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A casa do Rubem Braga, a do Chico Buarque e a de todos nós

Não importa se moderna ou popular, grande ou pequena, a morada da gente é o lugar que guarda nossos segredos. Mas a casa-casa é o corpo

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Bernardo Scartezini/ Especial para o Metrópoles
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1 de 1 Capa23 - Foto: Bernardo Scartezini/ Especial para o Metrópoles

Rubem Braga, o mestre dos mestres, escreveu uma crônica sobre as casas modernas.

“Outro dia eu estava folheando uma revista de arquitetura. Como são bonitas essas casas modernas; o desenho é ousado e às vezes lindo, as salas são claras, parecem jardins com teto, arquiteto faz escultura em cimento armado e a gente vive dentro da escultura e da paisagem.”

Mas não era essa a casa que o Velho Urso sonhava para si:

“Porque a casa que eu não tenho, eu a quero cercada de muros altos, e quero as paredes bem grossas e quero muitas paredes, e dentro da casa muitas portas com pesadas trancas; e um quarto bem escuro para esconder meus segredos e outro para esconder minha solidão.”

Na verdade, o cronista morava numa casa-floresta pendurada no último andar de um prédio no Rio de Janeiro. Muitas plantas, passarinhos e peixes.

Rubem Braga não gostava dessa história de máquina de morar que os modernos inventaram. Mas o historiador Sérgio Buarque de Holanda e família sonharam por muito tempo em construir o projeto da casa que Oscar Niemeyer fez para eles. Chico Buarque escreveu essa história.

“A casa do Oscar era o sonho da família. Havia um terreno para os lados do Iguatemi, havia o anteprojeto, presente do próprio, havia a promessa de que um belo dia iríamos morar na casa do Oscar. Cresci cheio de impaciência porque meu pai, embora fosse dono do Museu do Ipiranga, nunca juntava dinheiro para construir a casa do Oscar.”

Seja do Oscar, do Rubem ou de um de nós, pobres mortais, seja do Oscar ou do Luís, meu mestre de obras favorito, a casa é o corpo da gente do lado de fora. Quando tudo parece desatado, a casa está sempre lá, atada em nós e no chão da terra. Não importa se moderna ou colonial, se no Lago Sul, no Guará ou no Varjão, a casa responde às nossas dores, aquieta os tormentos. A casa nos dá colo.

Nem todas, porém. Há casas que são o inferno.

Muitos dos que moram na rua, em casas sem teto, fugiram do terror emparedado num endereço fixo.

Tem gente que constrói uma casa imaginária ao redor de si e vive dentro dela o tempo todo. Aonde vai, leva a casa ou a casa o leva. Li, certa vez, a história de um milionário que construiu um búnquer, tamanho o medo de lhe roubarem o patrimônio ou de o transformarem em refém para lhe roubar a riqueza.

Até que um dia, houve um incêndio e o homem não teve tempo de sair do inferno tantas as dificuldades que havia em se libertar da prisão que inventou pra si mesmo.

Uma vez um poeta me disse – lindamente – que pra onde eu ia, levava comigo a minha casa. Imaginei um quartinho de madeira, pintado de cores claras, e eu lá dentro, andando pra lá e pra cá, minhas pernas como pilotis. Gostei da ideia, me senti mais protegida.

Não poucas vezes, a rua foi a minha casa – os caminhos longos, cercados de casinhas coloniais na cidade velha de Belém do Pará. As avenidas nas quais as mangueiras frondosas e muito antigas eram o teto do meu viver. O meu colégio, construção neocolonial do começo do século 20, com imponentes escadarias de mármore, pés-direitos tão altos que pareciam o céu.

A casa da gente pode ser de qualquer jeito, em qualquer lugar, desde que nos ampare, nos silencie nos momentos de muito alvoroço, nos esconda quando preciso e guarde nossos segredos. Ninguém é mais fiel do que uma casa. Ela vê e ouve tudo, o tempo inteiro, e não diz um pio, sob hipótese alguma. Se houver um terremoto, a casa cai sem abrir a boca.

Não sei exatamente por quê, mas me lembro direitinho do instante em que não precisei mais de carregar a casa ao redor de mim. Só me lembro que desci do carro e, quando dei por mim, estava só pele. Naquela manhã, senti o Sol tocando pela primeira vez meu corpo livre do búnquer que me protegia (e ao mesmo tempo, me impedia do confronto com o real da vida, e me interditava a experiência de ser tão somente um ser humano habitando a terra, com todos os riscos e as maravilhas do viver).

Desde então a minha casa é o meu corpo. A outra, a de tijolo e telha, é a segunda casa. Fundamental, quando a primeira parece que está se perdendo. Volto pra ela e, em pouco tempo, recomponho todos os cômodos e os móveis de mim mesma.

Casa do Oscar em Brasília,
Casas Brasília do Lucio
Minha casa, meu colégio

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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