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Menina espancada até a morte era proibida de brincar e vivia sob medo

Metrópoles conheceu a casa onde Ketelen Vitória da Rocha, de 6 anos, vivia com a mãe, madrasta e “avó”, e o quarto onde foi torturada

atualizado

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Reprodução redes sociais
Ketelen Vitória Oliveira da Rocha, de 6 anos, que morreu por agressão em Porto Real, no Rio
1 de 1 Ketelen Vitória Oliveira da Rocha, de 6 anos, que morreu por agressão em Porto Real, no Rio - Foto: Reprodução redes sociais

Rio de Janeiro – O imóvel nº 883 chama atenção de quem chega na Rua Onze, no bairro das Acácias, em Porto Real, no Sul Fluminense, por dois motivos: além de ser a única casa erguida naquela margem da via, é também o local onde a menina Ketelen Vitória Oliveira da Rocha, de 6 anos, foi espancada até a morte pela mãe, Gilmara Oliveira de Farias, de 27 anos, e pela madrasta, Brena Luane Barbosa Nunes, de 25.

As duas foram presas em flagrante e vão responder por homicídio triplamente qualificado e tortura, crimes que chocaram os moradores do local e repercutiram no Brasil inteiro. A violência acontecia com a conivência da “avó”, Rosângela Nunes, de 50 anos, mãe de Brenda e presa na noite da última quarta-feira (28/4), horas depois de receber a equipe do Metrópoles em casa.

A auxiliar de serviços gerais tentou justificar sua omissão em não denunciar as agressões na menina que presenciou, alegando que, se falasse, também seria espancada. Ela admitiu que teria incitado a briga que desencadeou a última onda de violência contra Ketelen.

Vizinhos que vivem do outro lado da rua contam que nunca perceberam a presença de uma criança naquela casa, que estava sempre com uma lona preta impedindo a visão da rua e com o som sempre em alto volume. Os sinais da presença de Ketelen no ambiente, que já eram poucos, foram banidos por Rosângela após a morte da menina.

Ao entrar no terreno e no interior da casa, é impossível não observar a falta de brinquedos, seja no quintal ou nos quartos. Rosângela ainda jogou fora ou escondeu qualquer vestígio da passagem de Ketelen por ali, restando apenas um tênis infantil, um short jogado em um matagal nos fundos do imóvel e o colchão onde a garota dormia, arremessado no mesmo barranco onde a criança também já teria sido jogada pela mãe e pela madrasta.

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“Brenda nunca gostou muito de socializar. Quando olhavam para a casa e ela via, queria tirar satisfação, partia para a agressão”, conta uma moradora da rua, que, assim como os outros vizinhos, prefere não ser identificada. Para eles, Ketelen não tinha permissão para ser criança. “Ela não devia saber nem que existe Frozen (filme infantil da Disney mundialmente conhecido) e as outras princesas que todas as crianças dessa idade adoram”, completa outra moradora da rua.

As sessões de espancamento contra a menina deixaram marcas impressionantes pelo corpo, compatíveis com queimaduras de cigarro e vergões pelo corpo. Ketelen estava também com um dos pulmões paralisados, supostamente em razão das agressões. A garota morreu seis dias após ser levada ao hospital, em estado gravíssimo.

Ketelen foi viver em Porto Real após a mãe, Gilmara, iniciar seu relacionamento com Brenda, romance que começou pela internet. Moradora de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, Gilmara viajou 135 km para visitar a namorada, em julho do ano passado, levando a filha e as malas para morar com Brenda.

A casa humilde e apertada ganhou um puxadinho na frente para o novo quarto do casal, onde Brenda lia títulos como “Refém da Obsessão”, “Sangue Quente” e “O Preço da Vida Eterna é a Submissão”. A única TV da casa só era ligada nos horários de telejornal – sem volume, para não interferir nas músicas de Brenda.

Para a pequena Ketelen, que era proibida de brincar, restou dividir um quarto com Rosângela e com a avó da madrasta, Aparecida Nunes, de 84 anos. Com a família vivendo apenas da aposentadoria de dona Aparecida, que recebe mensalmente um salário mínimo, Ketelen ficava sempre em último plano, e a relação entre as moradoras da casa, que já era tensa, piorou de fevereiro para cá.

Segundo Rosângela, quando Brenda bebia, que se tornou um hábito quase que diário, o clima da casa se tornava insuportável.

“Reclamei com a mãe dela (Gilmara) que ela (Ketelen) estava mexendo no leite. A mãe deu uma chinelada nela e a colocou de castigo. Nesse dia (sexta-feira 16/4), minha filha começou a beber e não se contentou com a punição que a mãe já tinha oferecido e bateu mais na garota, com um cabo desses de antena que ela dobrou em três para bater na criança”, lembra Rosângela, argumentando que, mesmo ouvindo o som das agressões e da menina gritar e chorar, não interferiu pois havia saído do quarto onde o espancamento aconteceu.

A “avó”, que assim como a mãe e a madrasta foi denunciada pelo homicídio e tortura, admite ainda que as sessões de agressões seguiram por mais dois dias e que ela ouviu, calada, todos os pedidos de socorro da criança.

O Metrópoles entrou em contato com a prefeitura de Porto Real e com o Conselho Tutelar da cidade, mas não houve retorno se havia alguma denúncia sobre as agressões em Ketelen.

“Cada vez que uma delas entrava no quarto onde a criança estava era mais pancada. Ouvi baterem com a cabeça dela na parede, socos e chutes. Até que no terceiro dia a criança já estava com os olhos vidrados, passando mal, deitada. Eu avisei que não acreditariam na versão de queda ou de que uma viga de madeira caiu na criança, mas se eu falasse também seria espancada. Então, me calei”, confessa Rosângela.

Ketelen passava todo o tempo no quarto, sem liberdade para ser criança, sem poder sair para brincar com as inúmeras crianças que transformam a rua em área de lazer. Durante todo o tempo em que a equipe do Metrópoles estava na casa, Rosângela apenas repetia que a filha odeia crianças, que nunca gostou de homens, e que ela só tinha uma amiga, hoje casada, com filhos, e afastada.

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