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A falta que a oposição faz

A escola de oposição fútil no Brasil não é de hoje. Mas agora está no auge

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Luciana Lima/Metrópoles
Entrega na Câmara do "superpedido" de impeachment contra Bolsonaro
1 de 1 Entrega na Câmara do "superpedido" de impeachment contra Bolsonaro - Foto: Luciana Lima/Metrópoles

São muitos os problemas nacionais. Sem dúvida, um dos maiores é ser o Brasil, hoje, um país sem oposição. Isso não é bom para a democracia.

É fácil constatar esse problemão. Nem é preciso ir aos extremos da cena política. Basta observar os ditos liberais – que viraram, praticamente em bando, liberaloides. Na reforma da Previdência, já apareciam as primeiras pistas desse negacionismo fanático que esfarela a verdadeira oposição. Políticos e até economistas que defendiam essa agenda há pelo menos uma década ficaram pelos cantos com cara de nojo. 

Ué? Mas não era prioridade das prioridades reformar a Previdência? 

Era, mas… Sei lá. Não tem clima. E ainda por cima com as queimadas na Amazônia e o derramamento de óleo no litoral nordestino ficou tudo meio… Sei lá. Fora a questão aí do último clipe da Anitta… Enfim, estamos confusos. Não é o momento. 

Esse foi o estado de alma dos “liberais” diante de uma reforma liberal – para a qual eles arranjaram um jeitinho de virar a cara.

Note que essa síndrome do mal-estar providencial não é um fenômeno provocado apenas pelo atual governo. Os liberaloides também deram um show de muxoxos e engulhos no governo anterior – quando a mesmíssima e crucial reforma chegou à pauta nacional. O ministro da Fazenda era Henrique Meirelles, o presidente do Banco Central era Ilan Goldfajn, enfim, a equipe encarregada tinha boas credenciais no mercado e prestígio entre eles, os supostos liberais.

Nada feito. Estavam todos enjoados, nauseados, entediados demais para levantar suas cabeças brilhantes e ver a oportunidade histórica, perante a qual deveriam assumir sua responsabilidade cívica e expor sua honestidade intelectual. Esquece. Honestidade o quê? Responsabilidade o quê? Pô, tem um Fora Temer bem gostoso dominando as manchetes e os telejornais, dando um holofote radiante a qualquer um que repetir o slogan, e a gente vai despentear nossos cabelos impecáveis com reforma? Nananinanão. Um liberaloide não arrisca o seu topete por tão pouco.

Note também que isso nem é crítica a tucanos. João Doria, por exemplo – que depois mergulharia de cabeça na síndrome do mal-estar providencial – nessa época destoou das cassandras. Assumiu sua responsabilidade e apoiou a agenda de reformas do governo de transição – porque era a agenda que o seu partido defendia, porque era executada por gente capaz e porque o país não podia se dar ao luxo de esperar (conforme alertavam dez entre dez liberais que subitamente sumiram de cena).

No PPS também houve cisão – Roberto Freire roeu a corda e Raul Jungmann permaneceu no ministério fazendo um bom trabalho e ajudando o país num momento delicado. Resumo da ópera: a escola de oposição fútil no Brasil não é de hoje. Mas agora está no auge.

É ruim para a sociedade, principalmente porque vem eleição aí e seria importante – como sempre é – a presença de um candidato de oposição forte, consequente, que representasse de fato a crítica consistente ao atual governo. Essa alternativa ainda não apareceu, porque os que seriam capazes de apresentar essa crítica honesta precisariam assinalar, também honestamente, os avanços ocorridos, por exemplo, na agenda liberal. Ou em outro setor onde identificassem avanços, como na agenda de infraestrutura. Ou qualquer outra postura que não fosse essa tentativa colegial de estigmatização irrestrita e demoníaca, na qual a sociedade adulta não acredita.

Quando um líder do governo faz pressão pública grosseira sobre a agência de vigilância sanitária não aparece uma oposição séria para repudiar e sair em defesa de uma instituição de Estado que guarnece parâmetros de saúde. A oposição fútil está muito ocupada jogando pedra em tudo que tenha a ver com o poder público federal, e a população que se vire. Não se consegue encontrar uma crítica fundamentada, por exemplo, a uma indicação do presidente ao STF se a conversa sempre começa com uma adjetivação pueril, cheia de caricaturas estéticas ornadas pela sombra do fascismo imaginário. O país se infantilizou.

Os que poderiam estar em cena agora com a crítica consistente ao governo e a proposição de novos rumos críveis estão assistindo ao protagonismo de Renan Calheiros. É uma oposição ótima para o governo e péssima para o país.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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