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Análise: futuro de Bolsonaro depende do depoimento de Queiroz

Sumido há 10 dias, ex-motorista mantém suspense sobre relação da família do presidente eleito com sua movimentação bancária

atualizado

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Daniel Ferreira/Metrópoles
Diplomação do presidente da República eleito Jair Bolsonaro – Brasília(DF), 10/12/2018
1 de 1 Diplomação do presidente da República eleito Jair Bolsonaro – Brasília(DF), 10/12/2018 - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Quem acompanha política começa a semana na expectativa de, nos próximos dias, conhecer as explicações do policial militar Fabrício Queiroz para a movimentação de R$ 1,2 milhão em sua conta bancária. Em alguns aspectos, o futuro do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), depende do desempenho do PM no esclarecimento dos fatos.

Sobrou para Queiroz a missão de apontar o grau de envolvimento da família Bolsonaro com o fluxo financeiro “atípico” detectado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). O próximo chefe do Executivo nacional aumentou a curiosidade pública ao dizer que, se encontrado “algo errado” nessa contabilidade, ele, o policial e o filho Flávio (PSL-RJ) – deputado estadual, senador eleito e antigo patrão do militar – terão de pagar a conta. “Se algo estiver errado, seja comigo, com meu filho ou com o Queiroz, que paguemos a conta deste erro, porque nós não podemos comungar com o erro de ninguém”, declarou.

Resta, então, ao ex-motorista da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) apresentar sua versão sobre os fatos. Todas as hipóteses especuladas desde 6 de dezembro, quando o caso foi divulgado pelo Estado de S. Paulo, provocam danos na liderança do futuro titular do Palácio do Planalto.

No melhor cenário, Queiroz assume a responsabilidade por todo o dinheiro em sua conta e justifica os repasses feitos depois de receber depósitos de funcionários do presidente eleito e de Flávio Bolsonaro. Nesse caso, para ser convincente, o PM terá de comprovar a destinação alegada para o dinheiro, boa parte sacada em espécie.

Se for bem-sucedido, o policial livrará a família Bolsonaro da suspeita de uso do salário de servidores públicos para a formação de caixinha nos gabinetes. Para corrigir eventuais “erros”, Queiroz se acertaria com a Receita Federal.

O policial militar precisará, ainda, demonstrar que pegou empréstimos no total de R$ 40 mil com Jair Bolsonaro. Assim, afiançará que o futuro líder da nação brasileira falou a verdade quando reagiu ao primeiro questionamento referente à transferência de R$ 24 mil de Fabrício Queiroz para a conta de Michelle, futura primeira-dama. Para o bem do país, não deve pairar dúvidas sobre a palavra do próximo presidente da República.

Discurso deve condizer com a prática
Ao não produzir explicações para o flagrante do Coaf, a cúpula do futuro governo permitiu projeções pessimistas para o caso do motorista. Bolsonaro lamentou o impacto negativo do episódio no discurso de combate à corrupção alardeado em sua campanha eleitoral.

Se o depoimento de Queiroz deixar brechas nessa direção, o futuro governo terá mais razões para se preocupar. Qualquer evidência de que a família Bolsonaro se beneficiou dos salários de seus assessores, por exemplo, causaria estragos consideráveis na autoridade do presidente eleito. Deve-se aqui registrar que, até agora, não surgiram fatos que confirmem a participação do pai ou do filho em práticas irregulares.

Mesmo que não configure ilegalidade, a permissividade na administração das verbas dos gabinetes representa um mau exemplo por parte de quem se elegeu com o compromisso de moralizar o país e equilibrar as contas públicas. Complicado justificar, por exemplo, a contratação de funcionários que não batem ponto nos gabinetes – e depois depositam parte do salário na conta de Queiroz.

Os sucessivos mandatos parlamentares proporcionaram a Bolsonaro e filhos uma sólida estrutura política financiada com dinheiro público e generosa em cargos distribuídos entre amigos. Assim, fica mais difícil convencer os brasileiros a fazer sacrifícios.

Legitimidade
Recorde-se que o pacote de medidas preparado pela equipe econômica de Paulo Guedes inclui reforma na Previdência e revisão dos direitos trabalhistas. Fala-se, ainda, em aumento de impostos.

Em uma perspectiva mais grave, o depoimento e as investigações sobre as revelações do Coaf deixam perguntas sem respostas ou, pior ainda, comprometem os Bolsonaro com irregularidades. Nessas circunstâncias, o futuro governo ficaria mais próximo do mundo da velha política, representado no Congresso pelos partidos fisiológicos, que funcionam sob as regras do toma-lá-dá-cá.

Pendurados em verbas e cargos públicos, parlamentares e integrantes do futuro governo perdem legitimidade para cortar privilégios de servidores civis e militares. Na dependência de recursos federais e estaduais, ficam todos um pouco parecidos.

Essas circunstâncias, ressalte-se, contrariam as promessas de enxugamento da máquina administrativa defendidas pelo mercado e apoiadas nas urnas pelos eleitores. Sinalizam, também, a continuidade do aparelhamento político do Estado, com simples mudança do grupo dominante.

Cadê o motorista?
A divulgação das contas de Queiroz serviu, de imediato, para expor o modo de agir do futuro governo diante de notícias indesejáveis. Importante observar, como característica mais marcante, o desaparecimento do policial militar. Não se sabe para onde foi, quem contribuiu para o sumiço, nem o que está fazendo.

Supõe-se que o ex-motorista de Flávio esteja preparando seu depoimento para o Ministério Público. Mas não se tem a mínima ideia sobre em que condições faz isso, na companhia de quem ou, mesmo, se sofre alguma pressão.

Em entrevista ao jornalista Pedro Bial, da TV Globo, o general da reserva Alberto Heleno deu o tom da reação de Bolsonaro. Disse que o futuro chefe não teve participação nas movimentações de Queiroz e acrescentou: “O que apareceu dele é irrisório”.

Escolhido para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), um dos postos mais próximos do presidente da República, Heleno estabeleceu com sua declaração um patamar para as práticas aceitáveis por parte dos integrantes do governo. A fixação desse padrão de tolerância é consequência direta da revelação da movimentação financeira de Queiroz.

A turma acostumada a viver das benesses do Estado gostou da postura do grupo de Bolsonaro. Os próximos desdobramentos do caso do motorista vão determinar, em grande parte, a capacidade dos eleitos de dar o rumo da política nacional e implementar os planos da equipe econômica.

Nesse contexto, antes de mais nada, espera-se que Queiroz venha a público dar suas explicações. Só assim os brasileiros terão a chance de dimensionar a importância das revelações do Coaf para o próximo governo. Ainda mais relevante, o desaparecimento do ex-motorista prorroga as dúvidas sobre o uso de dinheiro e cargos públicos pelo grupo mais fechado em torno do presidente eleito.

Reprodução/Facebook
Fabrício Queiroz com o ex-chefe Flávio Bolsonaro, filho do presidente eleito

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