Exército não tem dados sobre idade de atiradores e caçadores do Brasil
Força não soube informar a quantidade de CACs de acordo com idade e sexo, mesmo sendo obrigatória a apresentação de identidade para registro
atualizado
Compartilhar notícia

O Exército Brasileiro indicou não ter uma base de dados com a idade e o sexo dos caçadores, atiradores e colecionadores (CACs).
A falta de informações consolidadas ocorre em meio ao crescimento da quantidade de CACs no país, que saltou de 117,5 mil para 673,8 mil pessoas no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). A alta foi de 474% no período, segundo dados do Exército divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
O Metrópoles solicitou à Força, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o número de pessoas com certificado de registro ativo de CACs de acordo com a idade, o gênero, o município e o estado dos cidadãos.
O Exército, porém, não repassou nenhum dos dados solicitados e alegou que “informações referentes a gênero e idade não são exigidas para o registro”.
A Portaria de nº 150, publicada em dezembro de 2019 pelo Comando Logístico do Exército, pede apenas nome, CPF, telefone, e-mail, endereço e CEP do requerente que quer ter o registro de colecionador, atirador ou caçador.
Ocorre que o requerimento exige também original e cópia de documento de identificação pessoal, o que permitiria saber, por exemplo, a idade dos cadastrados. Mesmo assim, o Exército não soube informar.

Desde que assumiu a Presidência do Brasil, em janeiro de 2019, Bolsonaro assinou o Decreto nº 9.685, que facilitou o acesso a armas de fogo no país. Apesar de alterar o Estatuto do Desarmamento para facilitar a posse, o porte de armas não foi incluído na modificação. Em maio do mesmo ano, porém, Jair assinou o Decreto nº 9.785, que amplia a lista de profissionais que poderiam portar o artifício Marie Kazalia / EyeEm/ Getty Images

Com o decreto, qualquer pessoa pode conseguir a posse de armas no Brasil. Contudo, nem todos podem portar o artifício. Em outras palavras, é possível adquirir, registrar e manter uma arma guardada em casa. Por outro lado, apenas pessoas que tenham profissões específicas estão autorizadas a andarem armadas nas ruas Westend61/ Getty Images

O artigo 6º da Lei 10.826/2003 permitia o porte de armas apenas para agentes de segurança pública, seguranças de empresas públicas e privadas ou membros do Exército Julian Elliott Photography/ Getty Images

O decreto assinado por Bolsonaro, porém, incluiu ainda caçadores, colecionadores, conselheiros tutelares, oficiais de Justiça, advogados, agentes de trânsito, jornalistas da área policial, atiradores desportivos e motoristas de transportadoras, por exemplo, no grupo de pessoas que podem ir além de suas residências portando armamento Dejan Markovic / EyeEm/ Getty Images

Quem se encaixa nas características do porte de armas precisa registrar as munições no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército, órgão responsável pela fiscalização dos artifícios Tetra Images/ Getty Images

Mas não é tão simples quanto parece. Apesar de poder portar consigo o armamento municiado, CACs só podem fazê-lo quando estiverem indo a clube de tiros, exposição de acervos ou competições. No caso da utilização para caça, deve-se respeitar as normas de proteção à fauna e flora, da legislação ambiental Yves Adams/ Getty Images

Para o cidadão comum que se enquadre no rol de residentes de áreas rurais ou urbanas com elevados índices de violência, donos de comércio e profissionais da área de segurança, a posse de até quatro armas dentro da residência é permitida, e as munições precisam ser adquiridas por meio do Sistema Nacional de Armas (Sinarm), órgão regulamentado pela Polícia Federal Alan Majchrowicz/ Getty Images

É importante ressaltar que, apesar de pessoas comuns terem o direito à posse de armas, elas não podem sair de sua respectiva residência portando o artifício skaman306/ Getty Images

Especialistas afirmam que, embora haja a flexibilização da lei, a posse de arma em residências é, na verdade, um risco para os moradores. Para tentar se precaver, portanto, Bolsonaro incluiu no decreto que, “na hipótese de residência habitada também por criança, adolescente ou pessoa com deficiência mental, deve-se apresentar declaração de que na casa há cofre ou local seguro com tranca para armazenamento” Image Source/ Getty Images

Atualmente, revólveres (calibre 22, calibre 36 e calibre 38), pistolas (calibre 32, calibre 22 e calibre – 380), espingardas (calibre 20, calibre 28, calibre 36, calibre 32 e calibre 12), rifles (calibre 22) e carabinas (calibre 38) podem ser comprados dentro da lei Emily Fennick / EyeEm/ Getty Images

Para adquirir uma arma de fogo, é necessário desembolsar de R$ 2 mil a R$ 6 mil, tirando os gastos obrigatórios que fazem parte do requerimento da Polícia Federal, e demais custos extras Mongkol Nitirojsakul / EyeEm/ Getty Images
Sobre as cidades e os estados dos CACs, a corporação ressaltou que os certificados de registros (CR) “são vinculados às Regiões Militares (RM), e não às UF [unidades federativas], motivo pelo qual inviabiliza a extração dos dados do CR de CAC por UF ou por município”. A demanda foi respondida na última segunda-feira (4/7).
“O sistema do Exército é tão arcaico que não se consegue extrair facilmente esses dados”, explica o advogado Ivan Marques, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“São registros incompletos. A gente não tem gênero, não tem idade, não tem o tipo de arma, não tem o calibre, não tem a cidade. É um sistema frágil, muito aquém do tamanho do órgão que o Exército é”, acrescenta a gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Natalia Pollachi, em conversa com o Metrópoles.
Em resposta a pedido formulado pelo Sou da Paz, também por meio da LAI, o Exército admitiu ser incapaz de produzir relatórios detalhados sobre os tipos de armas atualmente nas mãos dos CACs. A informação foi revelada pela jornalista Raquel Lopes, da Folha de S.Paulo.
O apagão ocorre pela falta de padronização de campos do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma).
Os especialistas em segurança pública apontam problemas estruturais decorrentes da falta de dados. “As políticas públicas ficam de certa forma míopes, pois não conseguimos olhar nem mesmo o perfil das pessoas que estão comprando armas no país”, diz Pollachi.
“Hoje quem mais mata e morre no país por arma de fogo são os jovens. Então, se o Exército não consegue detalhar as idades dos CACs, fica muito difícil fazer qualquer política pública”, afirma Marques.
“Um outro ponto é a questão da violência doméstica. Uma arma dentro de casa traz uma possibilidade maior de crimes de ameaças e de abusos. Não ter essa qualificação por gênero é uma falha enorme, um buraco gigante dentro da realidade brasileira”, complemeta o advogado.
Atualmente, um jovem de 18 anos pode se registrar no Exército como CAC.
Decreto do presidente Jair Bolsonaro (PL) publicado em maio de 2019 chegou a reduzir essa idade mínima para se tornar CAC para 14 anos, mas a medida foi suspensa pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber.
Em 2017, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a modenização dos bancos de dados do Exército sobre controle de armas de fogo.
O Exército publicou três portarias em março de 2020 para melhorar o rastreamento dessas armas. Os documentos foram revogados no mês seguinte, por determinação de Bolsonaro.
“Atiradores e colecionadores: determinei a revogação das portarias Colog nº 46, 60 e 61, de março de 2020, que tratam do rastreamento, identificação e marcação de armas, munições e demais produtos controlados por não se adequarem às minhas diretrizes definidas em decretos”, escreveu o presidente da República, em uma rede social.
Outro lado
O Exército foi procurado para comentar a falta de dados, mas não respondeu. O espaço segue aberto.
Receba notícias do Metrópoles no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/metropolesurgente.