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Mulheres agredidas por policiais em barco no Pará choram ao relatar violência

Lília Batista diz ter sido pisoteada pelos policiais. A irmã e a sobrinha dela também foram atacadas. Briga começou por causa de uma rede

atualizado

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agressão pará policial
1 de 1 agressão pará policial - Foto: reproduçao

Espancada por policiais civis na última quarta-feira (16/12), em uma embarcação que fazia o trajeto de Breves, na Ilha do Marajó, a Belém (PA), a autônoma Lília Batista, de 34 anos, relata um misto de medo, dor e insônia. Ela ia à capital do Pará, no intuito de realizar um tratamento, uma vez que estava com hemorragia e ainda apresentava sintomas do novo coronavírus, mas foi parar na delegacia após confusão com agentes da Polícia Civil.

Tudo começou por causa da colocação de uma rede – como a viagem dura horas, é comum que passageiros montem redes para descansarem durante o trajeto. Lília teria pedido para uma mulher se afastar para o lado, mas as duas se desentenderam, e os policiais civis que estavam na embarcação intervieram na discussão, deram voz de prisão à autônoma e ainda a agrediram. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram trechos da ação.

“Eu não tinha feito nada, mas fui esganada, pisoteada, totalmente agredida pelos policiais. Como que a gente vai dormir?”, questionou Lília, em conversa com o Metrópoles, nesta sexta-feira (18/12). “O choque continua. É complicado: pela covardia, pelo constrangimento, por tudo que eu passei. Eu fico com medo. Se, no meio de muita gente, fizeram aquilo, imagina se eu estivesse só?”, complementa a mulher.

Lília Batista diz se sentir injustiçada, indignada e, o pior de tudo, frustrada, “porque o nosso direito como cidadão não funciona”. Os policiais estavam armados e chegaram a levantar a arma contra a mulher. Nas imagens, é possível ver que um deles chega a puxar os cabelos da autônoma.

Após a agressão, os policiais teriam a levado para uma delegacia e, supostamente, obrigado Lília a gravar um vídeo com pedido de desculpas.

“Falaram simplesmente para eu sair do barco porque eu estava presa, mas eu não tinha feito nada. Aí, quando chegou lá na delegacia, eles me coagiram, simplesmente. Eu fui ouvida pelo delegado, mas o delegado falou para mim que isso não ia dar em nada, mas que, se eu quisesse ,era bom parar por ali, porque eu ia me cansar, porque não ia dar em nada, pois os dois são policiais”, conta.

Os três policiais civis – dois investigadores e um escrivão lotados na cidade de Portel, no Marajó – foram afastados das funções após serem autuados em flagrante pelo artigo 33 da Lei nº 13.869, de 2019, que dispõe sobre abuso de autoridade, e pelo artigo 129 do Código Penal Brasileiro, pelo crime de lesão corporal. Eles também responderão procedimento administrativo disciplinar.

“Além da justiça de Deus, isso não vai ficar impune. Se eu me calar, vão fazer isso com várias e várias e várias pessoas. E eles [policiais] são seres humanos como nós, apesar de terem uma arma e um símbolo que mostra que são da polícia. Mas não têm direito de fazer isso com ninguém, independentemente se é negro, branco, rico, pobre… Eu estou com meu pescoço todo roxo, com a minha língua cortada”, prossegue a vítima.

Jessica e Sielle Souza, sobrinha e irmã de Lília, estavam no navio e também foram agredidas, ao tentarem ajudá-la. “No momento que vi que eles estavam enforcando a minha irmã e ela estava ficando sem ar, eu gritei, pedi por favor, se eles podiam soltar ela, mas eles partiram para cima de mim, me deram um tapa no meu rosto e fiquei muito atordoada, porque foi tão forte e eu não sabia os motivos”, conta a sobrinha.

Jessica conta também que está muito abalada com a situação e que ainda não conseguiu dormir nem comer desde quarta-feira. Ela tem ficado ao lado da tia nesses momentos, e disse que todas estão “à base de remédios”. As três deixaram a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) na quinta-feira (17/12). “Não sei o que eu faço agora. Vou viver com medo, com um trauma. Vou ter que passar por psicólogo”, relata a jovem.

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“As cenas não saem da minha cabeça”, complementa Sielle. “O que eu presenciei, o que esse monstro fez com minha irmã, para mim não está sendo nada fácil. Eu vi ele tentando estrangular ela e, depois, ele me deu também um empurrão e me puxou. Estou com meus braço inchados. Não consegui dormir naquela noite, ontem também não consegui dormir. Fiquei traumatizada”, conta a mulher, ao parar o relato para chorar.

“Acredito que, se eu não tivesse me metido, não sei o que teriam feito, porque ninguém quis tentar intervir, pois eles estavam intimidando as pessoas que estavam ali. O que eu vi ali foi que ele ia matar ela. Como ela ia sair do barco se ele estava dando a gravata nela e ela revirando os olhos? E eu dizendo: ‘Larga ela, larga ela’. Para mim, sinceramente, foram cenas de terror”, finaliza a mulher.

Versão oficial

Segundo a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) do Pará, os três policiais foram abordados por uma equipe da Divisão de Crimes Funcionais (Decrif) assim que a embarcação atracou no porto da capital, e encaminhados para a Delegacia Geral, onde houve as oitivas de todos os envolvidos.

“Eles foram afastados de suas atividades-fim, sendo retiradas as carteiras funcionais e os armamentos, para que eles possam aguardar a conclusão desses procedimentos sem exercer as suas atividades, como prevê a lei. Os três estão à disposição da corregedoria até que os fatos sejam apurados. Foi arbitrada fiança, como prevê a lei, para crimes que não somam quatro anos de penalidade”, prosseguiu a corporação.

O secretário de Segurança Pública e Defesa Social, Ualame Machado, lamentou o ocorrido, e informou que todas as medidas foram tomadas de forma imediata. “Primeiramente, é lamentável o episódio ocorrido dentro da embarcação no Marajó, fato dessa natureza não caracteriza atuação de quaisquer das forças de segurança do Estado”, sustentou.

“Com relação ao vídeo gravado no interior da Delegacia de Breves, este fato está sendo apurado pela Corregedoria Regional de Breves. De fato, é um episódio que foge à regra dos procedimentos. Se houve algum acordo interno na delegacia entre as partes, isso deveria ter ficado registrado formalmente e não em um vídeo gravado pelas partes. Essa conduta da gravação de um vídeo no interior da delegacia, sem procedimento correto, está sendo apurado pela corregedoria regional de Breves, em procedimento à parte”, destacou.

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