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Lava Jato planejava “destruir” J&F em acordo de leniência

Conversas inéditas da Lava Jato revelam que procuradores queriam “compensar” imunidade da delação dos irmãos com multa à empresa

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Diálogos inéditos que integram a Operação Spoofing, obtidos por meio de ataque hacker, revelam que procuradores da Lava Jato preocupavam-se com a impressão de “impunidade” provocada pela delação dos donos da J&F, Wesley e Joesley Batista, que foi fechada com a Procuradoria-Geral da República (PGR).

As conversas no grupo do Telegram batizado de Filhos de Januário são de maio de 2017, após a delação de um dos empresários vir a público, no dia que ficou conhecido como Joesley Day. As mensagens são em tom de crítica à reação da PGR sobre a repercussão negativa dos termos da delação. E há planejamento por parte de membros da Lava Jato para “compensar” com uma leniência mais dura, apesar desse caso assunto não ser de competência da força-tarefa no Paraná.

O acordo de leniência, fechado no dia 5 de junho de 2017, previa multa de R$ 10,3 bilhões à J&F. As tratativas eram de responsabilidade da força-tarefa da Operação Greenfield, de membros do Ministério Público Federal (MPF) no Distrito Federal, e incluíam, também, crimes investigados nas operações Sépsis, Cui Bono e Carne Fraca.

O ex-procurador da República Deltan Dallagnol orientou ao grupo, em 19 de maio de 2017, dois dias após o Joesley Day: “Seria bom ajudarmos a neutralizar isso”. “Muitos voluntários colocando duas coisas: a) Vários falando que Temer tem que falar pela economia assim como Cunha ‘tinha que ficar’ pelo impeachment, na visão deles. b) Absurdo os batistas [Joesley e Wesley] nos EUA rindo da nossa cara. Seria bom esclarecermos algo nesse sentido. Seria bom ajudarmos a neutralizar isso”, escreveu Deltan, às 20h12.

No dia seguinte, às 14h59, Deltan classifica como “péssima” a nota divulgada pela PGR sobre a delação: “Tô falando com a PGR. A nota que largaram hoje foi péssima. Precisam gravar um pronunciamento. Vídeo. [Rodrigo] Janot”. O procurador Athayde Ribeiro Costa comentou, às 15h: “Estamos perdendo a guerra da comunicação”.

Às 15h32 de 20 de maio, foi publicada a seguinte orientação, no mesmo grupo: “Agora é ir contra a empresa e destruí-la”. Nos documentos da Operação Spoofing não consta a autoria, mas a mensagem é atribuída ao ex-procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima porque esse mesmo usuário compartilhou com os colegas do grupo um post que faria no Facebook e, ao fim do texto, tinha a assinatura com o nome completo de Carlos Fernando. Outras mensagens, também sem autor, foram respondidas por outros integrantes citando “CF”, as iniciais de Carlos Fernando.

O procurador Orlando Martello Júnior pontuou, às 15h35, que “a impressão de que sairá barato para a empresa é falsa”. “Na comunicação, ainda falta falar da leniência, pois é lá que será estabelecido o início da reparação. Sem prejuízo, a empresa terá que pagar tudo o que deve, mesmo pq a leniência não dá quitação”, enfatizou.

Em seguida, às 16h02, Carlos Fernando insiste: “Temos que ir pro ataque. Nosso pessoal é muito defensivo. Não há muito o que defender sobre os acordos de colaboração, salvo dizer que a quantidade dos fatos e a importância deles, especialmente considerando a necessidade de ser fechado rapidamente o acordo por causa do sigilo, foram as causas do benefício. Por outro lado, isso será compensado com a leniência ou com o patrimônio da empresa. Vamos manter pressão”.

Carlos Fernando, que viria a se aposentar em março de 2019, alfinetou o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, às 16h04 de 20 de maio: “E Deltan dê um jeito de fazer o PGR não cair no autismo dele”. Deltan respondeu, às 16h13: “Tô pressionando. Mandei msg [mensagem] até pra ele”.

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Histórico

Procuradores do MPF e representantes da J&F assinaram o acordo de leniência no dia 5 de junho de 2017, no valor de R$ 10,3 bilhões. A holding se comprometeu a pagar R$ 8 bilhões às entidades individualmente lesadas e R$ 2,3 bilhões reservados à execução de projetos sociais, em 25 anos.

As mensagens revelam que, em 18 de maio, integrantes da Lava Jato falavam sobre a multa da leniência que era, àquela altura, discutida pelo MPF e a J&F pela força-tarefa de Brasília. Eles preocupavam-se que o valor fosse menor aqui que o acordo que a empresa fecharia nos Estados Unidos.

“Acho que saiu barato o acordo de colaboração (imunidade total para todo mundo e 200 mi de multa) e eles criaram expectativa baixa da leniência. Mas agora eles estão desesperados… se não fecharem o acordo, acho que quebram… o tempo está contra eles”, disse o procurador Andrey Borges de Mendonça, às 22h06. Lotado em SP, ele foi um dos 11 procuradores da República que assinaram pelo MPF a leniência com a J&F.

Em seguida, Deltan enviou no grupo: “Concordo que a leniência tem que ser alta. Mas não dá pra fechar valores antes dos EUA. Sob pena de passar vergonha histórica. Porque fecha aqui por 6 e depois os EUA fecham em 60 e ficamos com cara de trouxa”.

O então coordenador da Lava Jato comunicou ao grupo que o coordenador da Greenfield, em Brasília, procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, iria ligar para ele no dia seguinte. “Roubada. Porque porrete americano é bem maior. Com maior laverage na negociação, conseguem multa maior. Anselmo vai me ligar para conversar amanhã”, enviou aos colegas, às 22h29 de 18 de maio de 2017.

Paralelamente à conversa no grupo da Lava Jato, Deltan falava com Anselmo também sobre a leniência. Às 22h32 de 18 de maio, Deltan enviou a Anselmo a mensagem que havia escrito no grupo da Lava Jato minutos antes: “Fechar valor antes dos EUA pode ser um grande erro estratégico. EUA fazem super conta e tem longa experiência. O risco é fazermos por 6 e depois vem EUA e fazem por 60 e ficamos de amadores na foto”.

Deltan queria dar pitacos na leniência: “Em razão da nossa atuação em vários outros acordos, talvez possamos trocar algumas ideias, especialmente porque parece que há fatos da Petrobras também. Mas não queremos de modo algum atrapalhar as tratativas de vcs”.

Conforme revelou a coluna de Bela Megale, do O Globo, a preocupação de Deltan acabou sendo incluída na cláusula da leniência que proíbe a J&F ou empresas controladas pela holding de fechar outros acordos fora do país com multas ou ressarcimentos em valores superiores aos R$ 10,3 bilhões.

Três dias depois, ainda preocupado com a repercussão da “impunidade referente ao acordo de colaboração da PGR [com os irmãos Batista]”, Deltan pediu a Anselmo sugestão para abordar o tema durante o lançamento de livro em São Paulo. Veja a mensagem:

21 de maio de 2017, às 17:40:49: Anselmo, desculpa incomodar. Vou lançar o livro em SP e quero estar preparado para defender as posições do MPF e o assunto do momento é a ‘impunidade’ ref. ao acordo de colaboração da PGR. Vou deixar claro que não sou o promotor natural e ter cuidado para falar do trabalho alheio, buscando agregar, se tiver que entrar nessa seara com o objetivo de defender o instituto da colaboração premiada. Creio que tecnicamente o acordo é justificável, mas há uma dificuldade de comunicação social. Havia alguma denúncia contra os irmãos Batista? Havia um cerco probatório? Tínhamos coisas graves contra eles, ou eles se adiantaram acreditando que possivelmente chegaríamos lá? Qual é a abordagem que vc sugere?

Anselmo respondeu ao então coordenador da Lava Jato que os empresários donos da J&F “estavam acuados”. “A holding era alvo de 3 operações de nossa FT [Greenfield] e outras 3 de colegas. Estavam acuados. De toda forma, o critério utilizado pela PGR foi o da qualidade das provas que eles já produziram”, respondeu o procurador da Greenfield. Em seguida, Deltan questionou se havia denúncia formalizada e Anselmo afirmou que “não tinha ainda”.

O acordo de leniência da J&F com os EUA, fechado em 2020, prevê multa de US$ 128 milhões (R$ 653 milhões, em valores atualizados).

Já no Brasil, em dezembro de 2023, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli suspendeu a multa. Até então, a J&F pagou R$ 2,9 bilhões.

Paralisação

Ao suspender o acordo de leniência do MPF com a J&F, o ministro do STF Dias Toffoli considerou que a empresa deve ter acesso às mensagens obtidas pela Operação Spoofing, a partir do ataque hacker que vazou conversas de autoridades.

“Deve-se oferecer condições à requerente para que avalie, diante dos elementos disponíveis coletados na Operação Spoofing, se de fato foram praticadas ilegalidades envolvendo, por exemplo, a atuação de outros procuradores que não os naturais nos casos relatados, bem como se houve ou não conflite de interesses na atuação dos referidos membros do Parquet para determinar a alienação seletiva de bens e empresas, bem como o valor da multa a ser suportada pela requerente”, pontuou o magistrado. 

Segundo o ministro, “a declaração de vontade no acordo de leniência deve ser produto de uma escolha com liberdade”. 

A empresa alega que, em razão do acordo de leniência, teve de vender “ativos valiosos de forma açodada e com baixa precificação”, como a empresa Eldorado, fábrica de papel e celulose vendida para a Paper Excellence.

A PGR recorreu contra a suspensão da leniência, argumentando que não há conexão entre a ação que discute o acesso às mensagens da Operação Spoofing e o pedido feito pela J&F, uma vez que o acordo não foi fechado pela Lava Jato do Paraná.

O que dizem

O ex-coordenador da Força-Tarefa Greenfield, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, disse à coluna que a preocupação dos procuradores responsáveis pelo acordo de leniência da J&F “era, mais que a punição dos crimes, a recuperação dos valores para lidar com o problema dos fundos de pensão que teria impacto social”. “Os contribuintes iriam pagar contribuições extraordinárias por conta do rombo causado pela J&F”, enfatizou.

“Consideramos a capacidade de pagamento da holding. Se fosse para ‘destruir a empresa’, iríamos prejudicar a principal estratégia do acordo homologado pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão, que era recuperar os valores dos fundos de pensão”, afirmou. Anselmo disse que não havia nenhum trabalho em conjunto com os procuradores do MPF em Curitiba.

Em 19 de setembro de 2023, Anselmo assinou um ofício de esclarecimento público no qual afirmava que a multa prevista no acordo de leniência da J&F “é híbrida e contém partes de multa punitiva, ressarcimento de danos materiais, reparação de danos morais e reparação de danos sociais”.

“Desde logo, esclareça-se que o intuito dos membros ministeriais que negociaram o acordo de leniência foi garantir com que a multa prevista nesse acordo fosse arcada exclusivamente pela controladora das empresas do grupo econômico, ou seja, pela holding J&F Investimentos S.A. Dessa forma, ficam protegidos os acionistas minoritários, como, por exemplo, a Caixa Econômica Federal e o BNDESPar”, escreveu o procurador no ofício.

O procurador aposentado e agora advogado Carlos Fernando dos Santos Lima disse que não reconhece nenhuma mensagem. “A Lava jato não participou dessa operação de maneira alguma”, enfatizou.

A coluna não conseguiu contato com os demais citados. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.

 

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