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Nos EUA, Bolsonaro quer tornar realidade aliança prometida com Trump

Entre os principais tópicos de discussão estão o acordo para uso da base de Alcântara e a derrubada da necessidade de visto para os países

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Presidente Jair Bolsonaro
1 de 1 Presidente Jair Bolsonaro - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

A viagem do presidente Jair Bolsonaro (PSL) aos Estados Unidos, que começa neste domingo (17/3) está carregada de expectativas e simbologia. É a primeira viagem de caráter bilateral do mandatário brasileiro e não é surpresa que o destino escolhido tenha sido o vizinho ao Norte. Desde a campanha eleitoral, Bolsonaro deixou clara a sua admiração pelo presidente Donald Trump e a prioridade que os americanos teriam na agenda externa brasileira. Prioridade constantemente reforçada também em discursos e manifestações do chanceler, Ernesto Araújo.

Jair Bolsonaro ficará hospedado a poucos metros da Casa Branca, na Blair House, um complexo de casarões do século XIX, na avenida Pensilvânia, residência oficial para os convidados do presidente americano. Sem dúvida, uma deferência ao visitante. Será uma visita curta, com chegada prevista para a noite do dia 17/3 e retorno para o Brasil na noite do dia 19/3. Mas a agenda está cheia de compromissos e temas. Na pauta, se sobressaem dois assuntos: o chamado Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), para uso comercial pelos americanos da base de lançamento de foguetes em Alcântara, no Maranhão, e a Venezuela.

Ao que parece, está tudo preparado para a assinatura do AST, segundo informações do porta-voz, general Rêgo Barros, e do embaixador brasileiro em Washington, Sérgio Amaral, que deu entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, revelando detalhes do esboço do acordo. O uso comercial da base de Alcântara é cercado de controvérsia desde a primeira tentativa de acordo, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso. Aquele acordo incluía a concessão de áreas que ficariam sob controle direto dos americanos. O Congresso brasileiro não aprovou o texto. Agora, pelo pouco que foi divulgado, a proposta garante total proteção de conteúdo com tecnologia americana usado no lançamento de foguetes e mísseis, mas não inclui cessão de território. Haveria, porém, restrições de acesso à base. Seria permitida a entrada de pessoas credenciadas pelos dois governos e o território continuaria sob jurisdição brasileira.

A Base de Alcântara sempre foi um ativo competitivo para o Brasil no mercado mundial de lançamento de foguetes. A base fica próxima à linha do Equador, onde a velocidade de rotação da Terra auxilia o impulso dos lançadores. Isso proporciona uma economia de combustível de até 30%. Apesar dessa vantagem, a base, inaugurada em 1983, sempre teve que lidar com problemas logísticos e tecnológicos. Em agosto de 2003, uma tragédia abalou o programa espacial brasileiro. Um Veículo Lançador de Satélites explodiu, três dias antes do lançamento, matando 21 técnicos, engenheiros e cientistas. Para adicionar mais polêmica à relação Brasil-Estados Unidos neste tema, o site WikiLeaks divulgou, em 2011, documentos diplomáticos oficiais dos americanos, revelando que eles não aprovavam o desenvolvimento de um programa brasileiro de foguetes espaciais.

É preciso, claro, conhecer os detalhes do acordo. Mas, por ser um tema tão sensível, ele já desperta preocupações entre aqueles que terão que lidar com seus efeitos. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), em entrevista ao Metrópoles, disse considerar “positivo” o uso comercial da base e reconhece a necessidade de “cooperação internacional, considerando que ela vive praticamente “uma estagnação desde 2003 (ano do desastre)”. Ele pondera, porém, que “o acordo não pode seguir a lógica de enclave”.

“É claro que tem de haver a proteção de propriedade intelectual. Mas a autoridade sobre o território, o controle de acesso tem que ser do Brasil. É como numa corrida de Fórmula 1. O Brasil não vai entrar no box da Ferrari e abrir o motor do carro. Mas o autódromo é brasileiro e o controle de acesso também”.

Outra preocupação do governador é que não haja novas remoções de moradores e comunidades tradicionais das proximidades da base, como houve ao longo das últimas décadas. Na época, Dino era juiz e atuou em várias das causas de remoções de pescadores e quilombolas. “Não há necessidade de território novo. Espero que o acordo se circunscreva à proteção de propriedade intelectual”, afirmou o governador.

Segundo a ONG Uma Gota no Oceano, existem 3.500 famílias de quilombolas na região, uma das maiores concentrações do Brasil, cuja origem remonta ao século XVII. As famílias já vivem um clima de tensão sobre o que o acordo poderá vir a prever em termos de uso do território próximo à base. Nos anos 1980, 312 famílias foram expulsas da área.

Diplomacia
O outro ponto que mobiliza as chancelarias dos dois países é a Venezuela e seu labirinto aparentemente sem saída, diante do nível de radicalização dos atores envolvidos. A preferência de Estados Unidos e Brasil é clara: que Nicolás Maduro deixe o poder (ou seja retirado) e seja substituído pelo presidente da Assembleia Nacional venezuelana, Juan Guaidó (que se autoproclamou presidente interino, em janeiro, sendo reconhecido por vários países, entre eles Brasil e Estados Unidos).

O problema é que ninguém sabe como fazer isso, sem o risco de agudizar o conflito no país com quem compartilhamos mais de dois mil quilômetros de fronteira. No episódio recente de envio de “ajuda humanitária” para a população venezuelana, comandado por Guaidó, ficou evidente que Maduro ainda tem meios de permanecer no poder, não se sabe até quando. O opositor esperava a deserção em massa de militares de alta patente, o que não aconteceu. Sem esses militares, não há “regime change” na Venezuela.

As diplomacias brasileira e americana sabem disso. E, por isso, continuam abertos canais de comunicação entre militares brasileiros e venezuelanos. É a “diplomacia militar” a que se referiu recentemente o porta-voz do presidente, general Rêgo Barros. O presidente Bolsonaro terá um encontro com o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, Luís Almagro, crítico ferrenho de Nicolás Maduro e que já falou em intervenção na Venezuela.

Ninguém é capaz de prever por quanto tempo a Venezuela continuará perdida em seu labirinto, num jogo de esquenta e esfria da turbulência política e econômica que só agrava o desespero da população. Diante de um quadro tão complexo, o que se pode esperar é apenas a escalada retórica que faz sucesso em redes sociais, mas que não é capaz de romper o impasse.

A viagem também poderá resultar em outros acordos, nas áreas comercial, tributária e de segurança, por exemplo. Um deles já foi antecipado por Jair Bolsonaro: o fim da exigência de visto para cidadãos americanos que queiram vir ao Brasil, sem a contrapartida do mesmo benefício para os brasileiros que queiram visitar os Estados Unidos, postura bastante criticada por seus opositores quem veem aí uma postura de subserviência.

Um vitória brasileira seria uma declaração de apoio de Donald Trump à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), clube dos países mais ricos do mundo. No entanto, Trump já fez essa deferência à Argentina. Se não fizer o mesmo em relação ao Brasil, o presidente norte-americano poderia fazer outro agrado, como promover o Brasil à categoria de aliado dos Estados Unidos “extra” OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), a poderosa aliança militar do Ocidente.

Enquanto diplomatas dos dois países fazem os últimos ajustes da agenda e das possibilidades de cooperação, já se sabe que a visita tem tudo para ser um sucesso de relações públicas, digamos assim. Bolsonaro – que até já bateu continência para a bandeira americana – é fã de Trump e, ao que parece, vice-versa. Trump sabe e gosta da comparação entre ambos. Já disse que Bolsonaro é “grande novo líder”. Tem tudo para dar “match” e render muitas fotos e memes nas redes sociais.

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