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Covid: 1,8 milhão de testes vencidos seguem encalhados sem previsão de troca

Desperdício pode chegar a R$ 77,3 milhões. Prazo de validade dos exames expirou há cerca de três meses

atualizado

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Vinícius Schmidt/Metrópoles
Goiânia (GO) 13/05/2021 Prefeitura de Goiânia promove testagem de CoViD-19 voltada a assintomáticos . Os testes ocorreram mediante agendamento prévio
1 de 1 Goiânia (GO) 13/05/2021 Prefeitura de Goiânia promove testagem de CoViD-19 voltada a assintomáticos . Os testes ocorreram mediante agendamento prévio - Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles

Mais de três meses após expirarem, cerca de 1,8 milhão de testes RT-qPCR para Covid-19 seguem encalhados no almoxarifado central do Ministério da Saúde, conforme apurou o Metrópoles. Desde então, tanto a pasta quanto o laboratório* que produziu os exames, mesmo procurados diversas vezes, não dão qualquer sinal de quando a troca será efetuada, como rege a legislação.

Nesse meio tempo, inclusive, houve mudanças no discurso do governo federal. Inicialmente, o ministério admitiu que os testes ultrapassaram a data de vigência; agora, porém, a pasta contesta essa informação e alega que os exames foram bloqueados pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS).

Esses testes são os mesmos que tiveram o prazo de validade prorrogado em novembro do ano passado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas, mesmo assim, o governo federal os deixou vencer, conforme revelou o Metrópoles em maio deste ano.

Os exames foram comprados em abril do ano passado, por meio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). No total, foram adquiridos 10 milhões de exames, pelo custo unitário de R$ 42,32. Isso significa que, além de os brasileiros não terem tido acessos aos exames, o desperdício pode chegar a R$ 77,3 milhões. O Ministério da Saúde nega, contudo, prejuízo à administração pública.

Dados obtidos pelo Metrópoles, via Lei de Acesso à Informação (LAI), detalham que 1,615 milhão de testes RT-qPCR tinham validade até 31 de maio deste ano, e 211,8 mil, até 8 de junho.

Dias antes, em 18 de maio, a pasta já havia mencionado a indisponibilidade dos exames. “[Os testes] que estão fora do prazo de validade serão substituídos pelo fornecedor, sem custo”, informou a pasta. Procurada à época, a empresa Seegene Brazil, que produziu os exames, anunciou que iria “doar” 2 milhões de unidades do insumo ao Brasil.

Segundo a Seegene, os testes que seriam doados já estavam disponíveis na Coreia do Sul, onde fica a sede da empresa, e o embarque dependia “apenas de procedimentos burocráticos que devem estar concluídos nos próximos dias”.

“Liberado o embarque, os testes serão entregues em São Paulo, onde o Ministério da Saúde usualmente estoca o material a ser distribuído aos estados”, prosseguiu a companhia, em nota enviada ao Metrópoles no dia 19 de maio, após ressaltar que os exames a serem doados são de uma nova geração, que propiciam resultado mais rápido e mais eficiente, e ainda têm validade maior que os testes anteriores.

A Seegene também assegurou que não haveria prejuízo. “A empresa, que tem no Ministério da Saúde do Brasil um cliente importante, faz a doação como um gesto de boa vontade. […] O custo dos testes doados será absorvido sem problemas maiores”, pontuou.

Desde então, a companhia sul-coreana* e o Ministério da Saúde foram procurados ao menos três vezes, por e-mail, para informar sobre o andamento do procedimento de troca, mas não se manifestaram. Os contatos ocorreram nos dias 1º e 23 de julho, e na quinta-feira (2/9). O Metrópoles só conseguiu respostas oficiais do governo federal por meio da LAI.

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Em 17 de junho, a pasta explicou que a Seegene é obrigada a “repor integralmente o produto danificado, a partir da data da identificação dos desvios de qualidade, desde que notificado oficialmente pelo contratante, contados da data da chegada do produto no almoxarifado, sendo que a reposição deverá ocorrer no prazo máximo de (até) 90 dias corridos, a partir do recebimento da notificação, sem ônus ao contratante”. A avaliação do lote feito pelo INCQS ocorreu no início de maio. Desde essa data, passaram-se quatro meses.

No dia 16 de agosto, em resposta ao segundo pedido via LAI, o Ministério da Saúde, questionado sobre a data e o processo de troca dos testes, alegou, sem explicar os motivos, que parte da informação é sigilosa e não respondeu às perguntas.

A reportagem do Metrópoles entrou com recurso, e a pasta, finalmente, admitiu, no último dia 23 de agosto, que os testes ainda não foram trocados. O ministério também relatou, sem detalhes, que as tratativas para a destinação dos lotes no almoxarifado central da pasta seguem de pé. “Nenhum teste passível de utilização perdeu a validade no centro de distribuição do Ministério da Saúde, razão pela qual entende-se que não há prejuízo identificado para a administração pública”, prosseguiu o órgão federal.

Tentativas falhas

O Ministério da Saúde tentou dar “fim” a esses testes, de diversas maneiras. Em junho do ano passado, a pasta pediu à Opas que suspendesse a entrega de 4 milhões (dos 10 milhões contratados), mas a solicitação não foi atendida, conforme revelou o Metrópoles.

O órgão federal alegou que a medida visaria “otimizar as ações do ministério até que sejam definidas as novas estratégias de testagem pelos gestores da Secretaria Executiva e da Secretaria de Vigilância Sanitária”. No ofício, o ministério, que à época era comandado pelo general Eduardo Pazuello, afirmou que a “Opas quer obrigar o ministério a receber uma quantidade remanescente dos referidos kits, que ainda não foram entregues, totalizando 40 mil kits, ou 4 milhões de testes, sem que o ministério tenha aceitado o cronograma de entrega”.

O governo explicou que poderia ser necessário, futuramente, ter que descartar os kits, e propôs, inclusive, a incineração dos insumos.

A Opas, no entanto, não interrompeu o processo de entrega. A entidade explicou que a demanda não pôde ser paralisada, porque a quantidade total de 10 milhões de testes já estava integralmente no Brasil, e 6 milhões de testes estavam em posse do Ministério da Saúde.

“Os 4 milhões de testes remanescentes estavam em São Paulo, e a operação logística para a entrega dessas cargas ao almoxarifado do Ministério da Saúde já havia sido iniciada”, prosseguiu, em nota enviada ao Metrópoles.

Em fevereiro deste ano, o jornal O Estado de S.Paulo revelou também que o governo federal estudava doar 1 milhão de testes ao Haiti. Outro lote foi oferecido a hospitais filantrópicos e santas casas, mas recusado.

*Após a publicação da reportagem, a Seegene Brazil procurou o Metrópoles nesta terça-feira  (7/9), alegou não ter recebido os e-mails e enviou a seguinte na nota, na qual confirma a doação dos 2 milhões de testes. A empresa destaca, porém, não se tratar de uma “troca”.

Leia a íntegra do comunicado:

“O Ministério da Saúde recebeu no início de agosto os dois milhões de testes PCR para identificar contaminação por coronavírus, que foram doados pela Seegene Inc. da Coreia do Sul. Os testes vieram acompanhados pelos reagentes para preparar as amostras coletadas das pessoas a serem testadas e seu prazo de vencimento é novembro.

A empresa coreana também doou, como gesto de boa vontade, 132 equipamentos para análise e leitura do resultado das testagens.

Os testes PCR identificam a presença do vírus no organismo humano e, como a pesquisa sobre a COVID-19 é contínua no País asiático e os testes doados são de nova geração, sua validade é maior do que a dos testes anteriores e também são eficazes para a identificação de várias mutações do vírus, que se difundiram recentemente.

É importante que, além dos testes, tenha sido feita a doação dos equipamentos para leitura do resultado das testagens, também a custo zero, pois em várias cidades brasileiras não existem laboratórios capacitados a fazer a interpretação dos resultados. Os equipamentos oferecidos ajudam a resolver esse problema.

A doação dos dois milhões de testes foi feita a pedido do Ministério, atendida pela empresa coreana e a Seegene explica que se trata de doação e não de substituição de testes. Foi levado em conta tanto a importância do Brasil como cliente – o País adquiriu mais de 10 milhões de testes no ano passado – como a necessidade de mensurar o nível de contaminação em polos específicos, enquanto a vacinação não atinge o patamar necessário para bloquear o avanço da epidemia.

O Seegene do Brasil explica que os testes, já estocados nos depósitos do Ministério da Saúde, em São Paulo, são importantes porque permitem a testagem em massa em localidades ou bairros onde haja indicação de que a doença se espalha com maior virulência.

Com a possibilidade de testar esses grupos, a Saúde Pública terá condições tanto de aumentar ou concentrar a imunização por vacina no local testado, como também de comprovar se o coronavírus é ou não o responsável pelos surtos de síndrome respiratória.

A questão é importante porque o Brasil convive tanto com a COVID-19, como com o tradicional surto de influenza, de pneumonias ou mesmo de H1N1. Apenas a testagem pode indicar qual o patógeno predominante em determinada área, informação vital para orientar o tratamento.”

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