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Reforma administrativa aumenta chances de demissão do servidor com baixo desempenho

Pelo texto aprovado na comissão, as regras de desligamento atingem todos os funcionários. Categoria teme “tribunais de inquisição”

atualizado

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Igo Estrela/Metrópoles
relator da reforma administrativa na Câmara, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), entregou o texto com seu parecer ao presidente da Casa, Arthur Lira
1 de 1 relator da reforma administrativa na Câmara, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), entregou o texto com seu parecer ao presidente da Casa, Arthur Lira - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

A proposta aprovada pela comissão especial da Câmara dos Deputados, na quinta-feira (23/9), de mudança nas regras do funcionalismo público prevê a demissão de servidores públicos e endurece as normas de avaliação de desempenho.

Na prática, o texto abala a tão propalada estabilidade do serviço público ao criar um novo critério para permitir o desligamento de servidores que não tiverem “desempenho satisfatório”.

Pela nova redação, o servidor que tiver duas avaliações “insatisfatórias” consecutivas ou três intercaladas passará por um processo administrativo que pode levar à sua exclusão dos quadros do Estado.

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O texto está pronto para ir ao plenário da Casa, onde precisa ser aprovado por, pelo menos, 308 votos em dois turnos. Ainda não há data marcada para a votação, embora o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tenha manifestado a intenção de pautar a matéria para a próxima semana.

Caso seja aprovada na Câmara, a proposta de emenda à Constituição segue para a apreciação do Senado.

O texto do deputado Arthur de Oliveira Maia (DEM-BA) endurece a proposta original, que estabelecia a possibilidade de desligamento do servidor por “desempenho insatisfatório”. Antes o texto indicava a abertura do processo a partir de três avaliações consecutivas ou cinco intercaladas.

A regra, nesse caso, aplica-se a todos os servidores, inclusive aos atuais. O texto aprovado salienta que qualquer servidor, “sem nenhuma exceção”, será submetido a avaliações de desempenho.

A proposta prevê também a formação de um órgão colegiado para conduzir o processo administrativo, que pode decidir ou não pelo desligamento. O texto ainda impede que atuem no órgão os colegas que participaram da apuração de desempenho do servidor.

Vozes contrárias

O texto aprovado na Câmara tem diversas vozes contra, principalmente em associações e sindicatos. Alison Souza, presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), lembra que não há nada contra a avaliação de desempenho, principalmente porque isso melhoraria o funcionalismo público. O problema é, na visão dele, a ausência de oportunidades de defesa do funcionário.

“O texto não deixa claro que o servidor pode exercer o contraditório durante o procedimento, a avaliação. Então, ele fica à mercê do avaliador. Se o chefe não for com a cara do servidor, ele pode mandar para olho da rua”, explica o presidente do Sindilegis.

Mesmo durante o processo de desligamento, não está claro na PEC que o servidor possa questionar o mérito das avaliações. “Ele pode questionar ilegalidades na condução, mas não o mérito. Isso é um absurdo. No máximo, o servidor pode subir para uma instância superior. É julgar uma pessoa à revelia”, sustenta.

Oposição

Parlamentares da oposição também reclamam. O deputado federal Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público (Servir Brasil), tem medo de que a avaliação forme o que ele chama de “tribunais de inquisição contra o servidor público”.

Segundo ele, a maioria dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) faz a gestão de desempenho, e não meramente uma avaliação de desempenho.

“A função da gestão de desempenho não necessariamente é uma punitiva. Quando se fala em gestão de desempenho, você fala de uma de uma maneira de aperfeiçoar o serviço público”, argumenta. “Os critérios para essa gestão de desempenho precisam ser muito objetivos para impedir perseguições políticas”, avisa.

Alison Souza, do Sindilegis, lembra também de outro detalhe dentro do texto atual: o estágio probatório. Há a possibilidade, na opinião do sindicalista, de que o servidor seja dispensado ainda nesse período, e não no fim dele. E, assim, chamar o “próximo na fila” do concurso.

“E isso dá espaço para que o gestor de má-fé possa fazer isso até que chegue, por exemplo, alguém do grupo político dele, um apadrinhado dele na fila do concurso”, destaca.

Esclarecimentos

A avaliação de desempenho não é algo novo. Inclusive, já é utilizada para fins de pagamento de gratificação de desempenho, informa Larissa Benevides, assessora jurídica da Frente Servir Brasil. Segundo ela, agora vieram parâmetros mais concretos de avaliação, que realmente precisam ser aperfeiçoados.

O que preocupa a especialista, no entanto, é a redação aprovada na comissão especial. “O procedimento de desligamento vai poder ser instaurado após dois ciclos consecutivos de avaliação de desempenho ruim ou três intercalados em um período de cinco anos. Pode ser pouco. É algo que precisa ser melhorado”, avisa.

O advogado Fabio Monteiro Lima, especialista em direito público e sócio da Lima e Volpatti Advogados Associados, lembra que o texto, se aprovado, não será colocado em prática imediatamente com os atuais servidores.

“Para os atuais, essa regra terá que compor com as regras que já existem na legislação infraconstitucional”, explica. E também é necessário que muitos pontos sejam esclarecidos, uma vez que mexe diretamente com a estabilidade.

O especialista aponta que o grande problema da avaliação de desempenho é que ela carece de detalhamentos sobre os critérios a serem utilizados para que ela não se torne instrumento de perseguição de servidores por parte dos gestores.

“O problema é como fazer a avaliação. Quais seriam esses critérios? Se não forem bem definidos, corre-se o risco de usar a avaliação de desempenho para demissões em massa ou para perseguir o servidor. Isso não está posto na PEC”, aponta.

De qualquer forma, segundo Monteiro Lima, a avaliação de desempenho é uma realidade no serviço público federal há mais de 20 anos. “Já é um costume para definir a remuneração em várias carreiras”, assegura.

Como é hoje

Atualmente, o servidor só pode ser demitido em caso de sentença judicial definitiva ou infração disciplinar. A demissão por mau desempenho, que já é prevista na Constituição, nunca chegou a ser regulamentada.

A proposta mantém a possibilidade de demissão após sentença judicial e amplia as chances para que a avaliação de desempenho aconteça. O texto também acrescenta a possibilidade de demissão caso o cargo seja extinto ou considerado desnecessário ou obsoleto.

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