metropoles.com

Minutos após revelar detalhes de inquérito sobre Temer, Segovia culpa imprensa por vazamentos

Em entrevista ao Metrópoles, diretor-geral da PF defendeu que alvos e teor de investigações só sejam expostos após conclusão do inquérito

atualizado

Compartilhar notícia

Igo Estrela/Especial para o Metrópoles
fernando segovia, diretor-geral da polícia federal
1 de 1 fernando segovia, diretor-geral da polícia federal - Foto: Igo Estrela/Especial para o Metrópoles

Minutos depois de revelar, em entrevista à Reuters, na sexta-feira (9/2), que inquérito envolvendo o presidente Michel Temer (MDB) poderia ser arquivado por falta de provas, o diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, recebeu o Metrópoles em seu gabinete, na sede da PF. Na ocasião, fez críticas à imprensa por “vazamentos de investigações” correndo em sigilo.

Embora Fernando Segovia tivesse, momentos antes, comentado detalhes sobre o inquérito dos portos, indicando que Temer deve ser poupado, o diretor-geral da PF defendeu que a exposição de investigados e do conteúdo das apurações só ocorra depois de encerrado inquérito policial e após a Justiça decretar a quebra de sigilo. Mas, ao falar sobre um procedimento sigiloso cujo alvo é o presidente da República, o diretor da PF fez exatamente o contrário.

 

“A investigação tem uma natureza sigilosa para que não se exponha as pessoas, porque, quando se chega à notícia de determinado crime, apontam-se determinadas pessoas, e pode ser que elas não tenham cometido aquele crime ou pode ser que o fato não tenha acontecido”, disse Segovia ao Metrópoles.

O diretor-geral da PF atribuiu à imprensa a responsabilidade de expor investigados que, eventualmente, não tenham cometido crime. “Quando há um vazamento de informações e a imprensa expõe esse vazamento, ela atinge algumas pessoas e, de repente, essas pessoas até não responderam por aquele crime, porque estava em fase de investigação”, afirmou o número um da PF.

Por isso a polícia, quando chega nas conclusões a que chega – e, de repente, não a uma que a imprensa goste, ou quando alguns setores da sociedade acham que aquela conclusão não foi a mais adequada –, ela [a imprensa] vem e ataca, dizendo que a polícia está protegendo fulano de tal ou ajudando o governo tal. Não é ajudando

Fernando Segovia, diretor-geral da PF

Para reforçar seu argumento de que a mídia erra ao precipitar a divulgação de investigações em curso, Segovia citou o caso da Escola Base, de 1994. O episódio ficou conhecido como um dos mais marcantes equívocos cometidos por veículos de comunicação. Na época, a mídia deu ampla cobertura a denúncias de que os donos da instituição teriam abusado de crianças da educação infantil. A escola foi depredada e acabou fechada. Dias depois, a polícia encerrou o inquérito por falta de provas e os envolvidos foram inocentados.

Vazamentos
Segovia ainda disse, em entrevista ao Metrópoles, ter convicção de que a gestão anterior à sua (Leandro Daiello) se excedeu em vazamentos de operações da PF.

“Com certeza, os vazamentos que aconteceram nos últimos anos sempre foram prejudiciais, principalmente à própria sociedade. Quando há vazamento de informação sem conclusão do trabalho, pode haver radicalização. A população pode ser induzida a acreditar que as pessoas cometeram aqueles crimes, mas de repente nem cometeram. De repente, nem houve o crime”, afirmou.

Na entrevista à Reuters, ao revelar minúcias do teor das apurações sobre Temer e adiantar que a conclusão deve ser pelo arquivamento, Segovia deflagrou uma crise. No meio político, as declarações dele foram interpretadas como uma espécie de blindagem ao presidente da República. A indicação do delegado para o comando da Polícia Federal, em novembro do ano passado, já havia sido alvo de questionamentos, devido à suposta proximidade do policial com integrantes do MDB.

Lava Jato
O diretor da PF ainda reforçou que as investigações da Lava Jato não terminaram e, nos próximos meses, podem ocorrer operações com prisão. “Ampliamos toda as equipes de investigação. O que a gente quer é mais operação, mais apuração, e que a Justiça seja feita. Se houver necessidade de prisão, muita gente ainda vai ser presa ou muita gente vai ser investigada, tanto em Brasília como no país”, destacou.

0

Desgaste federal
A crise que atingiu o diretor-geral da Polícia Federal estourou com a publicação da entrevista concedida à Reuters, na qual o número um da corporação afirmou que a tendência da PF é recomendar o arquivamento da investigação contra o presidente Temer. Segundo a agência, Segovia revelou que, até o momento, as investigações não comprovaram pagamento de propina por parte de representantes da empresa Rodrimar, que opera áreas do Porto de Santos (SP), para a edição do decreto que prorrogava contratos de concessão e arrendamento portuários, assinado pelo emedebista em maio de 2017.

Essa é a única apuração formal contra o presidente ainda em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), requerida pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

“O que a gente vê é que o próprio decreto, em tese, não ajudou a empresa. Em tese, se houve corrupção ou ato de corrupção, não se tem notícia do benefício. O benefício não existiu. Não se fala e não se tem notícia ainda de dinheiro de corrupção, qual foi a ordem monetária, se é que houve, até agora não apareceu absolutamente nada que desse base de ter uma corrupção”, disse Segovia à Reuters.

Reação negativa
O episódio provocou grande repercussão neste sábado (10). O ministro do STF Luís Roberto Barroso intimou Segovia a explicar as declarações sobre o inquérito. Responsável pelo caso na Corte Suprema, Barroso determinou, na intimação, que, além de prestar esclarecimentos, Segovia deverá se abster de novas manifestações sobre o caso.

Ao longo do dia, o diretor-geral da PF chegou a anunciar que apresentaria esclarecimentos ao ministro na Quarta-Feira de Cinzas, mas, à noite, após telefonema a Barroso, Segovia anunciou que os dois marcaram encontro para o próximo dia 19, no STF.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) também reagiu às declarações e pode instaurar procedimento para averiguar a conduta do diretor-geral da Polícia Federal: as medidas estão em análise e, segundo delegados críticos a Segovia, a PGR pode até pedir o afastamento dele do cargo se entender que está interferindo nas investigações.

A primeira repercussão negativa das declarações do diretor-geral da PF partiu da Associação dos Delegados da Polícia Federal. Na manhã de sábado (10), Segovia enviou mensagens a colegas do Sindicato de Delegados da Polícia Federal do DF nas quais negou ter sugerido que o inquérito contra Temer será engavetado.

“Em momento algum falei que a investigação vai ser arquivada. Falei que o delegado Cleyber (que conduz as investigações) tem total independência na condução das investigações. Disse que ele está fazendo uma cabal apuração de todos os fatos. Infelizmente, dei uma opinião pessoal no final da entrevista. Se pareceu que havia uma intervenção, foi por causa do repórter, que deu a interpretação que quis ao conjunto da entrevista”, afirmou na primeira mensagem, enviada às 8h45.

Fernando Segovia anunciou a seus pares, em uma segunda mensagem, às 9h10, a publicação de nota de esclarecimento à imprensa, “na qual será reafirmada a independência da PF e que jamais houve ou haverá interveniência da DG (Diretoria-Geral) em qualquer investigação na PF”.

Mais repercussão
As declarações do diretor-geral da PF foram repudias pela Federação Nacional dos Policiais Federais, que pediu “retratatação pública” do gestor. Segovia também foi duramente criticado por entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), o sindicato e a associação dos delegados de polícia do estado de São Paulo e o sindicato dos delegados federais paulistas.

Compartilhar notícia