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Contrato da Prefeitura de SP com Maiara e Maraisa revolta artistas sem auxílio

A dupla vai ganhar R$ 320 mil para fazer show no YouTube na virada do ano; trabalhadores do setor cultural reclamam de editais

atualizado

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maiara e maraisa
1 de 1 maiara e maraisa - Foto: Reprodução/Instagram

São Paulo – O anúncio de que a Prefeitura de São Paulo contratou a dupla sertaneja Maiara e Maraisa por R$ 320 mil para um festival de réveillon on-line causou revolta em grupos de artistas paulistanos.

Trabalhadores do setor cultural que perderam renda relatam dificuldade em receber o auxílio emergencial previsto pela Lei Aldir Blanc —R$3 mil em parcela única (de competência do governo estadual). Pontuam também que editais especiais na quarentena foram confusos, burocráticos e contemplaram poucos (de competência do governo municipal).

Cabe frisar que auxílios e editais do âmbito da cultura são de responsabilidade da Secretaria Municipal da Cultura e da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. Embora o contrato da dupla sertaneja Maiara e Maraisa tenha sido anunciado em Diário Oficial no campo da cultura, o evento é promovido pela Secretaria Municipal do Turismo.

“A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura esclarece que os recursos destinados para contratações artísticas e infraestrutura do Réveillon On-line são oriundos da Secretaria Municipal de Turismo, bem como a curadoria do evento, cabendo à SMC apenas a formalização dos contratos junto aos artistas”, declarou a Secretaria Municipal de Cultura após a publicação da reportagem.

O produtor de eventos e técnico de som Jeff Lacerda é um dos trabalhadores que não recebeu nenhum auxílio ou ganhou edital e está indignado com os valores gastos pela prefeitura no réveillon on-line.

“A questão não é o mérito das duas artistas. Fico indignado com a Secretaria Municipal de Cultura que está segurando as verbas da Lei Aldir Blanc para projetos contemplados, feitos por pessoas que estão precisando demais. Muitos não conseguiram fazer as inscrições, exigiram papelada para ontem. É uma afronta ver esse valor dado a artistas estabelecidas no mercado, quando temos colegas que perderam renda, casa, e não conseguiram o auxílio. Estamos dando cestas básicas para essas pessoas”, declarou Lacerda.

Ativista há 10 anos na área de políticas públicas para a Cultura, a produtora cultural Inti Queiroz está há quatro anos em diálogo com a Comissão de Finanças da Câmara Municipal. Ela conta que o setor negocia auxílios emergenciais com a Secretaria Municipal de Cultura desde abril, mas as reuniões ficaram aquém do esperado.

“Com a aprovação da Lei Aldir Blanc em junho, o Bruno Covas (PSDB) publicou — sem dialogar com o setor — decreto regulando a lei. Aceitamos porque não tínhamos opção. Indicamos representantes e elaboramos uma proposta democrática, que distribuiria recursos para mais gente, com menos burocracia. Porém, a Secretaria não aceitou.”

Na opinião de Inti Queiroz, os editais que foram elaborados pela secretaria são excessivamente burocráticos. A produtora também critica que o órgão preferiu elaborar poucos editais com valores elevados. Para a ativista, o ideal seria contemplar mais trabalhadores, ainda que isso implicasse valor menor.

“No fim das contas, os editais foram abertos por apenas 10 dias — conseguimos adicional de três dias — em uma plataforma complicada. Além disso, a secretaria não fez divulgação porque estávamos durante o período eleitoral, quando as redes sociais do órgão estavam todas fora do ar”, declara a produtora cultural.

De acordo com Inti Queiroz e Jeff Lacerda, alguns trabalhadores ainda estão esperando resultados de editais, enquanto a prefeitura passou a anunciar lives em seus canais no YouTube.

Para Lacerda, que atua com artistas como Pavilhão 9 e Supercombo, os trabalhadores culturais com mais necessidade são da área técnica, pois eles não estão tendo o retorno econômico reconhecido.

“Estou parado há meses com meus negócios. As pessoas precisam entender que nossos negócios geram renda, empregos, pagamos impostos. Apenas com o Carnaval, o setor cultural fez a economia movimentar R$ 3,5 bilhões, mas o orçamento destinado para a Cultura é de menos de 1%. Quando mais precisamos, os impostos que foram para o governo não retornam para a gente”, assinala Jeff.

Os números citados por Lacerda estão corretos. Segundo a Secretaria Municipal de Cultura, em 2021 o orçamento previsto para a área é de R$ 475,1 milhões.

Outro lado

De acordo com a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, a maioria dos cidadãos que buscou os editais da Lei Aldir Blanc já recebeu o benefício. Os pagamentos ainda não realizados serão feitos até sexta-feira (18/12).

Ainda segundo a secretaria, o órgão contemplou 3.965 trabalhadores pela Lei Aldir Blanc. Por meio de 17 editais, beneficiou 506 profissionais diretamente e 1.927 indiretamente, e ainda deu um aporte à lei de R$ 20 milhões de recursos próprios.

O Metrópoles também entrou em contato com a Prefeitura Municipal de São Paulo para saber os custos totais do réveillon on-line. A Secretaria Municipal de Turismo informou que ainda não é possível informar o investimento total porque as licitações ainda não foram concluídas.

“Mesmo assim, e com as exigências adicionais em função da pandemia provocada pelo coronavírus – custos referentes a equipamentos de proteção e higienização com álcool, por exemplo –, já é possível afirmar que os valores serão inferiores aos do ano passado. Além disso, o show pirotécnico foi cancelado. Em 2020, o Réveillon na avenida Paulista teve investimento de R$ 4,8 milhões, considerando contratações artísticas e de infraestrutura”, declarou a assessoria da Secretaria Municipal de Turismo.

Segundo Secretaria Estadual de Cultura e Economia Criativa, responsável pelo auxílio emergencial, os trabalhadores que pleitearam a renda básica pela plataforma Dados Culturais receberão seu auxílio a partir desta quarta-feira (16/12).

Leia a nota atualizada da Secretaria Municipal da Cultura na íntegra:

A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura esclarece que os recursos destinados para contratações artísticas e infraestrutura do Réveillon On-line são oriundos da Secretaria Municipal de Turismo, bem como a curadoria do evento, cabendo à SMC apenas a formalização dos contratos junto aos artistas.

Em relação à Lei Aldir Blanc, o processo realizado pela SMC contemplou um total de 3.965 inscritos nos incisos II (que se refere aos territórios e espaços culturais cujas atividades foram interrompidas pela pandemia) e III (editais de premiação) e ainda deu um aporte à lei de R$ 20 milhões de recursos próprios. A maioria dos habilitados já recebeu e os pagamentos que faltam serão realizados até dia 18 de dezembro. Vale ressaltar que o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600,00 compete ao Estado.

A SMC realizou 17 editais durante o período de quarentena, beneficiando diretamente 506 trabalhadores de cultura e cerca de 1927 indiretamente, entre artistas, técnicos e produtores, totalizando R$ 49.356.400,00. São eles VAI 1, VAI 2, Apoio aos Blocos Comunitários de Carnaval de Rua, Apoio às Culturas Negras, Apoio à Linguagem Música, Apoio às Rádios Comunitárias, Fomento ao Forró, Fomento ao Circo, Edição de Premiação de Espaços Culturais Independentes que realizam Atividade Cultural na Cidade de São Paulo, Fomento à Periferia, Premiação de Coletivos Culturais que realizam a Gestão Comunitária em Espaços Públicos Ociosos na Cidade de São Paulo, Fomento à Dança, Fomento ao Teatro, Apoio à Linguagens Artísticas – Reggae, Prêmio Zé Renato, Mapeamento e Credenciamento de Gestão Compartilhada de Espaços Ociosos e Contratação de Serviços para a Comissão Organizadora – Diálogos.

ATUALIZAÇÃO: A reportagem foi atualizada às 16h41 com nota da Secretaria Municipal da Cultura que esclarece que o show de Maiara e Maraisa é de responsabilidade da Secretaria Municipal do Turismo.

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