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Galeterias de Brasília: tradição gaúcha deu lugar à produção em massa

Algumas casas servem bons fraguinhos assados, mas é preciso fazer alguns ajustes a esse modelo

atualizado

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Guilherme Lobão/Metrópoles
galeto
1 de 1 galeto - Foto: Guilherme Lobão/Metrópoles

Um abismo se abre entre as tradições e os patrimônios alimentares até a gastronomia comercial. Esse caminho, contudo, é natural. Movimentos migratórios, choques de cultura e a cozinha familiar se colocam no meio desse processo até a mesa do restaurante. Por mais familiar que se pretenda, o negócio gastronômico se esculpirá pela demanda de clientes e por arranjos com fornecedores e funcionários.

Um dos exemplos mais notórios em Brasília é o da galeteria, cujo roteiro da especialidade reúne ao menos 10 endereços, aqui elencados. Outrora comida de roça, do interior a embalar pândegas caseiras, garantiu um lugar ao sol permanente no comércio local. Salões enormes repletos de gente atrás de um único prato: galeto com ervas, guarnecido por salada, maionese de batata, polenta, massa à bolonhesa e, ocasionalmente, uma farofa ou arroz carreteiro.

Essa tradição gaúcha nasce nas colônias italianas do Sul do país, afeitas a reproduzir a tal passarinhada do país da bota, a qual colonos preparavam com aves de caça de distintas espécies. Em substituição aos pássaros (logo proibidos na região), optou-se pelo frango de 30 dias, abatido al primo canto (ao primeiro canto).

Agora, o galeto gaúcho se reproduz em escala por Brasília, mercado que nunca se abriu de forma mais generosa para outras receitas e culturas. Algumas tentativas se frustaram pelo caminho.

A franquia paulistana Galeto’s servia até um franguinho bem assado, mas era de uma falta de carisma impressionante, além de doer no bolso; e o Galetchê, em Águas Claras, era bem esforçado em servir um galeto menos apressado e mais tenro, mas não deu certo. Por menos cinco anos, na Asa Sul, prosperou o charmoso Inácia Poulet Rôti, cuja intenção era de revirar o receituário francês do uso de aves (faltava apenas o pombo, uma iguaria provinciana difícil de se acessar daqui), combinando restaurante e rotisseria.

Mas o imaginário brasiliense estava formado e inabalável. No que se trata de galeto, o preparo exige aquele vinagrete de ervas servido sobre o franguinho assado em brasa e despejado sobre a chapa quente, num processo naturalizado de cevagem da clientela, por entre jarras de vinho e suco de uva integral, no acachapante serviço de rodízio.

Tudo vem dos pampas, menos o galeto. Na Galeteria Beira Lago (Setor de Clubes Sul), na Galeteria Gaúcha (Lago Norte), na Galeteria 108 Sul, na Galeteria Serrana (404 Sul), na Grelha Galeteria (Sudoeste e Núcleo Bandeirante), na Treviso (Asa Norte), na Bangalô (Águas Claras), na Galeteria Potência do Sul (Taguatinga) e no renovado Serra Gaúcha Galetos & Parrilla, antiga Galeteria Serra Gaúcha (Taguatinga), a ave vem em boa parte endossada pela gigante Sadia, com direito à exposição da marca inclusive em algumas delas.

Há aqui um primeiro apagamento da aura do galeto colonial. A tradição dá lugar à industrialização. “Progresso em vez de civilização”, profetizava o escritor Julio Camba acerca dos novos arranjos da alimentação no mundo ibérico à primeira metade do século 20.

Na “exportação” do modelo de galeteria de Caxias do Sul e Bento Gonçalves, muita coisa se perdeu pelo caminho. Não há a sopa de capeletti de entada (a não ser pelo Treviso), muito menos o molho de miúdos sobre a massa caseira. Algumas casas em Brasília ainda abrem o talharim fresco na cozinha, mas cobrem sempre com um aguado molho bolonhesa.

Não seria o caso de comparar as galeterias entre si, muito embora perceba-se maior esmero, sobretudo nos assados, em uma ou outra, caso da Beira Lago e da Gaúcha, curiosamente as duas mais antigas em operação. Esta última, aliás, entrou na onda e abriu até um food truck de galeto. Em todas elas, contudo, falta padrão. Cada qual, vez por outra, serve um franguinho mais seco, um molho mais ou menos desequilibrado, uma maionese de batata sem acidez ou mal cozida e polenta requentada no óleo velho, carreteiro malfeito, farofa seca e um pavoroso “risoto” de frango.

A maioria mantém ao menos uma seleção de folhagens bem frescas para compor a salada, normalmente com tomate e cebola, mas nem sempre com o tradicional radicchio, cujo amargor acrescenta uma camada relevante para toda a combinação. No Treviso ainda encontra-se a folha roxa servida com bacon. Importante acrescentar que na galeteria da Asa Norte encontra-se um dos raros exemplares de sopa de capeletti.

Servido no padrão de rodízio, o galeto incorre em problemas não muito diferentes, embora menores, das churrascarias, como pontuei há algumas semanas. Afinal, o galeto costuma ser todo ele aproveitado, apesar de dispensar os miúdos, que dariam uma bela farofa ou molho para macarrão. O preocupante reside no desperdício sistêmico, na falta de critério para reposição dos pratos e no fomento à insaciedade. Mais uma vez, somos cevados e não mais alimentados.

O curioso, contudo, é que por mais que problematize o sistema por trás do galeto, devo reconhecer a grande sacada de servi-lo ao vinagrete de ervas. Se bem assado, com pele crocante e interior tenro, estamos diante de um clássico irreparável da cozinha brasileira tradicional, com todo o peso da influência da imigração, obviamente. Os colonos trouxeram esse bom hábito de manter horta de ervas em casa e usá-las sem moderação, extraindo todo perfume e sabor do campo para a mesa.

Por ser uma ave pequena, o galeto também permite a apreciação de mais de um corte em uma mesma refeição. O meio galeto, a meio ver seria a porção ideal: peito, coxa e sobrecoxa. Carcaças úmidas e ainda muito saborosas mesmo após descarnadas. Sobre a mesa de um restaurante, cobertas com toalhas quadriculadas e outra camada de papel-manteiga, rendemo-nos à elegante selvageria de comer com as mãos, chupar o osso, lamber os dedos.

Serviço

Bangalô Galeteria
Avenida Parque Águas Claras, Quadra 301, conjunto 6, lote 2, Águas Claras. Tel: (61) 3047-2444. Quarta a sexta, das 18h à 0h; sábado das 11h30 à 0h; domingo das 11h30 às 22h. R$ 42 por pessoa. Desde 2012.

Galeteria 108 Sul
Na 108 Sul, bloco D, loja 21/29. Tel: (61) 3242-2656. 11h às 15h e 19h às 22h30. Domingo 11h às 16h. Rodízio: R$ 46 por pessoa. Desde 1995.

Galeteria Beira Lago
Setor de Clubes Esportivos Sul, Trecho 2, conjunto 32/33, Clube Ases. Tel: (61) 3233-7700. 11h30 às 23h30. Domingo até 17h. Rodízio: R$ 49 por pessoa. Desde 1984.

Galeteria Gaúcha
CA 7, Lago Norte, ao lado do Iguatemi. Tel: (61) 3468-3542. 11h às 14h e 19h às 22h. Domingo até 16h. R$ 47 por pessoa. Desde 1987.

Galeteria Potência do Sul
CSA 3, loja 1, Taguatinga Sul. Tel: (61) 3352-7943. 11h às 15h30 e 18h à 0h. R$ 33,90 (com massas e outros grelhados inclusos).

Galeteria Serrana
404 Sul, bloco D, loja 13. Tel: (61) 3224-3447. 11h às 15h e 18h30 às 22h30. Sábado a partir das 11h30; domingo das 11h30 às 16h. R$ 45,90 por pessoa. 

Grelha Galeteria
QMSW 6, bloco E, loja 8/20, Segunda Avenida, Sudoeste. Tel: (61) 3344-0505. 11h às 15h. Domingo até 15h30. R$ 45,90 por pessoa. Desde 2001.

Quadra 1, conjunto D, Núcleo Bandeirante. Tel: (61) 3386-0444. 11h30 às 15h e 19h às 22h30. Domingo até 16h30. R$ 45,90 por pessoa. Desde 2014.

Serra Gaúcha Galeto & Parrilla
QS 3, lote 19, loja 1. Tel: (61) 3352-5353. 11h30 às 15h e 19h às 23h. Domingo só almoço até 16h. R$ 36,90. Desde 2013.

Treviso Galeteria
413 Norte, bloco C, loja 3. Tel: (61) 3585-3000. 11h30 às 15h e 18h30 às 23h. Sábado e domingo almoço até 16h30. Domingo e segunda só almoço. R$ 41,90 (almoço) e R$ 31,90 (jantar). Desde 2016.

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