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BO de nove jovens acusados pela própria morte em Paraisópolis

O que Bruno, Dennys, Denys, Eduardo, Gabriel, Gustavo, Luara, Marcos e Mateus disseram na delegacia, depois de terem sido assassinados

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1 de 1 paraisopolis - Foto: Reprodução

Compareceram ao 89º DP, Morumbi, São Paulo, na madrugada de 1º de dezembro de 2019, os mortos Bruno Gabriel dos Santos, 22 anos; Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16 anos; Denys Henrique Quirino da Silva, 16 anos; Eduardo Silva, 21 anos; Gabriel Rogério de Moraes, 20 anos; Gustavo Cruz Xavier, 14 anos; Luara Victoria de Oliveira, 18 anos; Marcos Paulo de Oliveira Santos, 16 anos; e Mateus da Costa Santos, 23 anos.

Os nove foram presos em flagrante pelo crime de terem sido assassinados durante a Operação Pancadão, da Polícia Militar de São Paulo. Os seis policiais que comparecem a esta delegacia declaram que os nove mortos foram pisoteados em vielas da favela de Paraisópolis. Os nomes dos referidos policiais serão preservados neste Boletim de Ocorrência para protegê-los de possíveis represálias, até que as investigações comprovem a culpa dos nove mortos pela própria morte.

Reprodução vídeo/Redes Sociais

O morto Bruno Gabriel dos Santos, 22 anos, morador de Mogi das Cruzes, declara que saiu de casa para comemorar seu aniversário, ocorrido dia 28; que disse aos pais que iria a uma pizzaria; que chamou amigos para irem ao baile funk Dz7, em Paraisópolis; perguntado, disse que não sabia que Dz7 era a redução gráfica de Rua 17, onde surgiu um pagode que deu origem ao baile; que tinha muita vontade de conhecer um pancadão, por ter ouvido falar; que encontrou os amigos na estação da CPTM e pegou o trem para a favela ao lado do Morumbi; que ouviu correria, estrondo de bombas de gás, spray de pimenta e que, sem saber andar pelos becos da favela, entrou num sem saída; que levou uma pancada forte na cabeça, mas não sabe dizer quem o atacou; que suas mãos estão todas machucadas, mas também não sabe o que ou quem provocou os ferimentos; que morreu sem saber quem o matou.

O morto Mateus dos Santos Costa, 23 anos, declara que morava em São Paulo havia 15 anos; que nasceu na Bahia; que no sábado (30/11/2019) saiu para trabalhar e do trabalho foi para o baile funk; que sempre foi um cara sossegado; que, no baile funk, ouviu barulho de bombas, viu policiais militares entrando nos becos; que começou o corre-corre; que entrou numa viela para fugir do ataque; que teve trauma na medula provocado por objeto contundente mas não sabe quem ou o que o atacou.

O morto Denys Henrique Quirino da Silva, 16 anos, morador de Pituba, declara que trabalhava com limpeza de estofados e estudava; que foi ao baile funk para se divertir um pouco; que ouviu estrondos e sentiu os olhos ardendo por causa de uma fumaça espessa; que viu os policiais militares entrando em todos os becos; que não conhecia Paraisópolis; que entrou numa viela sem saída e que morreu, não sabe como; que na sua roupa não havia marca de pisadas ou sujeira.

A morta Luara Victoria de Oliveira, 18 anos, moradora de Interlagos, única mulher no grupo dos acusados pela própria morte, declara que perdeu o pai e a mãe nos últimos cinco anos; que morava com os avós; que sempre gostou de baile funk; que na madrugada de domingo (1º/12/2019) o som das caixas dos carros estacionados nas vielas estreitas de Paraisópolis foi substituído por estrondos de bombas, corre-corre e a presença de policiais militares; que, mesmo gostando muito de funk, não conhecia as rotas de saída da favela; que não sabe como mas morreu por asfixia mecânica “por sufocação indireta”; que não sabia que “sufocação indireta” quer dizer compressão do tórax; que não sabe dizer quem comprimiu seu tórax a ponto de levá-la à morte; que soube que seu tio Vagner dos Santos Oliveira foi impedido de levantar o lençol para ver o seu corpo morto; que o tio percebeu que o maxilar estava torto e o pescoço também; que não sabe quem a matou.

O morto Eduardo Silva, 21 anos, ajudante de oficina, declara que é pai de um menino de 2 anos; que morava com o pai, a mãe, a irmã e o filho em Carapicuíba; que trabalhava numa oficina mecânica com o pai; que, tanto quanto os demais mortos aqui presentes, não sabe dizer quem o matou; que não conhecia as vielas de Paraisópolis; que também ouviu bombas, viu policiais militares entrando nas vielas, que correu para se proteger; mas que foi morto numa viela sem saída.

O morto Gustavo Cruz Xavier, 14 anos, declara que os amigos o chamavam de ‘Risadinha’, porque ele ria de tudo o tempo todo; que só não riu quando o pai morreu e ele tinha apenas 6 anos; que, como os demais, ouviu estrondos de bomba, viu os policiais militares avançando sobre a multidão; que correu para se proteger e morreu sem saber por quê; que agradece aos quase 100 amigos que foram à sua casa depois que souberam da sua morte.

O morto Gabriel Rogério de Moraes, 20 anos, declara que não gostava de funk; que é um pouco tímido e que foi ao baile por insistência de amigos; que era jovem aprendiz de leitura de medidor de energia; que ouviu estrondos, viu os PMs avançando sobre a multidão; que se sentiu sufocado pelas bombas e sprays de pimenta; que entrou numa viela sem saída e que foi morto por asfixia mecânica por ‘sufocação indireta”; que não sabe quem ou o que o sufocou.

O morto Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16 anos, declara que saiu de casa no sábado (29/11/2019) para trabalhar; que avisou a avó que iria comer uma pizza com amigos; que foi ao baile sem ninguém da família saber; que tentou fugir do cerco da PM e das bombas; que entrou num beco e foi morto; que não sabe quem o matou.

O morto Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16 anos, declara que estava muito animado com o Pancadão do domingo; que postou nas redes sociais a sua animação (“Hoje eu tô inspirado, vou mandar o magrão de esquina a esquina e dar um tapa na cabeça da sua vó, não qro saber de nada, meninas, hoje o pai está online, vou surfar mais que o medina”); que sonhava em ser um favelado que iria conquistar o mundo e ser motivo de orgulho para a mãe; que tentou fugir do cerco dos policiais, mas entrou numa viela sem saída e morreu; que não sabe como.

Nada mais foi dito nem lhes foi perguntado.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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