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Após reoneração dos combustíveis, governo antevê novos embates entre alas política e econômica

Queda de braços entre áreas política e econômica do governo Lula deve se repetir em temas como reforma tributária e privatizações

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Igo Estrela/Metrópoles
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1 de 1 Imagem colorida de Lula e Gleisi - Metrópoles - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Primeira grande disputa do início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a reoneração dos combustíveis deixou explícita a divisão entre as alas política e econômica do governo. A queda de braços foi travada antes mesmo de Lula assumir, com o núcleo político saindo na frente e conseguindo prorrogar, por 60 dias, a desoneração dos impostos federais sobre os combustíveis.

A desoneração, que havia sido determinada em 2022 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em um contexto eleitoral, foi defendida pelo PT durante a transição, temendo perder apoio entre a classe média e gerar impacto negativo sobre a popularidade do novo governo.

Governo minimiza

Em entrevista na última semana ao colunista do Metrópoles Guilherme Amado, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, foi questionada sobre os embates, mas minimizou:

“Toda decisão de um governo é política. Não tem decisão apolítica, não tem decisão eminentemente técnica. Toda decisão é política. Então, não tem área política, área econômica. Tem, sim, debates dentro de um governo que é um governo de coalizão, que tem disputa de posição”, disse Gleisi.

Por sua vez, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a dirigente petista é uma pessoa de “opiniões fortes”, mas lembrou que ela sabe que quem arbitra as questões é o próprio Lula.

“O importante é que ela defendeu a decisão do presidente Lula. Era o que eu esperava da parte dela, que é uma pessoa que tem opiniões fortes, mas que sabe que a decisão final, quem arbitra os conflitos de posições dentro do governo e fora do governo, é o presidente Lula”, afirmou Haddad em entrevista ao portal Uol.

Na quinta-feira (2/3), ao jornalista Reinaldo Azevedo, da BandNews, Lula foi na mesma linha da presidente do PT e disse que toda decisão de seu governo é política.

“Não houve vitória econômica ou vitória política, porque no meu governo todas as decisões passam por mim”, disse o presidente. “E se passam por mim, todas as decisões, podem ter um resultado econômico, mas são sempre políticas.”

Potenciais atritos futuros

Além da reoneração dos impostos sobre os combustíveis, outros temas ainda devem gerar atritos entre os dois núcleos, começando pela principal reforma encampada pelo governo, a tributária, que precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional.

Nesse tema, a equipe econômica briga pelo aumento na arrecadação federal, medida pouco popular e que deve sofrer resistências de aliados políticos. Além disso, a bancada do Amazonas deve insistir na manutenção da Zona Franca de Manaus.

O secretário especial da Reforma Tributária, Bernard Appy, havia dito que a Zona Franca perderia incentivos de forma gradual. A proposta estipula o fim do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), cuja tributação vale apenas para as empresas que não estão instaladas no polo industrial.

Deputados têm os primeiros estranhamentos no GT da Reforma Tributária

Outro ponto que pode dividir as duas alas é a reversão de privatizações feitas nos últimos anos. Enquanto no discurso público expoentes do PT defendem, por exemplo, a reestatização da Eletrobras, a equipe econômica não dá sinais de que pretende investir nessa pauta.

A independência do Banco Central também tem potencial de voltar ao centro do debate no médio e longo prazo, pois o partido do presidente, historicamente, se posicionou contrário à autonomia da autoridade monetária.

Ainda na seara dos combustíveis, deve haver um debate sobre o papel da Petrobras, a política de preços e até mesmo o montante de investimentos da empresa.

O imposto sobre a exportação de petróleo, recém-anunciado, também não é uma medida com apoio integral da equipe econômica. Quando terminar a validade do imposto, a ala política pode pressionar pela prorrogação, mas não está certo se a ala econômica embarcará.

Na sexta-feira (3/3), o secretário Bernard Appy tentou minimizar a situação e  frisou que o imposto é temporário, só para fechar as contas.

Muito criticado por setores do mercado, o imposto terá alíquota de 9,2% e, em princípio, duração de 4 meses – depois caberá ao Congresso decidir sobre a manutenção do tributo. A expectativa do governo é uma arrecadação de R$ 6,7 bilhões no período.

Divergências ministeriais

O tema do agronegócio também pode gerar conflitos, tendo o vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, em um lado, mais alinhados aos produtores rurais.

Tebet assumiu dizendo, de largada, haver “divergências” dentro da própria área econômica. Ela, porém, contemporizou que as diferenças irão somar.

“Fiquei surpresa, porque fui parar justamente na pauta com a qual tenho alguma divergência, sendo que tenho total sinergia na pauta social e de costumes”, destacou ela na sua cerimônia de posse.

A ministra, por exemplo, é mais resistente à ampliação de programas sociais, visto que não há caixa suficiente. O perfil dela e de outros integrantes da equipe econômica não é totalmente alinhado à política de expansão de gastos buscada por Lula.

Por fim, o debate sobre a âncora fiscal também deve opor os diferentes núcleos, que vão puxar a corda entre o que fica dentro e o que fica fora do teto de gastos.

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O que dizem os especialistas

As divergências entre as alas do governo são contemporizadas pelo presidente da República e também por especialistas. Para o cientista político Creomar de Souza, fundador da Dharma Political Risk and Strategy, como elemento didático, essa separação é bem-vinda, pois exemplifica que há indivíduos tocando agenda política e outros, econômica, mas todas as decisões são políticas.

“Ao final do dia, governos são estruturas decisórias políticas. Então, todos os atores que estão envolvidos no governo são, mesmo que não queiram ser ou queiram negar a política, atores políticos.”

Ele frisa que a questão dos combustíveis não é caso isolado. “Eu creio que essa não vai ser a primeira rusga entre o Ministério da Fazenda e o Partido dos Trabalhadores, mas não tende a ser a última também”.

Em outros momentos, Lula lidou de forma parecida com embates dentro do governo, como nas divergências entre Dilma Rousseff e Marina Silva.

“Lula tem como característica racional essa ideia de que o embate interno é parte do processo de construção criativa do Partido dos Trabalhadores. E ele, como uma espécie de árbitro, deixa que essas forças venham colocando suas proposições, interpretações sobre a realidade para que, a partir daí, no julgamento dele, se tenham as melhores respostas”, avalia Creomar.

Noemí Araújo, também cientista política, explica que divergências são naturais, e encontrar o equilíbrio é sempre o ponto ótimo para qualquer mandato.

“Em se tratando de um governo com caráter mais assistencialista e com maior participação do Estado na economia, essas divergências ficam ainda mais evidentes, ainda mais em um contexto de tentativa de recuperação econômica”, analisa.

Ela lembra que os primeiros governos Lula foram pautados por esse tipo de conflito, inclusive porque o PT possui muitas correntes políticas, algumas mais à esquerda, como a que é vocalizada pela atual presidente, Gleisi. “Mas, importante salientar que, essas pautas mais radicais à esquerda, terão bastante dificuldade para avançar no Congresso Nacional, que possui perfil mais de centro-direita”, pondera.

“A divergência é sempre saudável, ainda mais em uma democracia; e se bem trabalhada pode servir como ferramenta para promover, de fato, um novo governo Lula, mais responsável economicamente. Tanto Alckmin como Tebet são essenciais para esse contrapeso.”

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