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“Na cara que é treta”, diz diretor da Saúde em diálogo analisado pelo MPDFT

Chefe da Diretoria de Aquisições Especiais, da Secretaria de Saúde, fez alerta sobre curto prazo para apresentação de propostas em certame

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
teste drive-thru coronavírus
1 de 1 teste drive-thru coronavírus - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Em conversa analisada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), o diretor de Aquisições Especiais, da Secretaria de Saúde do DF, Emmanuel Carneiro, faz referência a uma “treta” sobre o curto prazo para entrega de propostas em uma das dispensas de licitação investigadas na Operação Falso Negativo.

“Fica muito na cara que é treta”, opina Carneiro, durante conversa de WhatsApp com outros gestores da área, ao argumentar que era melhor estender um pouco o prazo.

Seis integrantes da cúpula da pasta foram presos, nessa terça-feira (25/8), por supostas irregularidades cometidas em aquisição de produtos e serviços destinados ao combate da Covid-19. O prejuízo estimado aos cofres públicos é de R$ 18 milhões.

A conversa entre o diretor, o subsecretário afastado de Administração Geral, Iohan Andrade Struck, e o secretário adjunto afastado de Gestão em Saúde, Eduardo Seara Machado Pojo do Rego, consta na documentação do MPDFT apresentada à Justiça como base para os pedidos de prisão preventiva.
Confira os diálogos reproduzidos pelo MPDFT:

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Eduardo Pojo foi preso e Iohan, embora tenha sido alvo de mandado de prisão, está isolado alegando suspeita do novo coronavírus. Emmanuel não estava entre os alvos da segunda fase da Operação Falso Negativo.

Na conversa pelo WhatsApp, o diretor de Aquisições Especiais disse: “Acho que o prazo das propostas tem que ser pelo menos até quarta. Se colocarmos pra segunda, fica muito na cara que é treta”. Em seguida, Pojo ri e decreta: “Terça, então!” Iohan concorda e envia um “ok”.

“Malandragem”

Segundo os investigadores, “a obviedade da malandragem arquitetada nos autos é patente”. Apesar da manifestação dos subordinados, o então secretário de Saúde, Francisco Araújo, determinou que o prazo final seria às 14h de segunda-feira.

A discussão ocorreu em torno da dispensa de licitação a fim de contratar serviços relacionados à realização de testes rápidos de Covid-19 por meio de drive-thru. A vencedora foi a Biomega Medicina Diagnóstica Ltda.

O chamamento para o certame foi publicado no dia 2 de maio, um sábado, com prazo final de apresentação das propostas fixado para dois dias depois, na segunda-feira.

De acordo com o MPDFT, “não há dúvida, portanto, que tudo foi planejado para dificultar a devida publicidade e concorrência e, assim, privilegiar a ‘empresa parceira’ Biomega”.

Mais detalhes

Sobre o contrato com a Biomega, os investigadores afirmam que “o projeto básico para tal contratação foi literalmente elaborado pela própria empresa, enviada ao então secretário de Saúde e este a repassou aos seus subordinados para adequação e contratação pela Secretaria de Saúde do DF”.

Segundo a investigação, áudios e mensagens comprovariam a atuação de Francisco Araújo.

“Também se demonstra, aqui, que o quantitativo a ser adquirido foi alterado por determinação do próprio secretário, que desejava que a empresa fornecesse 100.000 testes iniciais e não os 90.000 publicados no edital. O projeto básico foi então alterado por sua determinação, conforme mostram os áudios e mensagens constantes do procedimento investigativo e da presente medida cautelar”, disseram os responsáveis pela apuração.

“Em mensagens obtidas pelos investigadores no celular do diretor do Laboratório Central do DF (Lacen-DF), Jorge Chamon, o secretário de Saúde, Francisco Araújo, encaminhou o projeto básico para a contratação da empresa Biomega para execução de serviços de testes no formato drive-thru. O arquivo, segundo a apuração, teria sido encaminhado ao secretário pela coordenadora de licitações da própria empresa”, continuam os investigadores.

O que dizem

A Biomega informou, por meio de nota, que “não vendeu ao GDF kits de testes rápidos para detecção da Covid-19″.

“A empresa é um laboratório de análises clínicas que participou de um processo licitatório para prestação de serviços de exames laboratoriais de anticorpos para a Covid-19. O serviço incluiu montagem de tendas, disponibilização de mobiliário apropriado e alocação de recursos humanos nas áreas administrativa, técnica e de analistas especializados na leitura dos testes, que assinam os laudos”, afirmou.

Segundo a Biomega, fez parte da prestação de serviço a locação de carros e a contratação de empresa especializada para a remoção do lixo hospitalar. “O contrato firmado previa a realização de exames em 100 mil pessoas, tendo havido aditamento para a inclusão de outras 50 mil pessoas examinadas”, disse.

A Secretaria de Saúde do DF informou que “sempre esteve à disposição do Ministério Público, colaborando com as investigações e fornecendo todos os documentos necessários à devida apuração dos fatos relativos à Operação Falso Negativo, desde a sua fase inicial”.

“A SES não só disponibiliza as informações solicitadas como franquia o acesso on-line dos membros do MP a todos os processos de compras e contratos da pasta, através do Sistema Eletrônico de Informações (SEI), e vem realizando reuniões semanais com os membros desse órgão de controle para esclarecer dúvidas, acatar recomendações e aprimorar os mecanismos de transparência dos atos e ações da pasta junto à sociedade”, assinalou a pasta.

Em nota, a defesa de Francisco Araújo disse que “lamenta a forma precipitada como o caso foi tratado”. Por meio do advogado Cléber Lopes, o texto assinala que “a decisão, que reproduz os termos da representação do Ministério Público, não descreve nada que possa configurar crime”.

O advogado de Iohan, Alexandre Adjafre, disse que o cliente está em outro endereço, em isolamento. Como há suspeita de Covid-19, Iohan preferiu se mudar. A mulher do ex-subsecretário passou por um procedimento médico recentemente.

Emmanuel encaminhou à reportagem uma nota. Confira, na íntegra:

“Como dito na reportagem, atualmente estou no cargo de Diretor de Aquisições Especiais na Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, e sou servidor de carreira da Secretaria, ocupante do cargo efetivo de Farmacêutico. Preliminarmente, esclareço que a Diretoria de Aquisições Especiais (DAESP) é uma Diretoria cuja principal atuação é na instrução processual de contratações que não são feitas por Pregão Eletrônico. Assim sendo, são instruídas na DAESP, por exemplo, dispensas de licitação, inexigibilidades, chamamentos públicos e credenciamentos.

Primeiramente, cabe ressaltar que nossa atuação se dá apenas após a elaboração do projeto básico pela área demandante e do ofício de convocação das empresas pela Subsecretaria de Administração Geral, portanto, nenhuma decisão ou avaliação do mérito técnico desses documentos compete à esta diretoria e esses documentos já chegam prontos para que possamos dar publicidade a eles, que é o próximo passo.

Conforme preconiza a Portaria Nº 837, de 15 de dezembro de 2017, “o procedimento de cotação de preços será comunicado por meio de ato convocatório encaminhado por via eletrônica aos fornecedores do objeto da contratação”, sendo assim, a publicidade das dispensas de licitação é feita por e-mail, e, portanto, enviamos e-mails para todas as empresas que temos conhecimento que possam atuar no objeto que se pretende contratar com o objetivo de convocá-las para apresentar propostas. De forma complementar, também utilizamos outros meios de publicidade das dispensas de licitação, como a publicação do Aviso de Dispensa de Licitação no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) e no site da SES-DF.

Nas conversas mencionadas na reportagem, o contexto era dos meios a serem usados para dar publicidade aos processos, no qual “pombo-correio” se refere a um desses meios, e não a um “codinome”, como diz a reportagem e, pelo menos em meu entendimento, tanto naquele momento, quanto agora, se referia a endereços de e-mails encaminhados via WhatsApp. Era comum que meus chefes encaminhassem, via WhatsApp, endereços de e-mails para os quais deveríamos mandar os projetos básicos e ofícios de publicação das dispensas de licitação. Não víamos, ainda que inocentemente, dentro da DAESP, problemas relacionados a isso, uma vez que tal ato estaria ampliando a publicidade, o que deveria resultar em um maior número de propostas recebidas para o procedimento da dispensas de licitação.

Esta conversa consta de um grupo de WhatsApp chamado Prioridades, do qual eram integrantes eu, Iohan e Eduardo Pojo. No grupo, discutíamos a tramitação de inúmeros processos que foram abertos no âmbito da SES, cujo objetivo era a adoção de medidas para o enfrentamento da pandemia. Uma simples análise do grupo demonstra o quanto trabalhamos com esse objetivo. À frente da DAESP, neste momento de emergência de saúde pública que estamos passando, a demanda de trabalho aumentou assustadoramente, pois a maior parte das demandas formuladas pelas áreas técnicas é para contratação em caráter emergencial, e as dispensas de licitação passam pela diretoria, mas agi em todos os momentos com o maior zelo à vida das pessoas que dependem da tramitação célere e eficiente dos processos, no âmbito de minha competência, claro.

Venho aqui também aproveitar a oportunidade e retomar uma outra reportagem publicada pelo Metrópoles intitulada “Na cara que é treta”, diz diretor da Saúde em diálogo analisado pelo MPDFT”, na qual é colocada um diálogo do grupo Prioridades que cita a frase acima, escrita por mim, em referência ao exíguo prazo para apresentação de propostas no processo de Dispensa de Licitação para contratação de empresa para aplicação de testes rápidos para Covid-19 em sistema drive-thru. Tal prazo haveria, sim, de me causar estranheza, pois, em geral, os processos são encaminhados para a DAESP para publicação com pelo 3 dias para apresentação das propostas e, neste caso, foi diferente. Portanto, nada mais natural que emitir o alerta aos meus superiores, o que foi feito, embora em linguagem informal.

Frente ao exposto, resta claro que as citações do meu nome estão colocadas fora de contexto. Meu celular e as mensagens trocadas pelo WhatsApp estão com o MPDFT, e estou à disposição para prestação de qualquer esclarecimento.”

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