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Diretora do Instituto Marielle Franco: “Cinco anos é tempo demais”

Ao Metrópoles, Lígia Batista comentou a lentidão nas investigações, e as expectativas com marco de meia década sem respostas

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Mário Vasconcellos/CMRJ
foto colorida de Marielle Franco, vereadora assassinada em 14 de março de 2018 no Rio de Janeiro - Metrópoles
1 de 1 foto colorida de Marielle Franco, vereadora assassinada em 14 de março de 2018 no Rio de Janeiro - Metrópoles - Foto: Mário Vasconcellos/CMRJ

O assassinato da vereadora Marielle Franco (foto em destaque) e do motorista Anderson Gomes alcança o triste marco de meia década, nesta terça-feira (14/3), em meio à lentidão da Justiça em concluir as investigações. Entre as questões ainda sem resposta, a principal delas ainda ecoa: quem foi o mandante do crime.

Em entrevista ao Metrópoles, a diretora-executiva do Instituto Marielle Franco, Lígia Batista, defendeu que “cada dia sem respostas serve para aumentar o ciclo de violência política no país”. A advogada e ativista assumiu o cargo no início de fevereiro, após a irmã da vereadora, Anielle Franco, deixar a chefia do instituto para assumir o Ministério de Igualdade Racial do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“A cada ano que passa é mais difícil reaquecer nas pessoas esse sentimento de indignação. Por isso, trabalhamos a partir do instituto para manter viva a luta por justiça, a fim de que as autoridades reconheçam que meia década é tempo demais sem respostas e que o Estado brasileiro precisa responder quem mandou matar Marielle”, defende Lígia.

A diretora-executiva do instituto tem 29 anos e atuou, entre 2013 e 2019, na equipe de pesquisa política da Anistia Internacional Brasil. Ela foi uma das pessoas que articulou a campanha que pede justiça para assassinatos de Marielle e Anderson.

Confira abaixo a entrevista completa:

Qual o sentimento de vocês diante da demora da Justiça, neste marco de 5 anos do assassinato, sem respostas?
Essa demora do sistema de justiça nos provoca profunda revolta e frustração já que nos aproximamos desse marco infeliz de meia década sem respostas efetivas sobre os assassinatos. Cinco anos é tempo demais. Cada dia sem respostas serve para alimentar o ciclo de violência política no Brasil.

O assassinato de Marielle é um atentado à  democracia e enquanto esse caso não tiver uma resolução, essa democracia fica em cheque. Ainda sim, não vamos nos calar e seguiremos em coro, somadas a tantas vozes ao redor do Brasil e do mundo, que fazem ecoar esse grito por justiça por Marielle e Anderson.

A irmã de Marielle, Anielle Franco, assumiu um ministério na gestão atual do presidente Lula. O que isso representa para vocês, do instituto?

O convite de Anielle para assumir o Ministério da Igualdade Racial chegou como um grato presente neste período de reconstrução. Para nós, a retomada da atuação no  enfrentamento ao racismo a partir da criação do Ministério da Igualdade Racial – pasta que antes era uma Secretaria com status de Ministério – é uma sinalização política importante do governo.

Termos Anielle como ministra é sem dúvidas um alento para retomada de políticas públicas para população negra brasileira. Nos últimos seis anos, nós, a partir da sociedade civil e junto com Anielle, resistimos a inúmeros ataques e tentativas de desmonte e agora temos a chance de reconstruir e aprimorar políticas públicas, a partir do novo governo e ao lado da sociedade civil.

A chegada de Anielle ao Ministério é também um reconhecimento do trabalho desempenhado pelo Instituto Marielle Franco, mas também por outras organizações e movimentos de mulheres negras em favor de nossa democracia.

Também foi aprovado o projeto que transforma o dia 14 de março no dia de Marielle Franco. A data era um pedido antigo de vocês. Qual a sensação de vê-lo concretizado?

É com satisfação que recebemos a notícia de que o presidente Lula apresentou ao Congresso o projeto de lei que institui o dia 14 de março como Dia Marielle Franco, com foco no enfrentamento à violência política. O Instituto Marielle Franco nasce de um feminicídio político e, desde sua fundação, sempre se dedicou ao enfrentamento à violência política de gênero e raça.

Acreditamos que mulheres negras devem poder exercer seus mandatos políticos sem medo e é fundamental que as instituições ponham em prática estratégias e mecanismos robustos de acolhimento e enfrentamento a essas violência. Nossa luta é por justiça, reparação e não repetição, de forma que mulheres negras possam chegar e permanecer em espaços de poder como a política institucional.

A criação do Dia Marielle Franco representará um passo importante não só em termos de preservação da memória, como também deve servir de oportunidade para outros avanços importantes para a garantia da vida e segurança de mulheres negras, cis e trans, que disputam a política todos os dias.

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Vocês têm um documento, com 14 perguntas não respondidas. Do último ano pra cá, identificaram algum avanço nas investigações?

Ao longo desses anos, ocorreram inúmeras mudanças no comando das investigações, obstruções e vazamentos de informações. Atualmente, Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, acusados de serem os executores do crime, estão privados de liberdade e ainda não foi marcado o Júri popular, no qual os mesmos serão julgados. As famílias continuam sem acesso à investigação dos mandantes.

Tal cenário, somado às relatadas mudanças no comando das investigações, como também o fato de tomarmos conhecimento sobre a maioria das mudanças pela mídia, traduz a dificuldade estrutural de acesso à justiça por parte de familiares de mulheres negras e, em especial, defensoras de direitos humanos vítimas do Estado.

Nesse momento, o Instituto – ao lado de familiares e outras entidades que compõe o Comitê Justiça por Marielle e Anderson – demandamos que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ofereça todas as condições necessárias para que a nova força-tarefa de promotores possa priorizar e dar seguimento ao caso; que os representantes legais das famílias das vítimas tenham acesso aos autos de inquérito sobre os mandantes desse crime; e que a polícia federal – apontada pelo Ministério da Justiça para prestar sua colaboração – esteja coordenada às autoridades responsáveis.

Desde a criação do instituto, vocês veem, efetivamente, melhores condições para a candidatura de mulheres negras no Brasil? E melhora com relação ao combate aos casos de violência política de gênero?

O número de mulheres negras parlamentares aumentou no Brasil ao longo dos últimos anos. Em 2023, por exemplo, a Bancada Marielle Franco – de parlamentares comprometidas com pautas e práticas descrita na Agenda Marielle – tomou posse em todo o país e hoje conta 32 mulheres deputadas negras e travestis, além de muitas vereadoras espalhadas por mais de 50 municípios.

Ainda assim, a representação de mulheres negras nos parlamentos do país segue pouco expressiva (em números absolutos) e atravessada cotidianamente pela violência política de gênero e raça. Em relatório publicado após as eleições municipais de 2020, o Instituto Marielle Franco apresentou 8 tipos de violência política sofridas por mais de 140 candidatas negras.

Em 2021, uma nova pesquisa do Instituto apontou que, após escuta ativa de 11 parlamentares negras de todas as regiões do país, os resultados mostram que sendo ou não eleitas após se candidatarem essas mulheres negras seguem desprotegidas.

Nesse sentido, é fundamental que o projeto de reconstrução do Brasil – anunciado pelo novo governo federal – dê conta de promover avanços para estruturação de estratégias e mecanismos de enfrentamento à violência política de gênero e raça.

O passar dos anos, na visão de vocês, atrapalha de alguma forma as investigações e preocupa de que o caso, de alguma forma, possa cair no esquecimento?

Sim. Infelizmente, o Brasil é um dos países que mais mata defensores de direitos humanos do mundo. Além disso, a violência política só cresce e afeta de maneira  desproporcional mulheres negras.

O assassinato de Marielle é paradigmático e se dá num contexto em que a violência política faz parte do cotidiano de parlamentares mulheres negras, cis e trans. Assim, por tudo que significou ter uma mulher negra parlamentar assassinada, em pleno exercício de seu mandato e no auge de sua carreira política, é muito importante que esse caso não caia no esquecimento.

A cada ano que passa é mais difícil reaquecer nas pessoas esse sentimento de indignação. Por isso, trabalhamos a partir do Instituto para manter viva a luta por justiça, a fim de que as autoridades reconheçam que meia década é tempo demais sem respostas e que o Estado brasileiro precisa responder quem mandou matar Marielle.

Em 2020, vocês lutaram para que o caso não fosse federalizado, durante o governo Bolsonaro. Logo no início deste ano, o ministro Flávio Dino determinou a abertura de um inquérito na Polícia Federal. Como vocês enxergam essa mudança?

Já são 5 anos sem respostas sobre quem mandou matar Marielle e por quê. Nós esperamos que a colaboração da Polícia Federal junto às autoridades responsáveis robustece o processo e se dê de maneira coordenada às demais autoridades responsáveis.

Além disso, será importante que a Polícia Federal estabeleça um canal de diálogo com familiares das vítimas e da sobrevivente do atentado nos inquéritos, com zelo, transparência e comunicação periódica junto aos respectivos representantes legais.

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