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Cidade de MG apura alta de 400% em atendimentos cobrados do SUS

Fundação privada sem fins lucrativos registrou como se cada morador de Montalvânia tivesse feito 16 procedimentos em 1 ano. MPF foi acionado

atualizado

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Reprodução/Prefeitura de Montalvânia
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1 de 1 Montalvania2 - Foto: Reprodução/Prefeitura de Montalvânia

Apesar de ser um município de Minas Gerais, Montalvânia fica mais perto de Brasília que da capital mineira. Situada no extremo norte de Minas, está a 767 km de Belo Horizonte – do Distrito Federal, está a 407 km. A “cidade das grutas” tem uma população de 15.862 habitantes. Em 2017, os problemas de saúde atingiram essa pequena comunidade em cheio. Cada morador, segundo denúncia feita por um vereador local, teria feito mais de 16 procedimentos hospitalares numa fundação privada sem fins lucrativos, bancada com recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). Nessas contas, teriam sido cerca de 260 mil atendimentos.

É como se a cidade inteira adoecesse de uma hora para a outra e precisasse de vários tipos de auxílio médico. Nos anos anteriores, o número de procedimentos não passava de 53 mil a cada 12 meses.

Os dados, no qual a avaliação é embasada foram enviados pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) à Câmara de Vereadores de Montalvânia. Um vereador da cidade Geraldo Flávio (MDB) suspeita que esse salto exorbitante no número de atendimentos, que na sua avaliação poderiam gerar um custo de R$ 500 mil ao SUS, seria um indício de fraude. Os administradores do hospital, por outro lado, negam ter havido essa liberação de dinheiro.

Por isso, a parlamentar ingressou com um pedido de investigação no Ministério Público Federal contra a Fundação de Saúde de Montalvânia. Ele acusa a entidade hospitalar de irregularidades na prestação de serviço de saúde, como duplicidade de atendimento, atendimentos duvidosos e até inventados.

A suspeita baseia-se principalmente no fato de os procedimentos hospitalares realizados pela Fundação terem aumentado quase 400% em um ano. É como se a população resolvesse, de um ano para o outro, usar e abusar dos serviços gratuitos sem necessidade. E de forma indiscriminada.

Em sua defesa, o hospital informa que os faturamentos dos procedimentos desde 2005 eram feitos de forma fixa, sendo sempre repetidos. Quando foi feita a denúncia, o Presidente da Fundação solicitou, por meio de ofício, uma explicação da Gerência Regional de Saúde de Januária.

“Em 28 de junho de 2019 recebemos o Ofício nº 268/2019 JP onde o Promotor de Justiça solicita explicações sobre o faturamento dos procedimentos realizados no ambulatório”, informou o presidente da entidade, João Fernandes. “Foi possível verificar que desde o ano de 2005 que este processamento é realizado repetidamente. E os valores pagos foram sempre os mesmos aproximadamente. Então pergunto: Se está errado por que o setor de regulação sempre recebeu o SIA e autorizou o pagamento?”, prosseguiu.

Alguns procedimentos apontados no relatório são considerados pelo vereador como inócuos ou francamente suspeitos. É o caso das 360 dosagens de benzodiazepínicos. Sua aplicação serve para verificar se a pessoa está com excesso de medicamento no sangue. “Isso não existe em Montalvânia. As pessoas estão preocupadas com a falta de medicamento. Não com o excesso”, disse o vereador Flávio Macedo (MDB-MG), autor da ação.

Equipamento quebrado
Montalvânia tem 7.866 mulheres. Em 2017, de acordo com o relatório de despesas hospitalares pagas pelo SUS à Fundação, elas foram as mais atingidas por enfermidades ou acidentes. Somente naquele ano, a massa feminina se submeteu a 2,8 mil procedimentos de ultrassonografia transvaginal. Um detalhe reforça a suspeita de fraude. A sonda transvaginal da Fundação de Saúde de Montalvânia estava quebrada havia dez anos e seria arrumada somente no ano seguinte, em 2018. Portanto, seria impossível que a Fundação realizasse o exame sem o equipamento.

Segundo nota enviada pelo hospital, isso é resultado do formato de prestação de contas adotado pela entidade. “De acordo com os relatórios o número de procedimentos era sempre colocados da mesma forma durante todos os anos. Isto mostra que não houve fraude como o vereador quer dizer”, disse. “Se houve fraude durante todos esses anos por que o SUS não fez as devidas correções ou punições?”, questiona o hospital.

Já com o aparelho consertado, em 2018, foi realizada a mesma quantidade de ultrassonografias transvaginais que em 2017: ou seja, 2,8 mil atendimentos a pacientes do sexo feminino. Igual a 2017, quando a máquina estava parada. Isso gerou um custo de R$ 70 mil ao SUS.

Os supostos atendimentos no período de janeiro a dezembro de 2017 à população feminina ainda registraram 1,1 mil procedimentos realizados para a extração de “corpo estranho” da vagina dessas pacientes. Foi como se aproximadamente uma em cada 7 mulheres tivesse sido afetada por um problema do tipo naquele ano.

No ano seguinte, houve mais 600 casos desse mesmo tipo de procedimento. É praticamente a mesma quantidade de doenças sazonais, como dengue, na região.

Radiografias para todos
Os casos de suspeitas de mau uso do dinheiro público avançam sobre outros procedimentos, como os exames de raio x. Em 2017, correu a notícia de que o equipamento que realiza o atendimento estaria danificado. Muita gente que procurava a Fundação voltava para casa sem ser atendida. O hospital alega que não se trata de fraude, mas de falta de recursos.

A oposição acredita que houve um relaxamento na fiscalização depois que um aliado do presidente da Fundação de Saúde de Montalvânia chegou à cadeira mais alta do Executivo local. José Florisval de Ornelas (PTB) tomou posse como prefeito em 2017, justamente no ano em que os atendimentos e repasses de verba à entidade explodiram. Florisval disputou as eleições na mesmo coligação do presidente da Fundação, João Fernandes de Almeida (PTB), que concorreu a vereador em 2012, mas acabou não se elegendo.

Segundo Flávio Macedo, a vigilância ao atendimento promovido pela entidade diminuiu muito em relação aos anos anteriores, quando os prefeitos eram todos de outros grupos políticos. “A Secretaria de Saúde não tem feito seu papel, que é o de fiscalizar. Já cobramos da pasta que faça uma auditoria nesses atendimentos”, afirma Macedo. O hospital nega, dizendo que a fiscalização esteve sempre presente. “O faturamento foi sempre o mesmo”, destacou o hospital, em sua defesa.

Outro lado
A reportagem conversou com o presidente da Fundação de Saúde de Montalvânia, João Fernandes. Por telefone, ele disse que as contas da instituição estão “cem por cento” corretas. “O Ministério Público fiscalizou a Secretaria de Saúde e não tem nada”, rebate.

Ele admite amizade com o prefeito de Montalvânia, José Florisval de Ornelas (PTB) – segundo ele, apenas política. Disse que disputou uma vaga na Câmara na coligação do amigo. Mas afirma que isso não lhe dá a “vida fácil” que a oposição acusa que sua instituição tem junto à prefeitura.

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