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Planalto muda estratégia e quer pioneirismo na vacinação contra a Covid-19

Presidência está incomodada com arrancada do governo de São Paulo. Técnicos do Ministério da Saúde relatam dificuldades para traçar plano

atualizado

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Igo Estrela/Metrópoles
posse ministro pazuello saude 3
1 de 1 posse ministro pazuello saude 3 - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Uma disputa política tem embaralhado ainda mais o já atravancado plano de vacinação contra a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, elaborado pelo Ministério da Saúde. Após um ignorar a importância da imunização, o governo federal agora quer iniciar a aplicação das doses o quanto antes.

Não se trata necessariamente de uma mudança de entendimento sobre a fase da doença ou de aceitação dos conceitos da comunidade médica, mas sim, uma corrida para ser o pioneiro na imunização e obter ganhos políticos.

Segundo técnicos do Ministério da Saúde ouvidos pelo Metrópoles, o Palácio do Planalto tem cobrado agilidade na vacinação. É que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) estaria incomodado com a arrancada do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que pretende começar a imunização em 25 de janeiro e já está produzindo doses da vacina chinesa Coronavac.

Contudo, contam os técnicos, a pasta tem dificuldade de fechar a campanha por problemas como falta de doses — o governo apostou integralmente na vacina produzida pelo laboratório AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford —, além de haver ainda indefinições do público prioritário a receber a proteção.

Nessa disputa de poder, o Rio de Janeiro pode levar vantagem. Caso o governo consiga iniciar a vacinação em dezembro, como tem planejado no cenário mais otimista, os fluminenses seriam os primeiros a receberem doses da vacina da Pfizer. A compra de 70 milhões está em negociação, mas o laboratório alerta que o insumo pode estar disponível apenas em janeiro de 2021. O prazo contraria a expectativa presidencial.

Mesmo não podendo distinguir ou privilegiar unidades da Federação, o presidente Bolsonaro e seus auxiliares acreditam que seria uma vitória política importante iniciar a vacinação no Rio de Janeiro por ser o reduto eleitoral do clã Bolsonaro, além de tirar a dianteira de São Paulo. Durante a batalha, o governo já estabeleceu prazos para vacinação como março, fim de fevereiro, janeiro e dezembro de 2020.

Segundo fontes ligadas ao presidente, uma fator fez com que ele mudasse de rota. Pesquisas de opinião indicam que a maior parcela da população deseja a vacina e que a resistência do governo estaria alavancando a impopularidade de Bolsonaro.

“Existe agora um desentendimento entre os integrantes da equipe que elaboram o plano de vacinação. Os que estão mais ligados ao governo, querem uma imunização quase que ‘instantânea’ para não deixar o ‘adversário’ ganhar. Do outro lado, os que se debruçam mais à teoria científica, pedem a compra de vacinas de outros laboratórios e uma estruturação melhor do plano. Dois discursos que não têm se equilibrado”, explica uma fonte da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde.

De fato, após meses de negativa, a pasta, chefiada pelo general Eduardo Pazuello, passou a tratar com maior prioridade a imunização dos brasileiros. “Até mesmo o discurso do ministro ficou mais otimista [em relação à vacina]. As reuniões e as declarações públicas sobre isso fiaram mais comuns”, salienta um técnico.

Uma fonte da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde vaticina a intenção do governo. “Neste momento, o pioneirismo em vacinar será muito usado eleitoralmente. Para o governador de São Paulo, imunizar primeiro significa uma arrancada sobre o presidente. Da mesma forma que tirar esse posto dele é um trunfo de Bolsonaro”, avalia.

Apesar da leitura, o técnico pondera que a discussão ganhou rumos inadequados. “Não deveríamos estar falando em quem vai vacinar primeiro, mas sim, no plano nacional, na distribuição igualitária para os estados, na compra de mais de uma vacina, na defesa da vida e da saúde”, critica.

Para ele, servidor de carreira com mais de 15 anos de experiência, a disputa política pode criar um cenário em que determinados estados consigam vacinar suas populações e outros enfrentarão maior dificuldade.

“Essa falta de sintonia pode penalizar duramente parcelas da população. Cada estado fará sua vacinação, com seu plano? Quem será prioridade? Qual vacina será mais usada? Como será o controle?”, questiona.

Otimismo no Rio

A Secretaria Estadual de Saúde de Rio de Janeiro não comenta o assunto. Contudo, por lá é grande o otimismo para que o estado o propulsor da imunização.

A expectativa ganha ainda mais fôlego quando é observado o atual cenário da doença no estado: aumento de casos, de mortes e alta expressiva na ocupação de leitos de unidades de terapia intensiva (UTIs).

O Gabinete do Governo do Rio de Janeiro afirmou que “está em diálogo permanente com o Ministério da Saúde” e aguarda a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a vacina apta para a imunização da população contra a Covid-19. O estado comprou de 20 milhões de agulhas e seringas, com entrega de cinco milhões ainda em dezembro.

Mesmo sem chancelar a intenção do governo federal, o governo fluminense tem agilizado critérios para uma campanha de imunização.

O governador em exercício Claudio Castro (PSC), simpático ao clã Bolsonaro, se reuniu com representantes do grupo de trabalho criado para planejar e acompanhar a implementação do Plano Estadual de Imunização.

“Castro alinha com os secretários e técnicos das pastas envolvidas a definição de grupos prioritários, as fases de imunização, entre outros pontos. O governo pretende começar a primeira fase com idosos e grupos de risco, além de profissionais da Saúde e da Educação”, informou o gabinete do governador, em nota.

O governo articula também com associações comerciais e empresas que administram estacionamentos de shoppings e mercados para que esses locais possam ser utilizados para imunizar a população, ampliando a capacidade do que já é oferecido na rede de Saúde.

Isolamento

A discussão ocorre em meio a uma escalada do aumento de casos e de mortes por Covid-19. O país, segundo especialistas, está vivendo uma segunda onda da doença, ou um repique de infecções, como prefere parte da comunidade médica-científica.

Enquanto a vacina é incerta, infectologistas defendem o isolamento social como a melhor alternativa para prevenção e controle da enfermidade. No Brasil, mais de 6,5 milhões de pessoas já adoeceram e quase 180 mil morreram.

Para especialistas, a atitude impacta na curva de contaminação e óbitos da doença. Breno Adaid, professor-pesquisador do Programa de Ciências do Comportamento da Universidade de Brasília (UnB), explica que o confinamento, por exemplo, ajuda na proteção das pessoas.

“Quanto mais gente se movimentando e se aglomerando maior oportunidade para o vírus encontrar gente que ainda não foi contaminada, ou seja, favorece bastante uma aceleração de casos”, pondera.

Para ele, a conscientização ainda  é o maior problema. “Os principais desafios do Brasil continuam sendo os mesmos do começo da pandemia: conscientização e informação. Não tem lockdown que segure quem quer se aglomerar”, frisa.

O médico José David Urbaez, diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, se diz preocupado com o panorama atual. Para ele, o Brasil nunca cumpriu de maneira correta as regras de isolamento. O especialista indica que, para funcionar, ao menos 70% da população precisa estar confinada.

“O dado da pesquisa representa a realidade que sentimos no cotidiano. Por pressão da economia, a abertura de atividades foi ocorrendo sem avaliações técnicas da pandemia”, critica.

José David acredita que a maior dificuldade será coordenar estados, municípios e o governo federal para uma rota segura. “É preciso uma intervenção do Estado, do governo federal, no dia a dia para que a população entenda e consiga ser aliada no manejo do quadro sanitário”, afirma.

Versão oficial

A reportagem questionou o Ministério da Saúde sobre o tema, mas não obteve resposta. O espaço continua aberto a esclarecimentos.

A Anvisa autorizou no Brasil o uso emergencial de vacinas contra a Covid-19. Para uso, serão considerados dados de estudos não clínicos e clínicos, de qualidade, boas práticas de fabricação, estratégias de monitoramento e controle e resultados provisórios de ensaios clínicos, entre outras evidências científicas.

O governo federal pretende editar uma Medida Provisória (MP) para “requisitar” vacinas autorizadas, registradas e produzidas no Brasil. O documento é uma ferramenta para centralizar no Ministério da Saúde a vacinação contra a Covid-19.

A informação foi adiantada por Eduardo Pazuello, ao governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), nesta sexta-feira (11/12), em Goiânia. O anúncio veio um dia depois que o governador de São Paulo, João Doria, anunciar o início da produção da Coronavac pelo Instituto Butantan.

Caiado usou as redes sociais para comentar os planos do governo federal. “Toda e qualquer vacina registrada, produzida ou importada no país será requisitada, centralizada e distribuída aos estados pelo Ministério da Saúde. Nenhum estado vai fazer politicagem e escolher quem vai viver ou morrer de Covid-19”, escreveu.

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