garantiu esta é apenas uma de várias ações

 

Publicação Refinary29
Nas postagens do veículo de comunicação, já é possível ver certa evolução

 

Grupo Meredith

Depois que o grupo Meredith, dono de títulos como In Style, People e Entertainment Weekly, fez postagens de apoio ao #BlackLivesMatter no Instagram, Bradford Bridgers, um ex-gerente de comunicações do conglomerado, rebateu as mensagens.

“De um lado, a declaração da @MeredithCorp contra a desigualdade, do outro, o e-mail que enviei ao RH no ano passado, quando meu chefe deixou escapar que eu ganhava menos do que meus colegas brancos, depois de um ano tentando uma promoção”, dizia um tuíte.

A empresa se negou a discutir o caso, mas um representante da Meredith relatou ao Business of Fashion que a companhia implementou novas medidas, contratando um diretor de diversidade e inclusão. “Organizamos uma sessão de escuta para que possamos entender melhor as experiências dos funcionários negros. Assim, poderemos entender que tipo de ações precisamos tomar, a curto e longo prazo, para criar um local de trabalho mais favorável”, adiantou o grupo em nota.

Comunicado Meredith Corporation
O grupo Meredith Corporation foi rebatido por um funcionário após se posicionar contra o racismo, a injustiça e a desigualdade

 

Capa In Style
Conglomerado é dono da revista de moda In Style

 

Bradford Bridgers
Bradford Bridgers foi o colaborador que rechaçou o Meredith

 

Paper

O editor de cultura da revista Paper, Michael Love Michael, renunciou ao cargo que ocupava elencando “racismo sistêmico e maus-tratos” como os principais motivos. “Vocês estão perdendo seu único repórter/editor negro, depois de dois anos e meio de trabalho duro, dedicação, paixão e soluções para uma montanha de problemas sistêmicos que existem dentro desta empresa. Por quase um ano, me senti tudo, menos insubstituível. Acredito que deve ser uma lição e um alerta”, escreveu Michael em e-mail compartilhado no Twitter.

Dois dias depois, Tom Florio, presidente-executivo da revista, pediu desculpas na rede social. “Devo isso a eles e a todos vocês, para garantir que todos os membros de nossa equipe sejam valorizados e apreciados, não apenas com palavras, mas com ações. Atualmente, estou trabalhando nisso em colaboração com a equipe”, respondeu o representante.

Conhecida por ser uma publicação diversificada, a Paper não escapou das denúncias de racismo

 

Michael Love Michael
Michael Love Michael, editor de cultura da revista, pediu demissão em protesto contra o “racismo sistêmico e maus-tratos”

 

Tom Florio
Tom Florio se desculpou em nome da empresa

 

Como foi apontado por Edward Enninful, editor-chefe da Vogue britânica, a indústria têxtil ainda é muito relutante na hora de contratar profissionais negros. “Eu chego a implorar para que marcas da moda, publicações e varejistas contratem pessoas diversas, porque acredito que essa é a única maneira de fazermos uma real mudança. Precisamos de pessoas negras integradas aos bastidores, e não apenas em frente a câmeras. Essas pessoas precisam de oportunidade”, defendeu o jornalista.

De fato, o avanço em relação à inclusão ainda é lento. Apenas em dezembro de 2018, por exemplo, a Chanel colocou seu primeiro modelo negro na passarela, enquanto a cantora Rihanna se tornou a primeira negra a ocupar um cargo de direção criativa no grupo LVMH, no ano passado. Na imprensa, essa representatividade caminhava ainda mais devagar. Será que agora veremos revistas mais diversificadas? Esperamos que sim!

 

Colaborou Danillo Costa 

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