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Delegado quer arquivar caso de jovem trans desaparecida há um ano

Reportagem leu as 340 páginas do inquérito e constatou que sugestões da própria polícia para andamento da investigação foram ignoradas

atualizado

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Vinicius Schmidt/Metrópoles
Trans desaparecida Alicia Fabricia Goias
1 de 1 Trans desaparecida Alicia Fabricia Goias - Foto: Vinicius Schmidt/Metrópoles

A Polícia Civil de Goiás pediu para arquivar o inquérito sobre o desaparecimento da jovem trans Alícia Marques, de 18 anos, mesmo sem descobrir o paradeiro da garota e com uma série de pontas soltas na investigação que ainda não foram amarradas.

Alícia (nome de registro: Edmar Gustavo Marques Pereira) foi vista pela última vez na noite de 12 de fevereiro de 2022 em uma distribuidora de bebidas em Aparecida de Goiânia, região metropolitana da capital goiana, próximo do bairro em que ela morava com a mãe, a irmã e sobrinhos.

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O delegado Jonatas Barbosa pediu o arquivamento do inquérito no dia 26 de janeiro deste ano, pouco antes do desaparecimento completar um ano. Ele defendeu que a investigação havia chegado em um “impasse” e que o caso deveria ser arquivado “até que surjam novas informações”.

Ocorre, no entanto, que o investigador ignorou relatórios da delegada que havia começado a apurar o caso, Luiza Veneranda.

O inquérito foi enviado para o Ministério Público de Goiás (MPGO), que ainda vai dar um parecer sobre se concorda ou não com o arquivamento.

A reportagem leu todas as 340 páginas do inquérito sobre o desaparecimento, que se tornou público após o pedido de arquivamento, e constatou a paralisação da investigação mesmo sem a jovem ser encontrada e mesmo com os indicativos para continuidade da apuração.

Buscas e mãe desesperada

As investigações sobre o desaparecimento de Alícia começaram ainda no mês de fevereiro do ano passado, lideradas pela delegada Luiza Veneranda, do 1º Distrito Policial (1º DP) de Aparecida de Goiânia.

O caso teve repercussão na imprensa, que veiculou entrevistas com a mãe de Alícia, a diarista Fabrícia Pereira, de 40 anos, que estava desesperada em busca de notícias e vestígios sobre o paradeiro da filha.

“Eu ligo na delegacia e a escrivã da polícia sempre fala que não está podendo conversar, que a delegacia está cheia e não me recebem. Aí eu fico aí nessa agonia o resto da vida”, desabafou Fabrícia ao Metrópoles na última semana.

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Durante os primeiros meses de investigação, houve a interceptação telefônica de suspeitos, pedidos de quebra de sigilo de e-mail, aplicativos de transporte, conta bancária e várias pessoas foram ouvidas pela polícia, entre amigos, familiares e as últimas testemunhas que afirmam ter visto a jovem trans.

No entanto, o inquérito teve que mudar de delegacia em agosto, pois havia sido distribuído de forma incorreta para o 1º DP. A delegacia que investiga crimes na área em que a jovem desapareceu é o 4º Distrito Policial de Aparecida, que passou a responder pelo caso. Foi aí que a investigação parou.

Desde que a apuração teve início, o inquérito acumula 340 páginas. Dessas, apenas 25 são de despachos e diligências do delegado que pediu o arquivamento. Todas as outras são da delegada anterior.

Investigação parada

Antes da investigação ser enviada para um novo distrito, a delegada escreveu dois relatórios sobre o andamento da apuração.

Em um deles, de agosto de 2022, Luiza Veneranda aponta que o Google não havia enviado os dados do período solicitado e que os bancos não tinham obedecido a decisão judicial de quebra de sigilo bancário.

Já em outro documento, intitulado “relatório de investigação preliminar”, a delegada faz um resumo do caso no formato de tópicos e sugere várias medidas para a continuidade das apurações, além de fazer comentários e apontar incoerências em depoimentos.

Entre as sugestões estão a solicitação para que a operadora de um cartão de crédito forneça dados de um cliente de uma distribuidora de bebidas, que teria se sentado em uma mesa com Alícia, na última vez em que ela foi vista.

A delegada responsável inicialmente pela investigação também chegou a sugerir o uso de dados das Estações Rádio-Base (ERBs), que podem conceder informações importantes sobre a localização do indivíduo, já que fica registrado a conexão entre a ERB e o aparelho celular que faz ligação.

Inquérito engavetado

Todas essas sugestões e procedimentos investigativos incompletos não foram acatados no relatório final que pede o arquivamento, assinado pelo delegado Jonatas Barbosa.

Em dezembro de 2022, o delegado Jonatas determinou que agentes da Polícia Civil “procedam diligências necessárias” para apurar o desaparecimento de Alícia. Ele deu o prazo de 30 dias para isso.

A resposta dos agentes veio em um relatório de uma página, com quatro parágrafos, no início de janeiro deste ano. Os agentes informaram apenas que fizeram diligências nas proximidades da casa em que Alícia morava, conversaram com vizinhos e com a mãe de Alícia, que disse não ter nenhuma novidade para ajudar o caso.

Diferentes versões

O caso do desaparecimento de Alícia é complexo e envolve várias possibilidades. A jovem trans se prostituía e marcava programas sexuais pela internet.

Em alguns casos, ela supostamente escondia dos clientes que era transexual até o momento do encontro. Além disso, era usuária de cocaína e há relatos de que ela já teria adquirido a droga fiado.

No dia em que ela desapareceu, havia marcado um encontro com um jovem que é ex-namorado de um antigo romance. Também havia uma linha de investigação sobre um relacionamento que ela teve com o pai de um amigo.

Durante os depoimentos também foi levantado o rumor de que Alícia teria tido namorados do Comando Vermelho (CV) e do Primeiro Comando da Capital (PCC), facções rivais, mas isso ainda não havia sido confirmado.

Alguns depoimentos são contraditórios e há casos em que a polícia já havia constatado mentira por parte de testemunhas. A reportagem optou por não revelar os nomes dos investigados para não atrapalhar uma possível retomada da investigação.

Respostas oficiais

Questionada pelo Metrópoles, a Polícia Civil de Goiás informou apenas que “o delegado responsável pelo inquérito em apreço adotou todas as medidas cabíveis e encaminhou os autos a juízo, pleiteando o aguardo de fatos novos que demandem novas diligências a serem levadas a cabo”.

A reportagem também entrou em contato com o próprio delegado Jonatas Barbosa por telefone e mensagem de celular, mas ele não respondeu. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) de Goiás não se manifestou.

Em nota, o Ministério Público de Goiás informou que a 7ª Promotoria de Justiça recebeu o inquérito policial, mas ainda não teve tempo hábil para se inteirar de toda a investigação policial e se posicionar a respeito.

“O Ministério Público, dentro do prazo legal, realizará a devida análise dos autos, e adotará as providências que entender pertinentes ao caso”, informou em nota.

Na esperança de que o pedido de arquivamento seja revisto e a investigação continue, a reportagem entrou em contato com o Google e com os bancos que não teriam obedecido às decisões judiciais de quebra de sigilo para ajudar nas investigações.

O Itaú Unibanco informou que já está em contato com as autoridades para entender o caso e colaborar com o que for necessário, mas adiantou que respondeu um ofício sobre o caso com as informações solicitadas em novembro de 2022.

Já o PicPay afirmou que cumpriu todas as determinações judiciais e segue à disposição para qualquer esclarecimento. O Google não respondeu o contato da reportagem.

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