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Maia e Guedes querem BC comprando títulos privados

Metrópoles ouviu especialistas para entender no que impacta a ampliação da atuação do Banco Central e suas consequências econômicas

atualizado

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Após dois adiamentos, o Senado deve analisar, enfim, nesta quarta-feira (15/04), a Proposta de Emenda à Constituição nº 10/2020, a PEC do Orçamento de Guerra. A matéria, polêmica, chega para votação ainda sob contestação de alguns senadores, especialmente por ampliar a atuação do Banco Central (BC) e permitir que ele negocie títulos privados no chamado mercado secundário.

A matéria foi apresentada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em articulação com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e, em linhas gerais, estabelece um orçamento paralelo, válido durante a pandemia do novo coronavírus, que suspende restrições constitucionais e legais para atos do governo federal que aumentem despesas ou ampliem incentivos e benefícios tributários.

O ponto referente ao Banco Central, entretanto, causa controvérsia. O Metrópoles ouviu especialistas em economia e direito tributário para entender no que impacta, na prática, a alteração e porque ela causa tanta polêmica no Congresso.

A linguagem técnica pode ser complicada, mas, simplificando, títulos são uma forma de o poder público ou uma empresa captarem dinheiro no mercado, mediante pagamento de juros – no caso das empresas, estas cartas de crédito são chamadas de debêntures. Isso significa que, em vez de pegar um empréstimo com instituição financeira, eles levantam esta quantia com investidores, normalmente com menor custo operacional e condições mais vantajosas.

O investidor pode esperar a data do vencimento, mas, se precisar do dinheiro antes disso, tem a prerrogativa de vender o título para um terceiro, através de uma corretora de valores – no que integra o chamado mercado secundário.

Hoje, o BC pode atuar no mercado secundário, para afetar a taxa de juros colocando dinheiro na economia, mas não compra títulos privados sem intermediação de bancos.

Para o professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas, Mauro Rochin, há risco na alteração. “Envolve risco de dinheiro público colocado em empresa privada. E aí, que risco ele vai aceitar assumir? Que qualidade de crédito? Vai comprar dívida de empresa privada? É uma coisa inédita, Banco Central não sei se tem instâncias competentes para fazer análise de crédito, como faz o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento), por exemplo”, ressaltou.

No substitutivo que pontuou ao texto apresentado na Câmara dos Deputados, o relator no Senado, Antonio Anastasia (PSD-MG), estabeleceu que as operações serão limitadas a algumas modalidades de títulos, que deverão necessariamente ter sido objeto de avaliação de qualidade de crédito por agência internacional de classificação.

As modalidades de crédito admitidas são: debêntures não conversíveis em ações, cédulas de crédito imobiliário, certificados de recebíveis imobiliários, certificados de recebíveis do agronegócio, notas comerciais e cédulas de crédito bancário.

“Entendo a necessidade em um momento de crise, mas vejo com muitas reservas. O Banco Central não é uma instituição pública voltadas para esse tipo de atendimento, é outra coisa, é regulador de mercado financeiro. Ele vai assumir todo o risco das operações, se a empresa quebrar (e não tiver como honrar o título), como vai ser a gestão de risco?”, pontuou Rochin.

O professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luiz Oreiro, por outro lado, se disse “totalmente favorável” à medida, que, segundo ele, alinha a legislação brasileira “à melhor prática internacional”. “Sabemos que essa crise (do coronavírus) vai passar, então fundamental é o Banco Central ficar com o aparelho de respiração”, opinou.

Para ele, a permissão de atuar comprando títulos privados vai garantir liquidez, destravar o mercado de crédito e permitir que a instituição interfira nos juros a longo prazo. “Em momentos de muitas incertezas, mercado de crédito trava, porque os agentes só ficam dispostos a comprar títulos se eles pagarem mais juros.”

Perguntado sobre a possibilidade de o Banco Central assumir riscos de empresas com má gestão ou envolvimento em corrupção, por exemplo, Oreiro avalia que “o risco de deixar empresas sem liquidez é maior”. “É uma situação anormal. Ficar olhando com lupa para ver se a empresa está fazendo falcatrua e deixar as outras morrerem é complicado”, sustentou.

Alteração estrutural
O professor João Manoel Lima, professor de Direito Econômico e Financeiro da FGV do Rio de Janeiro (RJ), alerta para outra questão central do trecho referente ao BC: a alteração nas competências de uma instituição que tem atuação estrutural na economia brasileira.

“É muito importante que a gente consiga definir, principalmente nesse momento, o que são problemas estruturais e perenes e o que são conjunturais. A atuação da autoridade monetária é estrutural, isso deve estar apartado das discussões conjunturais”, avaliou. O Banco Central atuaria, nesses casos, como agente de liquidez.

“Abre-se a possibilidade de uso político desse instrumento de política monetária e de interferência do Congresso no Banco Central (o substitutivo dá aos congressistas o poder de sustar qualquer medida que sejam irregulares ou extrapolem os limites da PEC). Abre um flanco de interferência política da autoridade monetária, que deveria estar o mais insulada possível”, alerta o advogado.

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