Em outubro de 2021, Bento Albuquerque, então ministro de Minas e Energia, esteve em Riad para participar do fórum promovido pela Arábia Saudita para discutir iniciativas de energia verde. Ele teve reuniões bilaterais com o príncipe Abdulaziz bin Salman Al Saud, Ministro de Energia do reino asiático, e com Yasir Al-Rumayyan, que preside o conselho da Aramco, a poderosa companhia petrolífera estatal do país. Na volta pra casa, no dia 26/10, sua comitiva tentou entrar ilegalmente no Brasil com joias avaliadas em R$ 16,5 milhões, um suposto presente do governo saudita para o então presidente Jair Bolsonaro (PL) e a então primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL), como revelou o Estadão na última semana.
Parte dessas joias ficou apreendida, enquanto outra parte chegou ao ex-presidente. Um pacote, composto por colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes, ficou no Aeroporto Internacional de Guarulhos (GRU). Os objetos foram encontrados por agentes da Receita Federal na bagagem de Marcos Soeiro, assessor de Bento Albuquerque. O ministro, ao saber da apreensão, retornou à alfândega e forçou o cargo no governo federal para tentar, sem sucesso, reaver as joias sauditas. Dentre os argumentos, estava o de que tratava-se de um presente.
No Brasil, a Receita Federal determina que qualquer bem com valor superior a US$ 1 mil seja declarado ao entrar no país. Caso optasse por declarar as joias, o clã Bolsonaro precisaria pagar um imposto de importação, que equivale a 50% do valor estimado dos objetos. Para recuperá-los, além da taxa, seria necessário pagar multa de 25% pela apreensão.
Bento Albuquerque se defendeu. O ex-ministro confirmou que trouxe as joias para Michelle, além de um relógio para o próprio Bolsonaro, mas alega que os objetos estavam num pacote fechado e, dessa forma, não tinha conhecimento sobre o conteúdo. As joias foram detectadas graças ao equipamento de raio-x. Quando ainda ocupava o Palácio do Planalto, o ex-presidente tentou reaver as joias em oito ocasiões.
No dia 3/11 de 2021, o Ministério das Relações Exteriores solicitou à Receita que tomasse “providências necessárias” para a liberação. O órgão respondeu que só liberaria as joias mediante quitação dos impostos e da multa.

Após quatro tentativas, deferidas no intervalo de um mês após a apreensão das joias, Bolsonaro demitiu José Barroso Tostes Neto, então secretário da Receita Federal. Em suas ofensivas pelas joias, o então presidente acionou ministérios (além do MRE, Economia e Minas e Energia), o próprio gabinete e militares ligados ao governo federal.
No dia 29/12 do ano passado, a três dias de deixar a Presidência e na véspera do seu retiro nos Estados Unidos, ele enviou um primeiro-sargento da Marinha ao aeroporto para tentar recuperar as joias. O servidor se chama Jairo Moreira da Silva e estava sob comando do então chefe da Ajudância de Ordens, tenente-coronel Mauro Cid. Ele é investigado por suspeitas de caixa 2 no Palácio do Planalto, conforme adiantou a coluna do jornalista Rodrigo Rangel, do Metrópoles.
Jairo voou num avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e tentou recuperar os objetos, argumentando que nada do governo anterior poderia ficar para o próximo. O uso de militares nas tentativas de recuperar os objetos foi relevado pelo general Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo de Bolsonaro.
Outro pacote
Já o segundo pacote de joias, de acordo com informações atribuídas à PF pelo G1, foi listado no acervo privado de Bolsonaro. Caso não quisesse pagar o imposto de importação, a alternativa seria declarar os objetos como presentes de governo, mas isso faria com que as joias se tornassem propriedade do Estado brasileiro.

O estojo, composto por relógio com pulseira de couro, par de abotoaduras, caneta rosa gold, anel e um masbaha rose gold, todos da marca suíça Chopard, está com paradeiro desconhecido. Não sabe-se se ficou no Brasil ou se está nos EUA, com o ex-presidente.
Os itens de luxo foram entregues ao ex-presidente Bolsonaro no dia 29 de novembro de 2022, pela comitiva do ex-ministro Bento Albuquerque. O recibo das joias entregues no Palácio da Alvorada foi assinado por Rodrigo Carlos do Santos, funcionário do Gabinete de Documentação Histórica da Presidência.
O documento contraria a versão do ex-presidente sobre o caso. “Estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não pedi e nem recebi. Vi em alguns jornais de forma maldosa dizendo que eu tentei trazer joias ilegais para o Brasil. Não existe isso”, disse Bolsonaro, em evento conservador realizado nos EUA.
CGU
Enquanto isso, a Controladoria Geral da União (CGU) abriu uma investigação sobre o caso, com objetivo de colher informações sobre a atuação de servidores e autoridades nas tentativas de entrada e recuperação das joias. Trata-se de uma Investigação Preliminar Sumária (IPS), com caráter preparatório e não punitivo, como esclareceu o órgão de controle.
A Polícia Federal disse que pedirá depoimento de Bolsonaro, Michelle e Bento Albuquerque, além de ex-assessores do ex-presidente e do ex-ministro. O inquérito foi aberto nessa segunda (6/3), a pedido do Ministério da Justiça. A deputada federal Luciene Cavalcante (PSol-SP) enviou ofício cobrando esclarecimentos à Embaixada da Arábia Saudita sobre o caso, mas até o momento não obteve retorno.
Wassef diz que família declarou presentes
Representante da família Bolsonaro, o advogado Frederick Wassef divulgou nota, na noite dessa terça-feira (7/3), sobre o caso. Ele afirma que o ex-presidente agiu dentro da lei e “declarou oficialmente os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens, não existindo qualquer irregularidade em suas condutas”.
Michelle chegou a ironizar o assunto nas redes sociais. “Quer dizer que eu tenho tudo isso e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein?! Estou rindo da falta de cabimento dessa impressa (sic) vexatória”, escreveu a ex-primeira-dama no Instagram.
E agora?
Agora, os órgãos de investigação e controle buscam decifrar os detalhes do caso. Polícia Federal e CGU são dois dos interessados em entender como tudo ocorreu e, se, por acaso, existe de fato um segundo pacote e onde ele estaria.