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Caminito reproduz atmosfera argentina, mas deve consistência no menu

A casa entra no movimento cosmopolita de Brasília e entrega um ambiente portenho

atualizado

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Uma difusa e nem tão emergente “gourmetização” habituou mal as iniciativas gastronômicas quanto ao símbolo da experiência. Restaurateurs e chefs lançam-se com uma avidez sem tamanho, como quem busca atrair o cliente por meio de feitiço, num passe de mágica, a exemplo das ondas odoríferas da cozinha do Leôncio a fisgar um sempre faminto Pica-Pau. A fome neste cenário não é mais de comida, mas de sensações. Não é nova a estratégia ou o interesse em criar um ambiente, um roteiro ou um serviço cuja função perpassa a mera refeição. Por isso, aliás, que saímos para comer, não?

No cosmopolitismo de Brasília, encontramos a reprodução de modelos os quais frequentadores de restaurantes caros estão acostumados a verem em suas viagens ao exterior. O Roma e o finado Kazebre 13, nos primórdios da capital, tentavam replicar restaurantes italianos; o La Chaumière também se esforçou para reproduzir certo charme burguês da França; e, nas décadas mais recentes, acostumamo-nos ao modelo dos diners americanos, de bancos estofados e bibelôs pendurados nas paredes. Não era sem tempo alguém levar a cabo a ideia de se inspirar em um dos destinos favoritos do brasileiro: a Argentina.

O bairro La Boca, especificamente a colorida rua-museu do local, serve de musa inspiradora para o Caminito Parrilla, instalado há menos de um ano no Sudoeste e cuja decoração abusa de referências à Argentina. Debaixo da suntuosa e nada discreta fachada, o cliente é recebido numa antessala com faixa do Boca Juniors, fotos, desenhos e bibelôs alusivos a Buenos Aires.

Tão logo adentra-se o salão, após a bênção da estátua do papa Francisco na entrada, depara-se com paredes pintadas em referência às casinhas amarelas e vermelhas do Caminito, com janelas emolduradas. À direita, outra estátua batiza a experiência: Maradona erguendo a taça da Copa de 1986.

Nada seria mais óbvio que um menu tipicamente portenho, o que a casa entrega com certa eficiência. As entradas parecem-me sólidas. De tradicional, há provoleta, de boa qualidade, assada na parrilla de modo a formar uma crosta e salpicada pelo molho chimichurri (R$ 34), e o trio de linguiças (R$ 28,90). Bons embutidos assados corretamente. Mas os abre-alas mais interessantes surgem com as tulipas de frango guarnecidas de interessante farofa de pão de queijo mais molho barbecue bem equilibrado (R$ 34,90) e uma nova modinha importada da Califórnia: millionaire bacon (R$ 26). Servidas em caneca de cobre, as fatias crocantes da barriga suína defumada são envolvidas em caramelo, formando um amálgama de gordura e açúcar de abrir o apetite.

As primeiras derrapadas observei na primeira visita, há alguns meses, onde a inconsistência dos assados foi um tanto visível. Bife de chorizo pálido (R$ 52,90, 300 gramas), de interior rosado, porém com um lado mais exposto ao fogo do que outro, desmontou toda a expectativa gerada pelo nome de peso por trás do menu: Paula Labaki. A chef e assadora costuma fazer jus à fama cunhada pelo Lena (SP) e tantos eventos e consultorias prestadas pelo país.

Talvez não tenha sido um dos melhores dias da casa. A cozinha não tinha mais o ancho assinado pela chef Labaki, embora o bombom de alcatra (R$ 42,90, 300 gramas) tenha feito sucesso na mesa que eu dividia com alguns bons amigos. De acompanhamento, uma farofa de ovo seca e o arroz parrillero  do qual já não sou muito fã – frio não culminaram numa boa refeição em geral. De sobremesa, a panqueca de doce de leite estava suficientemente boa, uma vez que depende quase exclusivamente da qualidade do produto usado. Mais curioso é o alfajor mil-folhas, com camadas de doce de leite entremeadas pelas massa folhada e coberta pelo famoso biscoito argentino (R$ 24,90).

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Alguns meses depois, voltei para um tira-teima, preocupado sobretudo com o padrão das carnes servidas e em busca de provar o tal ancho da Labaki (R$ 62,90). Uau! Que bela carne. São 300 gramas servidos em tom de carvão, por consequência do tempero de ervas que envolve o corte, e um sabor pronunciado sem apagar o gosto típico do churrasco. Uma observação importante: o ponto passou um pouquinho. Solicito sempre o ponto da casa. Suspeito que a carne teria descansado em excesso, embora não tivesse ainda comprometido sua suculência.

O segundo corte dessa visita foi o prime rib. Este servido com menos descanso, mas também devendo um ponto um tiquinho mais avermelhado para o padrão argentino. Há qualidade, definitivamente, de procedência dos insumos, mas ainda são perceptíveis problemas de consistência no trabalho da parrilla. Os legumes, por exemplo, não obedeceram ao melhor ponto de cozimento: cenoura rija, abobrinha com o centro ainda cru e batatas rústicas pálidas e semicruas por dentro. As meias-luas de abóbora salvaram a dureza da horta de verduras, servidas como um belo sorriso chamuscado em brasa.

Por mais confortável e amplo o salão que abrigava a atmosfera de um passeio pelo Caminito, a sinfonia completa-se apenas diante das emoções evocadas pelo paladar. Fui ao restaurante persuadido pela sugestiva estrutura, mas só voltaria pela comida. A lembrança do bacon caramelado foi importante para conferir mais uma chance à parrilla. No final, tiro um saldo positivo, mas não posso deixar de notar uma necessidade em se elevar o padrão da cozinha. A tal experiência depende disso.

Caminito Parrilla
Setor de Indústrias Gráficas, Quadra 8, Lote 2375, na divisão com o Sudoeste. Telefone: (61) 3028-1090. Das 12h às 15h e das 18h às 23h. Sexta e sábado, das 12h à 23h45. Domingo, das 12h às 22h. Wi-fi. Ambiente interno e externo. Estacionamento com manobrista

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