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A saga de Dulcina para erguer a Fundação Brasileira de Teatro no DF

Série Teatro 061 refaz o trajeto da atriz que levou quase uma década para construir o seu sonho no Setor de Diversões Sul

atualizado

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Dulcina de Moraes
1 de 1 Dulcina de Moraes - Foto: null

Quando se mudou para Brasília em 1972, Dulcina de Moraes havia se desfeito de parte do patrimônio no Rio e reservado o dinheiro da última temporada teatral, o sucesso de “Tia Mame” à disposição da construção do prédio da Fundação Brasileira de Teatro.

O terreno estava demarcado, vazio e pronto para ser erguido. No entanto, o dinheiro não dava para concretizar o edifício de seis andares com um teatro de 600 lugares, projeto de Oscar Niemeyer. Um desgaste financeiro e psicológico. Ela queria muito inaugurar a obra na data prometida, em 1974. Mas viu o sonho se arrastar.

A atriz, diretora, educadora e empreendedora teve que trocar de posto. Tornou-se uma espécie de mestre de obras. Morou inicialmente em hotéis. O primeiro, Alvorada, que pegou fogo tempos depois. O segundo, Nacional, pertinho do Setor de Diversões Sul. Era vista frequentemente atravessando a rua para ir a pé fiscalizar as obras de construção da Fundação Brasileira de Teatro (FBT).

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Inicialmente, pensou que pudesse, por meio do teatro, arrecadar bilheterias para acelerar as obras. Em 1972, tendo como patronesse a então primeira-dama, Scyla Médici, formou um elenco com damas da sociedade. A peça estreou de 25 a 28 de agosto, na Sala Martins Pena. Foi um sucesso. Em seguida, fez “Tia Mame”.

Jamais me deparei com uma capacidade histriônica tão nata como a revelada por esse grupo. São autênticas revelações de atrizes, dotadas de elevado grau de sensibilidade artística, circunstância ainda mais valorizada porque se tratam de pessoas que nunca pisaram num palco

Dulcina

A imprensa nacional noticiava a mudança de Dulcina para o Planalto Central. Os colegas do Rio a consideravam uma “louca”. Era um começo do zero. Aos 64 anos, Dulcina de Moraes voltava-se a se embriagar de sonhos.

 

Sonhos que durariam pouco. Dulcina teve que lidar com o poder para conseguir verbas. Não havia como construir a obra sem ajuda governamental. As oposições a Brasília continuavam fortes num Rio de Janeiro ainda pouco acostumado ao posto de antiga capital e a obra de Dulcina era simbólica. Uma das personalidades mais importantes do Brasil era tida como prioridade pelos governos do Distrito Federal (Hélio Prates da Silveira) e do Brasil (Emílio Garrastazu Médici).

Dulcina de Moraes, que tinha consciência política do que o estado de exceção estava promovendo com o teatro, teve que ficar de frente com um dos piores ditadores, Médici. Para a surpresa da atriz, o então presidente a conhecia do palco, em uma temporada em Porto Alegre e os caminhos se abriram imediatamente.

Alguns militares ex-presidentes me deram uma mãozinha. Costa e Silva, Médici e Geisel. O que não deixa de ser um pouco humilhante. É doloroso constatar que, no Brasil, a cultura precisa de esmolas

Dulcina

Em que pesassem críticas da classe teatral engajada na luta pela redemocratização, Dulcina sairia do gabinete presidencial com a promessa de inaugurar a obra em dois anos. Tinha a convicção que a história a absolveria.

“A construção seguia lentamente, apesar de Dulcina ter a certeza de que o teatro estaria pronto em 1974. O presidente Médici prometeu ajudá-la e, pelo menos nisso, não falhou. Havia uma verba a ser repassada de quatro milhões de cruzeiro que foram divididas em quatro vezes e não deu conta de absolver os custos crescentes”, escreveu o biógrafo Sérgio Viotti.

A primeira parcela levou dois anos para sair e já estava consumida pelos altos preços. Aos poucos, as notícias entusiastas da obra de Dulcina de Moraes no Planalto Central são trocadas pela manchete: “Mais um teatro parado por falta de dinheiro”.

Acreditava na missão nobre. Levou quase uma década para realizá-la, o que demonstra a sua não vocação para “bajular generais”. Ao contrário, quando viu a obra passar de um governo militar ao outro, encontrou o então presidente Geisel, no teatro (sim, os militares gostavam do teatro que censuravam), e o cobrou do seu jeito espetaculoso. A Folha de S. Paulo publicou uma foto da atriz colocando o dedo em riste em direção ao homem poderoso da ditadura. O que não agradou a cúpula do regime.

Com certeza, eles (militares) fizeram de propósito. Parece que estou passando um pito nele. E o danado bem que merecia

Dulcina

Dulcina corria dali pra acolá tentando mais verbas. Não perdia a força aparente, mas amigos íntimos percebiam um solidão que, talvez, ela não dava conta. Para animar, fez a festa de lançamento da cumeeira do teatro em 1975, quando saiu a primeira parcela de Médici. Tudo virava notícia. Era uma festa, mas logo as obras desaceleravam.

Os muros intransponíveis do teatro, Dulcina galgou um a um

Sérgio Viotti

Em 1977, Dulcina de Moraes conseguiu que o governo comprasse o seu teatro no Rio de Janeiro (hoje pertencente a Funarte). Os seis milhões de cruzeiros garantiram a conclusão da obra. A Fundação Brasileira de Teatro foi oficialmente transferida para Brasília.

Existe uma grande necessidade de profissionalizar o artista brasileiro. Em arte, não há milagre e não podemos confundir habilidade com conhecimento. O artista não é um vigarista

Dulcina

O Conselho no Rio renunciou e veio à capital dar posse ao Conselho do DF. Estavam aqui Bibi Ferreira, Renata Fronzi, Dari Reis, Raimundo Magalhães Jr. Em 1978, foi entregue a sala do Teatro Dulcina de Moraes e inaugurada com o evento “Poeira das Estrelas”.

O acabamento atrasava as obras. O presidente João Figueiredo resolveu ajudar e, o sonho de Dulcina foi inaugurado em 21 de abril de 1980, com “Gota D´Água”, dirigida por Bibi Ferreira e com elenco brasiliense.

Aplausos, fecham-se as cortinas e começa a história mais importante do teatro brasiliense

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