Primeiro brasileiro eleito três vezes para a presidência da República, o petista Luiz Inácio Lula da Silva, de 77 anos, construiu sua imagem política em torno da imagem da criança humilde que venceu na vida após passar muitas dificuldades.
Com essa narrativa, o pernambucano conseguiu convencer milhões de brasileiros a ajudarem a manter no poder as plataformas de governo do PT. Um projeto de centro-esquerda, que se opõe ao liberalismo, apostando em um estado interventor na economia e defende programas de redistribuição de renda.
Eleito presidente da República neste domingo (30/10), o futuro novo chefe do Executivo será o mais velho a assumir o cargo, ultrapassando Michel Temer (MDB), que chegou ao Palácio do Planalto aos 75 anos, após o impeachment de Dilma (PT), em 2016.
O cargo, porém, não é nenhuma novidade para o ex-sindicalista, que fundou o PT em 1980, junto a companheiros de sindicato, intelectuais, religiosos e opositores da ditadura em geral. Lula já disputou seis eleições presidenciais, tendo vencido a metade.
Entre mandatos com aprovação recorde, denúncias de corrupção e mais de 500 dias de prisão, o presidente eleito tem uma trajetória cercada por conquistas, polêmicas e reviravoltas.
Biografia
O novo chefe do Executivo nasceu em Caetés (PE) no ano de 1945. Sétimo dos oito filhos de Eurídice Ferreira de Melo, a Dona Lindu, e de Aristides Inácio da Silva, Lula deixou a terra natal quando sua mãe levou a família para Santos, no litoral paulista. O petista conta que a relação entre os pais era conturbada, e ele presenciou sua mãe sendo agredida diversas vezes.
A viagem para o Sudeste, aos 5 anos, também é um momento definidor para Lula. “Foram 13 dias em pau-de-arara, comendo só farinha e rapadura”, relatou em podcast com Paulo Vieira.
Ainda na infância, Lula trabalhou como engraxate e ambulante, antes de seguir para São Paulo com a família. Morando no bairro Vila Carioca, no Ipiranga, o futuro político trabalhou ainda como office boy, auxiliar de tinturaria e nos Armazéns Gerais Columbia, seu primeiro emprego com carteira assinada.

Luiz Inácio Lula da Silva, nascido em 1945, é um ex-metalúrgico, ex-sindicalista e político brasileiro. Natural de Caetés, no Pernambuco, foi o 35º presidente do BrasilFábio Vieira/Metrópoles

De origem simples, Lula se mudou para São Paulo com a família quando ainda era criança. Na infância, trabalhou como vendedor de frutas e engraxateRafaela Felicciano/Metrópoles

Mais tarde, tornou-se auxiliar de escritório, foi aluno do curso de tornearia mecânica no Senai e, tempos depois, passou a trabalhar em uma siderúrgica que produzia parafusos, onde perdeu o dedo mínimo da mão esquerdaFábio Vieira/Metrópoles

Em 1966, Lula começou a trabalhar em uma empresa metalúrgica. Em 1968, filiou-se ao Sindicado de Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e, em 1969, foi eleito para a diretoria do sindicato da categoriaFábio Vieira/Metrópoles

Durante a ditadura militar, liderou a greve dos metalúrgicos e foi preso, cassado e processado com base na lei vigente à época. Foi justamente nesse período que a ideia de fundar o Partido dos Trabalhadores surgiuRicardo Stuckert

Para formar a sigla, juntou representantes de movimento sindicais, sociais, católicos e intelectuais. Lula se tornou o primeiro presidente do PT. Durante a redemocratização, foi um dos principais nomes do Diretas Já, e no mesmo período, iniciou a carreira políticaReprodução/YouTube

Em 1986, foi eleito deputado federal por São Paulo e, em 1989, concorreu pela primeira vez para presidente. Perdeu para Fernando Collor. Lula disputou o Palácio do Planalto outras duas vezes até ser eleito, em 2002Ricardo Stuckert/Reprodução/Instagram

Cumprindo o primeiro mandato, foi reeleito em 2006, após disputa com Geraldo Alckmin, e permaneceu como presidente até 31 de dezembro de 2010Fábio Vieira/Metrópoles

Durante o período em que foi chefe de Estado, ficou conhecido pelos programas sociais Fome Zero e Bolsa Família, pelos planos de combate à pobreza e pelas reformas econômicas que aumentaram o PIB brasileiro. No exterior, Lula foi considerado um dos políticos mais populares do Brasil e um dos presidentes mais respeitados do mundoFábio Vieira/Metrópoles

Após passar a faixa presidencial para Dilma Rousseff, Lula começou a realizar palestras nacionais e internacionais. Em 2016, foi nomeado por Dilma para comandar a Casa Civil, mas foi impedido de exercer a função pelo STFFábio Vieira/Metrópoles

Em 2017, Lula foi condenado pelo então juiz Sergio Moro por lavagem de dinheiro e corrupção, resultado da Operação que ficou conhecida como Lava Jato. A sentença levou Lula à prisão até 2019, quando ele foi solto após o STF decidir que ele só deveria cumprir pena depois do trânsito em julgado da sentençaFábio Vieira/Metrópoles

Em 2021, o Supremo declarou que Sergio Moro foi parcial nos julgamentos e, consequentemente, todos os atos processuais foram anulados. Lula tornou-se elegível outra vez e, tempos depois, confirmou a intenção de se candidatar novamente ao PlanaltoReprodução
Metalúrgico
Aos 14 anos, Lula terminou o ginásio, o equivalente ao ensino fundamental, e ingressou em um curso técnico de torneiro mecânico do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). O presidente eleito já citou diversas vezes que foi neste momento em que “conseguiu seu direito à cidadania”.
O primeiro emprego de Lula na área foi como metalúrgico na Fábrica de Parafusos Marte, onde sofreu o acidente que o deixaria sem o dedo mínimo da mão esquerda. “Já eram 3 horas da manhã, e o prensista soltou o braço da prensa, que fechou. Tentei tirar a mão, mas pegou o dedinho e amassou”, relembrou o petista, numa entrevista a Jô Soares em 2012. Veja:
Pelo acidente de trabalho, a empresa pagou uma indenização de 350 mil cruzeiros, dinheiro que Lula utilizou para comprar móveis para sua mãe e um terreno. Após 11 meses na empresa, ex-metalúrgico foi demitido em meio a uma discussão por salário.
Sindicalista
Aos 17 anos, Lula começou a trabalhar como operário das Indústrias Villares, em São Bernardo do Campo.
O futuro chefe do Executivo começou a se envolver com política ainda durante a ditadura, mas relata que não gostava do tema antes disso. “Até os 18, eu nem pensava em conversar sobre sindicato. Eu gostava muito de ler sobre futebol. Era só futebol, futebol, futebol”, disse em podcast.
Influenciado pelo seu irmão, Frei Chico, militante do clandestino Partido Comunista Brasileiro, Lula começou a frequentar o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, que viria a liderar.
Aos 23 anos, Lula se casa com Maria de Lourdes. Dois anos depois, a mulher, grávida de oito meses, precisou ser hospitalizada e teve de passar por um parto prematuro. O bebê e a mãe morreram. Lourdes foi vítima de hepatite agravada por uma anemia e, para Lula, que sempre lembra desse episódio, de negligência dos profissionais de saúde que a atenderam.
Em 1972, o metalúrgico assumiu a Diretoria de Previdência Social e FGTS no sindicato, e encerrou suas atividades como operário.
No ano seguinte, Lula conheceu a enfermeira Miriam Cordeiro, que, em 1974, deu à luz Lurian, primeira filha do futuro presidente. O relacionamento terminou quando a menina tinha um ano e o presidente eleito se casou com Marisa Letícia, também viúva e mãe de Marcos, que tinha 2 anos na época. Posteriormente, Lula adotou o garoto. O casal teve mais três filhos: Fábio Luiz, Sandro Luiz e Luiz Cláudio.
A ex-primeira dama morreu em fevereiro de 2017. Em maio deste ano, o ex-presidente se casou com a socióloga Rosângela da Silva, a Janja.
Voltando à juventude do petista, em 1975, Lula assumiu a presidência do sindicato e começou a ganhar mais projeção política ao liderar greves que ganharam tamanho até então não visto na ditadura, e que renderam ao sindicalista sua primeira prisão, em 1980, quando passou 31 dias detido no Dops de São Paulo com outros dirigentes sindicais.
Disputas presidenciais
De sindicalista, Lula virou político ao atuar nas campanhas das Diretas Já, a partir de 1983. Já pelo PT, foi eleito deputado federal em 1986 e foi parlamentar Constituinte. O presidente eleito relata que resolveu concorrer após uma viagem a Brasília, quando viu que não havia trabalhadores no Congresso. “Eu não gostava de política, mas, depois, eu descobri que apenas a luta sindical, econômica tem um limite.”
Em 1989, chegou ao segundo turno em sua primeira disputa pela presidência, mas Fernando Collor venceu o pleito. Em 1994 e 1998, perdeu no primeiro turno para o tucano Fernando Henrique Cardoso, mas conseguiu subir de patamar nas duas eleições seguintes, ao vencer os também tucanos José Serra e Geraldo Alckmin, que agora migrou para o PSB e virou vice de Lula.
Em seus mandatos, Lula garantiu avanços econômicos e sociais ao país, que lhe renderam aprovação acima dos 80%. Mas o ex-metalúrgico enfrentou graves escândalos de corrupção, com denúncias de propina assolando as principais obras e investimentos públicos. As investigações do Mensalão e do Petrolão descobriram que o governo loteava cargos em órgãos públicos e estatais. As vagas eram ocupadas por indicados de partidos aliados e, em muitos casos, faziam do patrimônio público um balcão de negócios.
Escândalos e cadeia
Os escândalos mancharam a imagem do PT, um partido que havia nascido com a ética na política entre suas bandeiras, mas não impediram Lula de conseguir fazer sua sucessora em 2012, a ex-ministra Dilma Rousseff, que ainda foi reeleita quatro anos depois, mas caiu no momento de maior crise política do partido.
Um inferno político que ainda seria ampliado em 2017, quando Lula foi condenado pelo então juiz federal Sergio Moro por corrupção, e em abril de 2018, quando o petista foi preso após ter a sentença do caso do triplex no Guarujá confirmada em segunda instância.
Foi durante sua prisão que Lula se aproximou de Rosângela da Silva, socióloga e militante do Partido dos Trabalhadores. Os dois se conheceram em um jogo de futebol promovido por Chico Buarque, e Janja acompanhou a vigília para o novo presidente durante todo seu tempo preso.
“Eu e ela escrevemos 580 cartas. Todos os dias eu mandava uma carta para ela, e todo dia ela mandava uma carta para mim”, contou em entrevista ao Correio Braziliense.

Quinze anos depois de concorrerem como rivais nas eleições ao cargo de chefe do Executivo federal, o ex-presidente Lula (PT) e o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) ensaiam formar aliança inusitada para 2022Ana Nascimento/ Agência Brasil

Lula e Alckmin disputaram o segundo turno das eleições presidenciais de 2006 em uma campanha marcada por ataques mútuos. Lula saiu vencedor com 48,61% dos votosBand/Reprodução

Após a derrota, Alckmin seguiu como oposição ferrenha a LulaFilipe Cardoso/ Metrópoles

No entanto, mirando nas eleições de 2022, o ex-presidente mostrou interesse em ter Alckmin como viceRafaela Felicciano/Metrópoles

Pouco antes do Natal, Lula e Alckmin tiveram o primeiro encontro

A aliança entre os políticos é estratégica. Ter Alckmin como vice pode atrair setores do mercado e do empresariado que resistem ao nome de Lula como candidato à Presidência da RepúblicaMichael Melo/Metrópoles

O tucano pode, também, agregar mais votos de São Paulo, o maior colégio eleitoral do paísIgo Estrela/Metrópoles

De acordo com pesquisa realizada em setembro de 2021 pelo Datafolha, Alckmin estava na liderança para o governo paulistaIgo Estrela/Metrópoles

A aliança entre os políticos foi oficializada em abril de 2022. A "demora" envolveu, além das questões legais da política eleitoral, acordo sobre a qual partido o ex-governador se filiariaAna Nascimento/ Agência Brasil

Ao ser vice de Lula, Alckmin almeja ganhar ainda mais projeção política, o que o beneficiará durante possível corrida presidencial em 2026Rafaela Felicciano/Metrópoles

Em 18 de março de 2022, Alckmin anunciou a filiação ao PSB, depois de 33 anos no PSDBDivulgação/ Ricardo Stuckert

Carlos Siqueira, Geraldo Alckmin, Lula e Gleisi HoffmannFábio Vieira/Metrópoles
Redenção judicial e nova aventura eleitoral
Numa das maiores reviravoltas jurídicas e políticas da história recente do Brasil, a história de Lula e do PT começou a mudar após a eleição de Jair Bolsonaro à presidência. Em abril de 2021, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou as alegações da defesa de Lula, de que ele não deveria ter sido julgado pela Justiça Federal em Curitiba, e anulou as condenações e os processos em andamento.
Logo depois, o Supremo também concordou com a defesa de Lula sobre a suspeição de Sergio Moro, acusado de atuar politicamente contra o petista. Entre os argumentos usados pelos advogados do presidente eleito estão a decretação de uma condução coercitiva do então investigado em 4 de março de 2016, sem que ele tenha sido convocado a depor voluntariamente, e a divulgação do conteúdo de um grampo entre Lula e a então presidente Dilma, em março de 2016, ignorando o foro privilegiado da chefe do Executivo.
Nos bastidores, pesou contra Moro a liberação de mensagens roubadas dos celulares de membros da Força Tarefa da Lava Jato pela série de reportagens Vaza Jato, que mostrou grandes indícios de conluio entre os servidores do Ministério Público e o juiz.
Livre da cadeia desde novembro de 2019, após 580 dias de cárcere, Lula renasceu politicamente, voltou a se candidatar à presidência e apareceu à frente de Bolsonaro nas pesquisas ao longo de toda a campanha.